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Entendendo o direito animal e o especismo: uma breve leitura ecofeminista

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Agenda 21/03/2014 às 10:37

O Ecofeminismo identifica o sistema patriarcal de poder como a fonte da destruição ambiental e da violência contra mulheres e animais não-humanos.

Sumário . 1. Introdução – objetivo do trabalho 2. Direito Animal: 2.1 Noções gerais; 2.2 Animais como Sujeitos de Direito. Teorias; 3. Uma breve releitura Ecofeminista: 3.1 A teoria Ecofeminista e o Direito Animal – 4. Conclusão – 5. Referência.

Resumo: Aborda-se neste artigo o tema do Direito Animal e do Especismo. A proposta do trabalho é fazer o leitor compreender o que é o Direito Animal e, consequentemente, o preconceito de espécie. A compressão é feita através de uma síntese das principais teorias clássicas sobre este tão controverso tema. Com apoio na doutrina, nacional e estrangeira, desenvolve-se um estudo que introduz o leitor no assunto e revela uma nova leitura sobre o tema, uma leitura Ecofeminista no que tange ao Direito Animal. A ótica feminista do Direito Animal revela uma nova perspectiva acerca da questão animal, no intuito de proteger os não humanos e combater de forma mais eficaz o preconceito espécie.

PALAVRAS-CHAVE: Direito, Ecofeminismo, Direito Animal, Especismo, Direito Ambiental.


1. INTRODUÇÃO – OBJETIVO DO TRABALHO

A escassez de estudos realizados acerca da questão animal por parte dos operadores do direito para a prevenção, sobretudo, da violência e do preconceito direcionados aos animais não-humanos, tem levado os defensores da causa animal a buscarem novas perspectivas e por novas estratégias para combater o preconceito de espécie, conhecido como especismo.

Assim, o objetivo fundamental desse trabalho é introduzir o leitor no tema do Direito Animal, desvelando os níveis de análise dentro da ética animal: o do bem-estar animal e dos direitos dos animais, esses últimos subdividindo-se nas esferas moral e jurídica. Para situar o leitor no tema, discorreu-se, primeiramente, de forma clara e simples, sobre as teorias clássicas do Direito Animal.

Apresentou-se, em seguida, um novo panorama sobre o assunto, através de uma breve análise da relação entre a teoria Ecofeminista e o Direito Animal. O Ecofeminismo sugere uma nova perspectiva para a proteção dos direitos dos animais não-humanos, a “ética do cuidado”, que se acredita ser muito eficaz na defesa dos direitos desses animais.

A teoria nos ensina que temos uma responsabilidade moral para com os animais não-humanos, baseada, principalmente, nos relacionamentos emocionais que desenvolvemos com eles. É importante reconhecer que os humanos são os porta-vozes daqueles que não podem falar em causa própria.

Este estudo, baseou-se no raciocínio (processo mental) hipotético-dedutivo, seguindo-se uma vertente teórico-metodológica jurídico-sociológica na abordagem da pesquisa de base.

Muitas foram as dificuldades encontradas no decorrer da investigação, sobretudo, por se tratar de tema geralmente negligenciado no campo do Direito. Embora todos reconheçam a importância de se combater o preconceito, não é comum haver juristas que se preocupam, especificamente, com o preconceito perpetrado contra os animais não-humanos.

Por tudo isso, embora não esgotando a matéria, parece ter lugar o presente trabalho, na luta necessária pela compreensão do tema, além da criação de leis específicas, e a efetivação da educação humanitária, com o fito de conscientizar não só a população, como os profissionais envolvidos na prevenção e enfrentamento do especismo.


2. DIREITO ANIMAL

2.1. NOÇÕES GERAIS

A expressão direito dos animais, quando empregada genericamente, tem sido geradora de alguns equívocos, ao abranger diversas teorias, como a teoria que defende que os animais possuem direitos morais, a teoria que defende os direitos legais dos animais, e, até mesmo, a teoria que defende o chamado bem-estar animal.[1]

De modo geral, a expressão direitos dos animais, latu sensu, abrange dois níveis de análise dentro da ética animal: o do bem-estar animal e dos direitos dos animais, esse último subdividindo-se nas esferas moral e jurídica.

