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Análise jurídica da nova lei de organizações criminosas

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10. DO ACESSO A REGISTROS, DADOS CADASTRAIS, DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES

O legislador, em ato digno de aplausos, sob a égide da novel Lei 12.850/13, dispõe que o Delegado de Polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

Conforme se nota, há flagrante ampliação de poderes da autoridade policial, visto que o novo diploma permite a representação por dados cadastrais do investigado sem a necessidade de autorização judicial. Indubitavelmente, trata-se de um avanço legislativo que proporcionará maior agilidade investigativa e, por conseguinte, maior probabilidade de sucesso na persecução penal.

Entrementes, antes que os garantistas hiperbólicos monoculares digam que a medida afronta o Direito de Intimidade tutelado no art. 5º, X da Constituição Federal, faz-se imperioso ressaltar que a medida não se imiscui no íntimo do ser humano, sendo direcionada apenas para garantir maior agilidade à persecução penal. Nesse sentido, até o maior crítico da novel Lei de Organizações Criminosas, o ilustre Eugênio Pacelli, se posiciona: “É que não se cuida de acesso aos dados de movimentação financeira, nem àqueles relativos aos valores eventualmente depositados à titularidade do investigado, e, tampouco, ao montante de gastos efetuados com o sistema de telefonia ou de administração de crédito. O que a lei autoriza é que tais instituições informem o nome, estado civil, filiação e endereço da pessoa. Há, portanto, redução sensível quanto ao conteúdo de privacidade a ser acessado, ainda que se reconheça, como o fazemos, que a medida ostenta dimensão mais alargada da privacidade e da intimidade do investigado. Por isso, sustentamos a validade constitucional da medida”.

Para fins do exposto, as empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, acesso direto e permanente do Juiz, do Ministério Público ou do Delegado de Polícia aos bancos de dados de reservas e registro de viagens. Ademais, as concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 5 (cinco) anos, à disposição das autoridades mencionadas, registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais.

Convém salientar que, não obstante ser recente a alteração normativa, parcela da doutrinajá se posiciona quanto à extensão deste método investigativo às infrações de outra natureza. Contudo, entendemos que a autoridade policial somente poderá diligenciar diretamente quanto ao acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações diante de crime de organização criminosa, fulcro no Princípio da Reserva Legal.


11. REVOGAÇÃO FORMAL DA VEDAÇÃO À LIBERDADE PROVISÓRIA E AO CUMPRIMENTO OBRIGATÓRIO DA PENA EM REGIME INICIAL FECHADO

A vedação à liberdade provisória e o cumprimento obrigatório de pena em regime inicial fechado fazem parte de uma grande celeuma doutrinária e jurisprudencial. Fato é que a antiga Lei 9.034/95, em seu berço normativo, previa tanto a referida vedação quanto a pena ser cumprida em regime inicial, obrigatoriamente, fechado. Sobre estas temáticas, o STF já se pronunciou insurgindo-se e afirmando que legislador retirara do judiciário o poder de aplicar a proporcionalidade ao caso concreto, criou restrição fundamentada na gravidade abstrata do crime e, também, afrontou asperamente o princípio da individualização da pena. Nesse sentido, importante destacar que o STF realizou controle difuso de constitucionalidade posicionando-se pela inconstitucionalidade dos referidos dispositivos sob a égide dos fundamentos retro citados e, principalmente, por haver grave ofensa ao Princípio da Presunção de Inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal[16].

Corroborando com o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal, a novel Lei de Organizações Criminosas, sabiamente, revogou os dispositivos em comento de modo a compatibilizar o ordenamento jurídico com toda a sistemática constitucional. Por oportuno, convém socorrermo-nos ao diálogo das fontes para concluir que estamos diante do famoso fenômeno da Constitucionalização do Direito, de modo que os princípios e valores constitucionais devem permear os demais ramos do direito, devendo a eles se compatibilizarem. A constitucionalização do direito acarreta uma releitura de todas as normas do ordenamento jurídico a partir desses princípios e valores constitucionais.


12. OBSERVAÇÕES FINAIS

Consoante noção cedida, constata-se significativa evolução normativa a partir da edição da Lei 12.850/13, de modo a propiciar aos organismos de persecução penal grandes mecanismos de investigação, quais sejam: I - colaboração premiada; II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III - ação controlada; IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais; V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal. De toda sorte, muito mais importante do que disponibilizar os meios investigativos, está a regulamentação do procedimento de tais métodos diligenciais, proporcionando exequibilidade aos fins propostos pela norma e, principalmente, tornando palpável o que outrora era uma utopia jurídica.

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Insta observar que a nova norma altera os termos de duração razoável do processo, expondo que a instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu. Nos termos da legislação revogada, tínhamos o prazo de 81 dias para o réu preso e 120 dias para o réu solto, o que, de fato, configura novatio legis in pejus. Assim, atualmente, há uma tendência ampliativa temporal no que tange à carcerização do réu.

Ademais, percebe-se a congruência entre a Lei de Organizações Criminosas e a Jurisprudência Constitucional representada pela Súmula Vinculante nº. 14, justificada pela novel diretriz normativa no sentido de que o sigilo da investigação poderá ser decretado pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia das diligências investigatórias, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento. Nesse sentido, é de opinião inequívoca que o advogado faz jus ao acesso do conteúdo formador da justa causa, porém, em caráter relativo, uma vez que, em prol da higidez probatória, pode lhe ser vedado o acesso às diligências em curso.

