Artigo Destaque dos editores

Divisão de competência entre os entes federativos para emissão de licenciamento ambiental:

uma análise da Lei Complementar nº 140/2011

Exibindo página 1 de 2
Leia nesta página:

A delegação, supletividade ou subsidiariedade de atuação tornaram-se figuras legalmente estabelecidas, que demandam, contudo, um grau de formalidade e procedimentos mínimos a serem respeitados pelos entes federativos.

Sumário: Considerações iniciais; 1. Da definição de competência em matéria de licenciamento ambiental após a vigência da Lei Complementar nº 140/2011; 2. Da delegação de competência licenciatória; 3. Das ações supletivas e subsidiárias previstas na Lei Complementar nº 140/2011; Considerações finais; Referências.


Considerações iniciais

A proteção do meio ambiente foi prevista, pelo legislador constituinte, como atividade a ser exercida por todas as esferas de Governo, tratando-se de uma das competências comuns estabelecida no art. 23 da Constituição Federal. Apesar de se falar em competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a Lei não autoriza que todos os entes atuem, concomitantemente, em todas as situações concretas, o que geraria uma indesejada duplicidade de atuação, com desperdício injustificado de recursos públicos.

Nesse sentido, prevê o parágrafo único do citado artigo constitucional que Lei Complementar fixará a cooperação entre os entes, atingindo o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

 Durante muito tempo, não existiu a referida Lei Complementar, sendo que, nesse período, os órgãos administrativos se valeram dos princípios constitucionais e das normas infraconstitucionais, em especial da Lei n° 6.938/1981, bem como dos atos normativos infra-legais que regulavam a matéria, para solucionar questões relacionadas à distribuição de competências materiais. Nesse sentido, destaca a doutrina:

Até o ano de 2011 os diplomas legais que regulamentaram o licenciamento ambiental eram: A Lei 6.938 de 1981 – Política Nacional do Meio Ambiente que em seu artigo 10º, menciona sobre a conceituação do licenciamento ambiental, as Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA 01/86 que trata sobre o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, ou seja, toda obra, atividade ou empreendimento, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, tem que realizar obrigatoriamente o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente – EIA/RIMA, recepcionado pela Constituição Federal no artigo 225 § I inciso IV.

A Resolução CONAMA 237/97 que aborda de forma significativa o Licenciamento Ambiental Ordinário, cujo alguns artigos foram revogados pela Lei Complementar 140/11 e outras Resoluções CONAMA Especiais para os diversos segmentos de empreendimentos tais como: postos de combustíveis, hidroelétricas, plataformas de petróleo, entre outras.

Com a promulgação da Lei Complementar 140/11, esses diplomas legais, devem observar a nova redação do artigo 10º da Política Nacional do Meio Ambiente sobre a competência para o Licenciamento Ambiental[1].

Em dezembro de 2011, foi publicada a Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, que, segundo sua ementa:

Fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.

A novel disciplina trouxe a esperada normativa sobre o assunto, suprindo uma carência há muito existente, no que tange à regulamentação legal da divisão de atribuição licenciatória ambiental entre os órgãos competentes.

Por se tratar de normativa recentemente inaugurada e que apresenta disciplinas inéditas, convém interpretá-la, com vistas a fixar as limites de atuação de cada órgão ambiental, nas diferentes esferas de Governo, e analisar a necessária cooperação entre eles, seja por meio de delegação de competência propriamente dita, seja pelas atuações subsidiária e supletiva, todas previstas expressamente pelo legislador.


1. Da definição de competência em matéria de licenciamento ambiental após a vigência da Lei Complementar nº 140/2011

A Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, relaciona o licenciamento como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente e estabelece, no seu art. 10, que dependerão de prévio licenciamento ambiental “a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental”.

A Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, conceitua o licenciamento ambiental como “procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso” (art. 1º, inc. I).

O escopo do licenciamento é, assim, a compatibilização da proteção do meio ambiente com o desenvolvimento econômico sustentável, com foco nos impactos ambientais da atividade/empreendimento. Segundo a respeitada doutrina:

O licenciamento ambiental visa, portanto, a exercer um controle prévio e a acompanhar as atividades humanas capazes de gerar impactos sobre o meio ambiente, de modo a assegurar a qualidade de vida da população e promover o desenvolvimento sustentável, ao buscar conjugar a eficiência econômica e a justiça social à proteção do meio ambiente, e concretizar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Em razão de sua finalidade, o licenciamento ambiental é considerado um dos mais importantes instrumentos de caráter preventivo da gestão ambiental, constituindo-se no principal canal de consideração das questões socioeconômicas, e de integração da preocupação ambiental, ao complexo de fatores que influenciam a tomada de decisão por parte da Administração[2].