A preocupação pelo bem-estar animal esteve presente, ao longo dos tempos filosóficos, desde autores como Pitágoras e Voltaire, contudo, só adquiriu definição sistemática a partir do utilitarismo de Benthan.

A teoria de Jeremy Benthan, que encontrou raízes na Teoria do Interesse de Ihering, esta baseada no princípio da potencialização do bem-estar e minimização do sofrimento dos seres sencientes, independentemente do grau de racionalidade. Esse seria o requisito básico de todos os interesses.[2]

Essa foi a base para a ideia do preconceito especista lançada por Peter Singer. O filósofo australiano, seguindo os passos do psicólogo britânico, Richard Ryder, definiu como preconceito especista a discriminação moral fundada na razão arbitraria da espécie. Para Singer, assim como com a recusa aos preconceitos de raça e sexo, a verdadeira igualdade só seria alcançada a partir da recusa ao preconceito especista.

Segundo o autor:

Se um ser sofre não pode haver qualquer justificativa moral para deixarmos de levar em conta esse sofrimento. Não importa a natureza do ser, o princípio da igualdade requer que seu sofrimento seja considerado em pé de igualdade com os sofrimentos semelhantes [...] o limite da senciência [...] é a única fronteira defensável de consideração dos interesses alheios. [...] Os racistas violam o princípio da igualdade ao conferirem mais peso aos interesses de membros de sua própria raça quando há um conflito entre seus interesses e os daqueles que pertencem a outras raças. Os sexistas violam o princípio da igualdade ao favorecerem os interesses de seu próprio sexo. Analogamente, os especistas permitem que os interesses de sua própria espécie se sobreponham àqueles maiores de membros de outras espécies. O padrão é idêntico em todos os casos.[3]

Numa perspectiva utilitarista clássica, como na defendida por Singer, ter interesse no seu próprio bem-estar, desejando ativamente prazer e evitando a dor (não só sentir prazer e sentir dor), é o fundamento do princípio de igual consideração de interesse, entendido como a ideia de que, para interesses iguais deve haver uma consideração moral igual, independentemente de raça, sexo ou espécie.

Assim, dentro dessa lógica, grandes primatas e mamíferos, na medida em que possuem consciência de si no tempo e se mostram capazes de projetar sua existência no futuro, têm interesse em não serem mortos. [4]

A teoria que defende que os animais não-humanos possuem direitos morais, por sua vez, foi encabeçada pelo filósofo estadunidense Tom Regan. A teoria de Regan se fundamenta na deontologia kantiana ao considerar a pessoa como um fim em si mesmo, para fundar uma moral dos direitos dos animais como algo inalienável, ou, como o próprio autor denomina, um trunfo.

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O autor faz uma analogia entre os direitos morais e o jogo de bridge:

As cartas são dadas. O naipe de copas é o trunfo. As primeiras três cartas jogadas são a dama de espadas, o rei de espadas e o ás de espadas. Você (o último jogador) não tem espadas. Mas tem o dois de copas. Como copas é o trunfo, seu humilde dois de copas ganha da dama de espadas, do rei de espadas e até do ás de espadas. Isto mostra como é poderoso o trunfo no jogo de bridge.

A analogia entre o trunfo no bridge e os direitos individuais na moralidade deve ser razoavelmente clara. Há muitos valores importantes a serem considerados quando tomamos uma decisão moral. [...] Quando dizemos “direitos são o trunfo”, queremos dizer que o respeito pelos direitos individuais é a mais importante consideração no “jogo da moralidade”, por assim dizer. Mais especificamente, queremos dizer que os benefícios que outros obtêm violando os direitos de alguém nunca justificam a violação desses direitos.[5]

Para defender sua teoria, Regan se propõe a enfrentar três condições básicas para a atribuição de direitos aos animais: a capacidade de reivindicação do direito por parte de quem pretende possuí-lo; a reciprocidade entre direitos e deveres para com os outros; o acordo intersubjetivo prévio que dê direito de ter direito.

Segundo o autor, as condições deveriam ser aplicadas somente a agentes morais ou humanos paradigmáticos, ou seja, caracterizados pela autonomia, com capacidade de agir segundo princípios morais, decidir em função deles e responder perante os outros. Condições essas que não são levadas em conta quando são atribuídos direitos a pacientes morais, como as crianças e deficientes mentais, comprovando que não há diferença entre agentes e pacientes quando se fala em direitos morais.