Frise-se, porém, que não há opiniões e interpretações inequívocas em termos jurídicos, apresentando-se todo exposto como uma fonte da análise de transição entre diplomas legais, em especial no que tange às Organizações Criminosas, ressaltando que devemos realizar um trabalho hermenêutico imparcial, sem que eventuais “egos” institucionais afastem o Direito do que é almejado pela sociedade em termos de Justiça.

Por fim, resta comprovada, em consonância com o examinado no presente trabalho, a magnitude da nova Lei Federal nº 12.850. As minúcias dos diversos institutos preceituados na Lei foram aqui abordadas como forma de contextualizar o estudante do Direito com as consequências jurídicas desta inovação legislativa. Por óbvio, os desenrolares fáticos ainda são fonte de penumbra, por força da prematuridade da norma. Esperamos, todavia, que haja uma real aplicabilidade dos institutos apresentados, porquanto estamos – todos nós – cansados de letras mortas de lei, saturados de fugas ilegítimas por brechas legais e fadigados dos erros propositais e das verdades questionáveis. O fato é que só o tempo será capaz de revelar a real eficácia e efetividade da nossa nova Lei de Organizações Criminosas.


Notas

[1] VICTORIA, Artur. Artigo “Criminalidade Organizada – Origem e Evolução”, disponível em https://sites.google.com/site/arturvictoriaartigoseensaios/Home. Acesso em 10 de setembro de 2013.

[2] GOMES, Luiz Flávio. Artigo “Criminalidade Econômica Organizada”, disponível em https://atualidadesdodireito.com.br/lfg/2013/08/29/criminalidade-economica-organizada. Acesso em 10 de setembro de 2013.

[3] GOMES, Luiz Flávio. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo.Disponível em: https://www.lfg.com.br. Acesso em 09 de setembro de 2013.

[4] CUNHA, Rogério Sanches. LEI 12.694/12: breves comentários. Disponível em https://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2012/07/28/lei-12-69412-breves-comentarios-2/. Acesso em 11 de setembro de 2013.

[5] MOREIRA, Rômulo Andrade. A nova lei de organização criminosa – Lei Nº. 12.850/2013,1ª ed., Porto Alegre, Ed. Lex Magister, 2013, p. 30-1 (no prelo).

[6] BITENCOURT, Cezar Roberto. Primeiras Reflexões sobre Organização Criminosa – Anotações à Lei 12.850/13. Disponível em https://atualidadesdodireito.com.br/cezarbitencourt/2013/09/05/primeiras-reflexoes-sobre-organizacao-criminosa/. Acessado em 09 de setembro de 2013.

[7] TASSE, Adel El. Nova Lei do Crime Organizado. Disponível em: https://atualidadesdodireito.com.br/adeleltasse/2013/08/22/nova-lei-de-crime-organizado/. Acesso em 10 de setembro de 2013.

[8]PEREIRA, Flávio Cardoso. A Investigação Criminal Realizada por Agentes Infiltrados. R2 Direito, fev. 2008. Disponível em: https://www.r2learning.com.br/_site/artigos/curso_oab_concurso_artigo_979_A%5Finvestigacao%5Fcriminal%5Frealizada%5Fpor%5Fagentes%5Finfi. Acesso em: 10 set. 2013, f. 1-14.

[9] ONETO, Isabel. O agente infiltrado – contributo para a compreensão do regime jurídico das acções encobertas.Coimbra: Coimbra editora, 2005. p 19; 96.

[10] MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado – aspectos gerais e mecanismos legais. São Paulo. Atlas: 2007, p. 54.

[11]MORAES, Henrique Viana Bandeira. Da figura do agente infiltrado nas organizações criminosas. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12582>. Acesso em set 2013.

[12] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado - Comentários à nova lei sobre crime organizado (Lei n. 12.850/13). 1ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2013.

[13] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 716.

[14] PACELLI, Eugenio. Curso de processo penal – 17a.edição – Comentários ao CPP – 5a. edição – Lei 12.850/13. Disponível em: https://eugeniopacelli.com.br/atualizacoes/curso-de-processo-penal-17a-edicao-comentarios-ao-cpp-5a-edicao-lei-12-85013-2/. Acesso em: 14 de setembro de 2013.

[15] PACELLI, Eugenio. Curso de processo penal – 17a.edição – Comentários ao CPP – 5a. edição – Lei 12.850/13. Disponível em: https://eugeniopacelli.com.br/atualizacoes/curso-de-processo-penal-17a-edicao-comentarios-ao-cpp-5a-edicao-lei-12-85013-2/. Acesso em: 14 de setembro de 2013.

[16] STF; HC 82.959 e HC 104.339.

Sobre os autores
Filipe Martins Alves Pereira

Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá. 2011. Rio de Janeiro.

Rafael de Vasconcelos Silva

Graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Formado em Perícias Criminais pela Academia de Polícia do Estado da Paraíba. 2010.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Filipe Martins Alves; SILVA, Rafael Vasconcelos. Análise jurídica da nova lei de organizações criminosas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3880, 14 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26710. Acesso em: 19 nov. 2024.

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