Na Constituição Federal, o licenciamento está inserido dentre as competências comuns dos entes federados:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

(...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

(...)

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

Em dezembro de 2011, foi publicada a Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, que cuidou de fixar as normas a que alude o parágrafo único acima transcrito. Sobre as novas regras, impende destacar, desde já, que elas não devem ser aplicadas aos processos de licenciamento e autorização iniciados até a data de 08/12/2011, ou seja, anteriormente à entrada em vigor da LC nº 140/11, que se deu em 09/12/2011. É o que estabelece expressamente a referida Lei:

Art. 18.  Esta Lei Complementar aplica-se apenas aos processos de licenciamento e autorização ambiental iniciados a partir de sua vigência. 

(...)

Art. 22.  Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. 

Parece razoável entender que processo já iniciado é aquele cujo pedido de licenciamento ambiental ou de regularização foi apresentado ao órgão ambiental, à época competente, até a data de 08/12/2011. Portanto, o interesse do empreendedor na obtenção de licenciamento ou regularização ambiental manifestado, ao órgão ambiental, a partir do dia 09/12/2011 deverá se submeter às novas regras de competência, trazidas pela LC nº 140/2011.

Vê-se, assim, que a nova Lei garantiu a continuidade, nos termos da legislação anteriormente aplicada, dos processos de licenciamento e autorização ambiental iniciados antes de sua vigência. A disposição legal parece salutar e necessária, uma vez que a transferência de competência de processos de licenciamento já conduzidos por um determinado ente federativo causaria uma análise tumultuada, com consideráveis prejuízos aos administrados, aos próprios entes competentes e quiçá ao meio ambiente.

Analisados os termos de vigência da legislação recém editada, cumpre adentrar no seu mérito. Na citada Lei Complementar, estabeleceu-se a competência dos Estados de “promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7º e 9º (inciso XIV do art. 8º).

A regra atual, portanto, atribui aos órgãos ambientais dos Estados a competência para licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais. Excetuarão a competência licenciatória estadual as atividades que causem impactos meramente locais, em que a competência será dos órgãos municipais, e aquelas que possuam determinadas características especiais, seja em razão da sua localização, seja pelo caráter da atividade licenciada. Os casos, portanto, que atrairão competência da União ou dos Municípios, estão expressamente previstos nos arts. 7º (inciso XIV) e 9º (inciso XIV) da LC nº 140/2011:

Art. 7º  São ações administrativas da União:

(...)

XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: 

a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; 

b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; 

c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; 

d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); 

e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; 

f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999; 

g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou 

h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; 

(...)

Art. 9º  São ações administrativas dos Municípios: 

(...)

XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: 

a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou 

b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); 

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em relação à competência da União, mais especificamente da sua Autarquia Federal com competência licenciatória (Ibama), a nova Lei dispensou qualquer outro requisito, além daqueles especificados nas alíneas do inciso XIV do art. 7º, acima transcrito. Diante disso, haverá competência do Ibama, caso a atividade ou empreendimento, a ser licenciado, localize-se ou se desenvolva conjuntamente no Brasil e em país limítrofe, no mar territorial, na plataforma continental, na zona econômica exclusiva, em terra indígena, em 2 (dois) ou mais Estados, e em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs).

Além da definição da competência federal, unicamente pela localização do empreendimento, haverá atribuição do Ibama para licenciar empreendimentos com características especiais, quais sejam, os de caráter militar, aqueles que manipulem materiais radiativos ou utilizem energia nuclear ou que atendam a tipologia, a ser  estabelecida por ato do Poder Executivo, considerando critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.

Sobre esse último critério, que se pode dizer aberto, inexiste, até o presente momento, definição da tipologia utilizada, bem como se desconhece ter havido a formação da Comissão Tripartite Nacional, a quem competirá propô-la. Assim, não há que se falar ainda na utilização do referido dispositivo, enfatizando-se que, conforme definido na própria LC nº 140/2011:

 Art. 18.  Esta Lei Complementar aplica-se apenas aos processos de licenciamento e autorização ambiental iniciados a partir de sua vigência. 

§ 1º  Na hipótese de que trata a alínea “h” do inciso XIV do art. 7º, a aplicação desta Lei Complementar dar-se-á a partir da entrada em vigor do ato previsto no referido dispositivo. 