Sendo assim, por uma questão de coerência lógica, os mesmos direitos devem ser atribuídos aos animais que possuem as mesmas capacidades dos pacientes morais, tais como os primatas e os mamíferos.

Além disso, esses animais, por serem sujeitos-de-uma-vida, ou seja, por serem conscientes do mundo, por serem conscientes de si mesmos, e mais, por se importarem com o que acontece com eles, quer os outros se importem ou não, têm direito à sua própria vida.[6]

Por fim, a teoria de que os animais não-humanos possuem direitos não só morais, como também direitos legais, foi protagonizada pelo advogado e presidente do Center for the Expansion of Fundamental Rights, o estadunidense Steven Wise.

Wise defende como critério capaz de justificar a atribuição de direitos a outras espécies o que ele chama de autonomia prática. Para isso, ele estabelece uma tabela com três categorias de animais, em função dos respectivos valores de autonomias, numa escala de 0 a 1, correspondendo o 1 ao ser humano.[7]

Para o autor, os animais que podem ser considerados como pessoas devem possuir uma série de capacidades cognitivas, recriando dentro da sua teoria uma hierarquização que lembra, em alguma medida, a teoria do sujeito-de-uma-vida de Regan.

Assim, Wise, toma o ser humano como parâmetro para a extensão dos direitos legais aos animais não-humanos.

Em linhas gerais, as teorias que defendem os diretos dos animais, podem ser definidas dessa forma, e é a partir delas que se fundam as teorias dos animais como sujeitos de direito e a extensão dos direitos legais aos animais não-humanos. É o que passamos a ver agora.

2.2. ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITO. TEORIAS

2.2.1 Teorias Clássicas

A teoria clássica dos Animais como Sujeitos de Direito foi desenvolvida em meados da década de 70, e, inicialmente, defendida pelos já citados autores Peter Singer, Tom Regan e Steven Wise. Vejamos.

A) Peter Singer – Projeto Grandes Primatas

Singer, juntamente com a filósofa italiana Paola Cavalieri, desenvolveu em 1993 o projeto Grandes Primatas. Esse projeto reivindica a imediata extensão de direitos humanos para chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos, os chamados grandes primatas.

Singer e Cavalieri partiram do estudo realizado em 1984 pelos biólogos Charles Sibley e Jon Ahlquist, para fundamentarem o seu projeto. De acordo com o estudo realizado pelos biólogos, os homens e os grandes primatas são mais próximos entre si do que os macacos.[8]

Tal estudo, realizado por Sibley e Ahlquist, aplicou o método da biologia molecular à taxonomia do estudo sobre o DNA dos humanos e de todos os seus parentes mais próximos. Contudo, a maioria dos estudos executados hoje ainda se baseia em uma taxonomia tradicional, que leva em consideração apenas as diferenças anatômicas e biológicas entre as espécies, reforçando, assim, o aspecto antropocêntrico desses tipos de estudos.

O novo modelo empregado pelos biólogos nas suas experimentações e utilizado por Singer no projeto, leva em consideração não só a similaridade anatômica, como também a distancia genética e o tempo de separação entre as espécies, comprovando, portanto, que o homem e os grandes primatas pertencem à mesma família e ao mesmo gênero.

Partindo dessa premissa genética, Singer e Cavalieri reivindicam a extensão dos direitos humanos aos grandes primatas. Como afirma Heron Gordilho:

É com base nesse argumento evolucionista que Singer e Cavalieri reclamam a concessão imediata de direitos fundamentais para os grandes primatas, tais como o direito à vida, à liberdade individual e à integridade física, entendendo que eles seriam dotados de uma capacidade jurídica semelhante a dos recém-nascidos ou deficientes mentais, o suficiente para abolir toda sorte de aprisionamento em zoológicos, circos, fazendas ou laboratórios científicos. [...] Em suma, como os grandes primatas possuem atributos mentais muito semelhantes aos da espécie humana, a sua exclusão da comunidade de iguais é moralmente injustificável, arbitrária e irracional.[9]

Para Singer, os grandes primatas, pelo menos, na medida em que possuem consciência de si no tempo e se mostram capazes de projetar a sua existência no futuro, tendo interesse em não serem mortos, devem ser considerados pessoas. Ou seja, Singer reclama a personificação desses animais para que possam figurar como sujeitos de direitos humanos.