§ 2º  Na hipótese de que trata a alínea “a” do inciso XIV do art. 9º, a aplicação desta Lei Complementar dar-se-á a partir da edição da decisão do respectivo Conselho Estadual. 

§ 3º  Enquanto não forem estabelecidas as tipologias de que tratam os §§ 1º e 2º deste artigo, os processos de licenciamento e autorização ambiental serão conduzidos conforme a legislação em vigor.                                                                                 Grifos nossos

No atual momento, enquanto não existente a Comissão Tripartite e consequentemente a tipologia acima referida, deve-se considerar apenas as competências do Ibama definidas em razão da localização e o caráter de atividade (militar ou nuclear), não havendo que se considerar o porte, potencial poluidor e abrangência dos impactos que podem ser causados pelos empreendimentos. Reitere-se que referido cenário somente se aplica aos licenciamentos iniciados após a edição da Lei Complementar nº 140/2011.

Nesse sentido, o § 3º acima transcrito dá margem à interpretação de que, até serem estabelecidas as tipologias, os processos de licenciamento e autorização ambiental, iniciados a partir da data de 09/12/2011, devem ser conduzidos pelo órgão ambiental competente, de acordo com a legislação em vigor. Ou seja, a definição de competência obedecerá aos demais dispositivos da LC nº 140/2011, que é a norma legal atualmente vigente sobre o assunto. Portanto, ao Ibama competirá apenas licenciar, ordinariamente, os empreendimentos que atendam aos demais critérios previstos nas alíneas do inciso XIV do art. 7º daquela Lei.

Em vista disso, é preciso reconhecer grande mudança na sistemática atualmente vigente de definição de competência. Diferentemente da legislação anteriormente aplicada (Resolução CONAMA nº 237/1997), o Ibama não terá mais competência para licenciar empreendimento, apenas em razão da abrangência do seu impacto ambiental. No momento, ainda que atividade tenha potencial poluidor de âmbito nacional ou regional, o Ibama não será competente para licenciar, a não ser que esteja configurada uma das hipóteses previstas nas alíneas do inciso XIV do art. 7º, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade.

Há que se ressaltar, assim, que totalmente revisto pelo legislador os critérios de regionalidade/nacionalidade dos impactos causados pela atividade licenciada, para atrair a competência do Ibama. Forçoso reconhecer a revogação, por incompatibilidade com Lei Complementar que lhe é específica, do critério genérico definido no caput do art. 4º da Resolução CONAMA nº 237/1997, sendo que os seus incisos também não estão em perfeita consonância com a recém editada Lei. Ademais, é preciso destacar que o art. 20 da LC nº 140/11 revogou, de forma expressa, o art. 10, § 4º, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que constituía o embasamento legal da regulamentação contida na Resolução CONAMA nº 237/1997.

Assim, apesar dos incisos previstos no art. 4º da Resolução CONAMA coincidirem, em sua maioria, com as alíneas do inciso XIV do art. 7º da LC nº 140/2011, não se pode ignorar que o critério do caput (art. 4º), que orientava a aplicação dos incisos, encontra-se revogado. Além disso, houve alterações no texto dos incisos, principalmente referente à definição de competência unicamente pela localização física do empreendimento, não mais havendo que se cogitar da abrangência dos impactos diretos ou indiretos causados pela atividade.

Assim, se antes um empreendimento localizado, em sua totalidade, em um Estado, mas que causasse impacto direto em outro país ou em Estado diverso, era licenciado pelo Ibama, agora, não há que se falar em competência federal. O Ibama será competente, nesse caso, apenas se o empreendimento ou atividade for contemplado em ato do Poder Executivo (art. 7º, XIV, ‘h’) ou estiver, fisicamente, localizado ou desenvolvido em mais de um Estado ou extrapole os limites territoriais do país.

Exceção à regra, de definição de competência exclusivamente pela localização, ocorrerá apenas no caso de empreendimento militar ou nuclear ou, ainda, diante de novas tipologias, a serem criadas por ato do Poder Executivo, a partir da Comissão Tripartite Nacional que, contudo, não foi editado.


2. DA DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA LICENCIATÓRIA

Como visto, após a edição da LC nº 140/2011, cada órgão ambiental, seja ele federal, estadual ou municipal, possui competência licenciatória definida, de acordo com a localização e/ou características do empreendimento e da abrangência e potencial do impacto ambiental causado. A divisão de competência, destarte, encontra-se delineada por lei complementar, somente podendo ser alterada ou revogada por meio de lei da mesma hierarquia.

Especificamente no que tange à divisão de competência ambiental, tem-se que todos os órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA estão articulados, de forma que as atribuições de um não são prevalecentes em relação às dos outros. Há, na realidade, uma cooperação e não superposição ou subordinação entre eles, inexistindo qualquer hierarquia entre os órgãos federal, estaduais ou municipais. Nesse sentido, ensina Marcela Albuquerque Maciel, em doutrina recomendada sobre o assunto:

No que pertine ao nível único de competência para licenciar, é também da própria CF/88 que podemos extrair a necessidade de cooperação entre os entes da federação quando do exercício da competência material comum, ou seja, que esse exercício de atribuições não pode se dar de forma indiscriminada ou por superposição. Não é razoável, assim, o entendimento de que o licenciamento ambiental possa se dar de forma dúplice e até tríplice, com evidente desperdício de esforços e contrariamente à necessidade de atuação integrada dos entes federativos[3].

Não cabe, pois, aos Municípios e Estados pedirem autorização à União para exercerem o poder de polícia administrativa, para organizarem seus serviços administrativo-ambientais ou para utilizarem os instrumentos da política nacional do meio ambiente, entre os quais se inclui o licenciamento ambiental. Essa regra geral é excetuada nas situações específicas em que há a necessidade de anuência prévia de determinado ente ao licenciamento ambiental, por força de ato normativo, como ocorre, por exemplo, com a exigência de anuência prévia do Ibama à supressão de vegetação no Bioma Mata Atlântica, ainda que o empreendimento seja licenciado pelo Estado ou Município[4], nos casos previstos na legislação aplicável.

Contudo, apesar da independência de cada órgão para atuar, na esfera de sua competência, encontra-se prevista, na LC nº 140/2011, a possibilidade de delegação da atribuição ambiental licenciatória, de um ente federativo a outro, desde que se respeitem os requisitos da lei, incluindo a celebração de um instrumento bilateral, que formalize o acordo. Segundo a Lei:

Art. 4º  Os entes federativos podem valer-se, entre outros, dos seguintes instrumentos de cooperação institucional: 

I - consórcios públicos, nos termos da legislação em vigor; 

II - convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, respeitado o art. 241 da Constituição Federal; 

III - Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão Bipartite do Distrito Federal; 

IV - fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos; 

V - delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar; 

VI - delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro, respeitados os requisitos previstos nesta Lei Complementar. 

§ 1º  Os instrumentos mencionados no inciso II do caput podem ser firmados com prazo indeterminado.

(...)

 Art. 5º  O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente. 

Parágrafo único.  Considera-se órgão ambiental capacitado, para os efeitos do disposto no caput, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações administrativas a serem delegadas.                    Grifos nossos

O ato de delegação, nos termos da nova Lei, pode ser praticado por qualquer ente federativo, desde que o órgão que receba a atribuição disponha de capacidade para assumir a ação administrativa que está sendo delegada. Vê-se, ainda, que a delegação de competência, prevista na LC nº 140/2011, encontra-se em consonância com a previsão genérica de delegação administrativa, contida na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999:

Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.

 Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:

 I - a edição de atos de caráter normativo;

 II - a decisão de recursos administrativos;

III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.

§ 1º O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.

§ 2º O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.

§ 3º As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.

Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior.

Assim, a delegação, para que tenha validade, deve observar os requisitos de legalidade, formalidade e publicidade, além de ser motivada, publicada no diário oficial e formalizada pelo instrumento legal indicado em lei.

No caso de delegação de competência ambiental licenciatória, a LC nº 140/2011 exigiu expressamente sua formalização por meio de convênio. No caso, tem-se a utilização do termo ”convênio” na sua acepção genérica ou doutrinária, que concebe um acordo bilateral com interesses comuns, de cooperação entre as partes. Nesse sentido, válidos são os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho:

(...) Quanto à sua formalização, são eles normalmente consubstanciados através de ‘termos’, ‘termos de cooperação’, ou mesmo com a própria denominação de ‘convênio’. Mais importante que o rótulo, porém, é o seu conteúdo, caracterizado pelo intuito dos pactuantes de recíproca cooperação, em ordem a ser alcançado determinado fim de seu interesse comum. Tendo a participação de entidade administrativa, é fácil concluir que esse objetivo sempre servirá, próxima ou mais remotamente, ao interesse coletivo.[5]