Contudo, apesar de se propor a combater o especismo, a estratégia utilizada por Singer não deixa de ser especista, na medida em que utiliza a proximidade genética entre as espécies (a capacidade de raciocínio e a consciência) para defender a personificação dos grandes primatas, excluindo todas as demais espécies de consideração.

B) Tom Regan – Sujeitos-De-Uma-Vida

Regan adverte que é necessário que haja uma mudança do paradigma da cultura ocidental para que se possa entender os seres não-humanos como sujeitos-de-uma-vida. Para Regan é preciso que os não-humanos sejam reconhecidos enquanto seres com vidas próprias e que precisam de proteção, e não como instrumentos, como são vistos nas sociedades capitalistas contemporâneas.[10]

Dessa forma, os animais, enquanto sujeitos-de-uma-vida, segundo o autor, possuem direitos morais, ou seja, devem ter seus bens mais importantes (a vida, seus corpos e sua liberdade) protegidos pelo nosso ordenamento.

Tentando justificar quem são os seres que podem figurar como sujeito-de-uma-vida, Regan afirma que essa escolha não pode ser baseada em razões arbitrárias, como a raça, por exemplo, pois essas razões não são moralmente fundamentais. Nas palavras do autor:

Direitos morais nunca podem ser negados, justificadamente, por razões arbitrárias, preconceituosas ou moralmente irrelevantes. Raça é uma dessas razões. Sexo é outra. Resumindo, diferenças biológicas são razões desse tipo. Como, então, poderemos acreditar que ser membro de uma espécie marque um limite defensável entre os animais que têm e os que não têm direitos? Logicamente, isso não faz sentido. Moralmente, isso indica um preconceito do mesmo tipo que o racismo e o sexismo, o preconceito conhecido como especismo.[11]

Para Regan, o direito está baseado no conceito de justo. Um ser tem direitos e a faculdade de exigi-los porque é justo, porque é devido. Partindo dessa premissa, as pessoas que entendem que um determinado direito está sendo violado têm o dever de intervir, fazendo, por conseguinte, justiça.

O ponto crucial na teoria de Regan, no entanto, ocorre quando ele chega à conclusão de quem deve ser considerado sujeito-de-uma-vida. Para o autor, do ponto de vista moral, o que é fundamental para ser sujeito-de-uma-vida, é estar consciente do mundo e do que acontece, e mais, se importar, com o que acontece consigo, mesmo que isso não importe para os outros. Ou seja, os animais, assim como os humanos, são criaturas psicologicamente complexas. Regan explica:

Entre os bilhões de animais não-humanos existentes, há animais conscientes do mundo e do que lhes acontece? Se sim, o que lhes acontece é importante para eles, quer alguém mais se preocupe com isso, quer não? Se há animais que atendem a esse requisito, eles são sujeito-de-uma-vida. E se forem sujeitos-de-uma-vida, então têm direitos, exatamente como nós.[12]

Dessa forma, Regan, assim como Singer, coloca o homem como parâmetro para a consideração moral dos animais não-humanos como sujeitos-de-uma-vida, a partir da consideração da complexidade psicológica que determinados animais apresentam (mamíferos e aves), e, por conseguinte, a similaridade com o ser humano.

Apesar de também combater o especismo, a teoria de Regan comete uma falha especista ao tentar justificar os direitos dos animais e a sua personificação a partir de uma comparação hierarquizada entre as espécies.

C) Steven Wise

Wise argumenta que os animais, além de sujeitos de direito, devem ser considerados pessoas, assim como é defendido por Singer no Projeto Grandes Primatas.

O autor defende a imediata extensão da personalidade jurídica para Chimpanzés e Bonobos, partindo da premissa de que esses animais possuem capacidade mental que os permitiria serem aprovados em testes de comportamento humano. Ou seja, Wise invoca a racionalidade como parâmetro para extensão da personalidade jurídica a determinados animais.[13]

Na sua teoria, Wise cria uma tabela onde divide os animais em três categorias, em função dos respectivos valores de autonomia prática. As categorias são dividias em uma escala de 0 a 1, sendo esta última correspondente ao ser humano. Na primeira categoria, estariam incluídas as espécies com valores entre 0.9 e 1 (abarcando os grandes primatas e o golfinho, por exemplo); na segunda categoria, ficariam os animais com valores entre 0.51 e 0.89 (o cão, o papagaio cinzento africano e o elefante africano estariam incluídos nessa categoria) e, na terceira, aqueles que apresentam valores iguais ou abaixo do 0.50. Assim, Wise considera que todos os que se encontram na primeira categoria são dotados de autonomia prática suficiente para possuírem direitos básicos.[14]

O autor afirma que, com a sua teoria, buscou utilizar elementos que pudessem ser reconhecidos pelos juízes norte americanos sem que fosse necessário mudar o sistema legal americano atual, possibilitando, assim, a imediata proteção dessas espécies.

Apesar de ser considerada progressista, por alguns, e, por isso mesmo, rejeitada pelos mais conservadores, a teoria de Wise é muito criticada por algumas correntes de defesa de direitos dos animais por ser considerada especista, uma vez que, ao invés de mudar o paradigma da sociedade contemporânea para proteger um número maior de espécies, utiliza argumentos preconceituosos, a partir de critérios arbitrários, para a defesa de um pequeno número de espécies.


3. UMA BREVE RELEITURA ECOFEMINISTA

3.1 A TEORIA ECOFEMINISTA E O DIREITO ANIMAL

O Ecofeminismo pode ser definido como uma escola de pensamento que tem orientado ambientalistas e feministas, desde a década de 1970, a fazer uma conexão entre a dominação das mulheres, a dominação da natureza e dos animais não-humanos.

O termo foi desenhado, em 1974, no trabalho da feminista francesa Françoise d´Eaubonne,  "Le feminisme ou la mort", e cunhado a partir de uma junção das palavras ecologia e feminismo. O Ecofeminismo identifica o sistema patriarcal de poder como a fonte da destruição ambiental e da violência contra mulheres e animais não-humanos.

De acordo com a Profª Doutora da UFMG, Edna Cardoso Dias,

O mundo masculino da propriedade é, em verdade, o mundo da autoridade e da hierarquia. A institutucionalização da concorrência e da rivalidade são sinônimos de violência, que tem como expressão o racismo e o especismo. Uma visão feminina do universo  significa a liberação do ser humano em geral, uma mutação de qualquer tipo de isolacionismo, e a transmutação da competição em cooperação. Onde há cooperação não há dominação. Cada um, coloca suas habilidades e talentos a serviço de um objetivo comum. Tudo é uma questão de alteridade e complementação. O neo-feminismo, é pois, um movimento de homens e mulheres. [15]

Nesse contexto, além de ser uma questão ambiental, o Ecofeminismo é também um movimento pelos direito dos animais, pois a exploração das mulheres e dos animais não-humanos deriva da mesma mentalidade patriarcal. Ou seja, o patriarcado é um sistema hierárquico de dominação que sustenta a lógica do mais forte em prejuízo dos mais fracos. O denominador comum na vida das mulheres e dos animais não-humanos é a violência, seja ela real ou ficta.

Assim, observa-se que, na perspectiva do patriarcado, o poder é determinado a partir de características arbitrárias, como raça, sexo e espécie. Os sexistas violam o princípio da igualdade a partir do momento em que consideram os interesses de um gênero superiores ao do outro, da mesma forma, os especistas o fazem quando sobrepõem os interesses da sua espécie aos das demais. O especismo, portanto, é a última fronteira ética que precisará ser rompida dentro da sociedade capitalista patriarcal.

A teoria Ecofeminista, no contexto dos Direitos Animais, combate a teoria clássica, baseada em um padrão de racionalidade, e propõe uma nova teoria, fundamentada na ética do cuidado feminista.

A feminista Carol Adams, e outros ecofeministas, argumenta que uma das formas de se alcançar o objetivo Ecofeminista na defesa dos direitos dos animais é adotando o princípio feminista da “ética do cuidado” no lugar da noção atual de direitos animais.

O conceito de “ética do cuidado” foi desenvolvido por Carol Gilligan, como parte de uma teoria sobre as “diferentes vozes femininas” (“women´s different voices”).[16] Essa teoria de Gilligan identifica duas perspectivas para resolver problemas morais. A primeira perspectiva, a “ética da justiça", é baseada em relações hierarquizadas entre os sujeitos de direito.

Tradicionalmente, nas sociedades de cultura patriarcal, os homens têm utilizado, ao longo dos anos, a “ética da justiça” para resolver os conflitos morais, partindo de uma aplicação formal das leis e dos princípios.

A autora identifica como uma perspectiva alternativa a da “ética do cuidado”. Aqueles que utilizam essa nova perspectiva – geralmente mulheres estadunidenses – levam em consideração os detalhes e complexidades de relacionamentos emocionais entre os indivíduos para a solução dos conflitos. [17]

Por causa da natureza das questões legais que envolvem a defesa dos animais, os ecofeministas defendem a aplicação da “ética do cuidado”, ao invés da chamada “ética da justiça”, na construção das leis de proteção animal. A “ética do cuidado” leva em consideração os relacionamentos psicológicos desenvolvidos entre os seres humanos e não-humanos, e, a partir desses relacionamentos, atribui responsabilidades morais aos humanos.

O valor dessa perspectiva é baseado na habilidade de cuidar e de proteger os outros. De acordo com Albright:

O Ecofeminismo não impõe nenhum ponto particular em que as obrigações morais dos seres humanos terminam, à exceção talvez para acatar com o padrão citado de Jeremy Benthan: “A pergunta não é, “Podem raciocinar”? Nem, “Podem falar”? Mas, “Podem sofrer”?”. Consequentemente, os princípios Ecofeministas devem servir como base para a extensão dos direitos legais aos animais. Um sistema legal baseado em relações humanas emocionais e morais com animais não-humanos concederiam direitos a um número significativamente mais elevado de espécies do que um sistema legal que tentasse medir as potencialidades cognitivas de cada espécie individualmente.[18]

Destarte, incorporando os princípios ecofeministas na análise legal de quem deve ser sujeito de direito, torna-se possível estabelecer direitos para um número muito maior de espécies do que daria utilizando-se a teoria da racionalidade.

Com a utilização da Teoria Ecofeminista, segundo Albright:

A situação do Direito elimina a “coisificação” denão-humanos e, assim, diminui a força do dualismo normativamente construído que tem sido utilizado para justificar a opressão humana de não-humanos, assim como a visão dos direitos diminuem a força do dualismo entre homem e mulher.[19]

A teoria Ecofeminista de defesa dos animais é muito criticada, inclusive, por defensores dos direitos dos animais. Alguns desses defensores, afirmam, por exemplo, que a teoria de Gilligan não fora projetada, originalmente, como uma teoria legal, e, por isso, não seria apropriada para o debate de defesa dos direitos dos animais.[20]

Albright, afirma, contudo, que a análise que Carol Adams faz a partir da teoria de Gilligan aplica-se facilmente ao diálogo dos direitos legais:

De fato, alguns estudiosos aplicaram características das éticas de cuidado em um contexto legal. Por exemplo, Thomas G. Kelch argumenta pela inclusão da emoção nos direitos legais para animais e argumenta ainda que as emoções possuem um papel importante nos discursos dos direitos legais. “Olhando os direitos embasados em um único conceito ou em uma ideia fundada é uma excessiva simplificação”, ele escreve. Argumenta ainda:

Direitos são conceitos complexos fundados nas ideias de moral, política, sociedade e das ideias culturais. Assim, não devemos focar em encontrar uma única base para um direito, mas em descobrir os elementos interiores do mesmo. Quanto mais bases nós encontramos para um direito, mais firmemente podemos ser convencidos de que é um direito legítimo e bem fundado.[21]

Embora o movimento pela defesa dos animais já tenha avançado no Brasil, ele está apenas começando e tem muito que evoluir. É nesse contexto que a Teoria Ecofeminista aparece como uma alternativa viável para a ampliação da defesa dos animais não-humanos. Longe de esgotar a matéria, este trabalho apresenta apenas uma breve análise sobre o tema, com o fim de introduzir o leitor no debate e despertar o seu interesse sobre o assunto.

Sobre a autora
Juliana de Andrade Fauth

Advogada/ Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/JusPodivm. Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto de Excelência Ltda.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAUTH, Juliana Andrade. Entendendo o direito animal e o especismo: uma breve leitura ecofeminista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3915, 21 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27043. Acesso em: 23 dez. 2024.

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