Assim, o que se exige, para formalizar possível delegação de competência, é a celebração de um instrumento de cooperação, seja ele convênio, termo ou acordo de cooperação, não havendo que se falar, contudo, em contrato.  Marçal Justen Filho explica, com clareza, a diferença entre as espécies convenial e contratual de acordos administrativos:

A Teoria Geral do Direito já pôs em destaque que o conceito tradicional de contrato está referido, fundamentalmente, a uma função ‘distributiva’ ou ‘comutativa’, em que o contrato é instrumento de repartição da riqueza. Mas existem avenças de natureza ‘cooperativa’ (ou organizacional), que são meio de aproveitamento conjunto e simultâneo dos bens e recursos humanos. Em um contrato ‘comutativo’, os interesses das partes são contrapostos: a vantagem de uma parte corresponde à desvantagem de outra. Já nos contratos ‘cooperativos’, não se configura essa contraposição de interesses, pois todos os partícipes do negócio estão voltados à consecução de um objetivo comum. Desse tipo, por exemplo, são os contratos societários.

Quando se alude a contrato administrativo, indica-se um tipo de avença que se enquadra, em termos de Teoria Geral do Direito, na categoria dos contratos ‘comutativos’ ou ‘distributivos’ (ainda quando se trate de contratos unilaterais). Em tais atos, não há comunhão de interesses ou fim comum a ser buscado. Cada parte vale-se do contrato para atingir a um fim que não é compartilhado pela outra. (...)

Já no chamado ‘convênio administrativo’, a avença é instrumento de realização de um determinado e específico objetivo, em que os interesses não se contrapõem — ainda que haja prestações específicas e individualizadas, a cargo de cada partícipe. No convênio, a assunção de deveres destina-se a regular a atividade harmônica de sujeitos integrantes da Administração Pública, que buscam a realização imediata de atividades orientadas à realização de interesses fundamentais similares. [6]

Em resumo, os contratos administrativos distinguem-se dos convênios por existir contraposição de interesses entre suas partes e, com freqüência, um intuito lucrativo por uma delas. Diferentemente de um contrato administrativo, um convênio é sempre celebrado por dois ou mais partícipes que comungam, entre si, o mesmo interesse, com intuito de colaboração mútua e que visam a alcançar, com o ajuste, uma finalidade partilhada por todos. O ajuste ora em análise, portanto, que formaliza delegação de competência licenciatória, natureza convenial.

Considerando as funções institucionais das entidades e órgãos envolvidos, e o objeto do ajuste, vislumbra-se o interesse comum dos partícipes, o que pode ser formalizado com ou sem repasse de recursos financeiros, vez que a lei não faz qualquer restrição quanto a isso.

Assim, por se tratar de possível acordo entre entes federativos das três esferas de Governo, tem-se, no caso, a possibilidade de se firmar convênio em sentido estrito, caso se preveja o repasse de recursos entre eles.

De outro modo, haverá a possibilidade de se formalizar a delegação, sem repasse de recurso, situação em que ter-se-á um acordo de cooperação técnica. Nesse caso, inexistindo transferência de recursos do órgão delegante ao órgão delegado, deve-se utilizar a nomenclatura “Acordo de Cooperação Técnica”, para diferenciar do “Termo de Cooperação” previsto nas normas infra-legais citadas e que pressupõe o repasse de recursos financeiros.

Assim, poderá haver a celebração de um “Acordo de Cooperação” entre os entes federativos, para fins de delegação de competência licenciatória, sem transferência de recursos. Apesar de a LC nº 140/2011 se referir à espécie “convênio” para tal desiderato, tem-se aqui concepção do termo em sentido amplo. A celebração de convênio propriamente dito limitar-se-á aos casos de delegação realizados com repasse financeiro, situação que deve obediência às formalidades do Decreto nº 6.170/2007 e da Portaria Interministerial nº 507/2011.

Nos casos de delegação sem repasse de recursos, dever-se-á celebrar um Acordo de Cooperação, que dispensará a observância dos atos normativos acima citados. Isso não significa, contudo, que o instrumento poderá ser confeccionado de qualquer modo, uma vez que existem elementos mínimos necessários à sua formalização, como por exemplo a observância da Lei nº 8.666/1993, tendo em vista figurar a Administração Pública como parte no acordo.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Karla Virgínia Bezerra Caribé

Procuradora Federal, atuante no Ibama.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARIBÉ, Karla Virgínia Bezerra. Divisão de competência entre os entes federativos para emissão de licenciamento ambiental:: uma análise da Lei Complementar nº 140/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3818, 14 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26147. Acesso em: 25 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos