3 O POLICIAMENTO PREVENTIVO E COMUNITÁRIO: COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS MUNICÍPIOS?
Em 01 de Julho de 2004 foi publicada no Diário Oficial de São Paulo a Lei nº 13.866/2004 fixando as atribuições da Guarda Civil Metropolitana, criava a Superintendência e cargos de provimento em comissão a ela vinculados e dispondo sobre a fiscalização do comércio ambulante.
O ponto primordial que ensejou a controvérsia Constitucional apareceu no artigo primeiro da referida Lei, senão vejamos:
Art. 1º A Guarda Civil Metropolitana de São Paulo, principal órgão de execução da política municipal de segurança urbana, de natureza permanente, uniformizada, armada, baseada na hierarquia e disciplina, tem as seguintes atribuições:
I - exercer, no âmbito do Município de São Paulo, o policiamento preventivo e
comunitário, promovendo a mediação de conflitos e o respeito aos direitos
fundamentais dos cidadãos (grifo nosso);
II - prevenir e inibir atos que atentem contra os bens, instalações e serviços
municipais, priorizando a segurança escolar;
(...)
O Policiamento preventivo e comunitário e a promoção na mediação de conflitos, além da prisão em flagrante delito suscitaram duvidas a cerca da inconstitucionalidade da Lei.
O Tribunal da Justiça de São Paulo através da ADIN-115804-0/3 considerou inconstitucionais os trechos já mencionados acima por entender que a as atribuições de policiamento preventivo e comunitário e a prisão em flagrante delito extrapolaria as atribuições constitucionais da Guarda Municipal e também a incluiria no sistema de segurança publica que é restrito aos órgãos do artigo 144 da Constituição Federal.
Em Recurso Extraordinário interposto perante o Supremo Tribunal Federal a pela Câmara Municipal de São Paulo foi reconhecida repercussão geral pelo Plenário Virtual da Casa.
3.1 O Artigo 144 da Constituição o Sistema de Segurança Publica e a Competência dos Municípios para Legislar sobre assuntos de interesse local
Para o Tribunal de Justiça Paulista, quando o assunto se trata de segurança pública, a competência é da esfera estadual, mas a Câmara de São Paulo ressaltou que o tema merecia repercussão geral por transpassar o mero interesse do Município de São Paulo e que a questão poderia ser discutida pelo parlamento por previsão expressa do artigo 30, inciso I da Constituição Federal, pelo qual compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.
Ao receber o Recurso Extraordinário o Ministro Luís Fux alegou que “ao argumento de disciplinar a forma de proteção de seus bens, serviços e instalações, exorbita de seus limites constitucionais, ex vi do artigo 30, I, da Lei Maior, usurpando competência residual do Estado. No limite, o que está em jogo é a manutenção da própria higidez do Pacto Federativo”.
O artigo 144 da CRFB dispõe sobre os órgãos de segurança pública e atribui responsabilidades a todos os cidadãos da República e a impõe como dever do Estado sendo taxativo, segundo o entendimento do Tribunal de Justiça, mas ainda dentro do mesmo artigo, é possível visualizar o trecho que descreve a respeito das Guardas Municipais conforme descrição a seguir:
Art.144
(...)
§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. (grifo nosso).
.O caráter de órgão complementar de segurança pública, que foi conferido a Guarda Civil Metropolitana paulista, através da Lei Municipal 13.866/2004 é uma tendência nacional, conforme pesquisa realizada pelo Perfil de Informações Básicas Municipais dos Municípios Brasileiros (IBGE-2012), que pesquisou que as principais funções das 993 Guardas Municipais Brasileiras são exercer função auxiliar na segurança pública, colaborando no patrulhamento das escolas e vias públicas e auxiliando o Conselho Tutelar e as Polícias Civil e Militar.
A Câmara Municipal de São Paulo alegou no Recurso Extraordinário que a questão ultrapassa o limite do Estado de São Paulo, de modo a alcançar diversos outros municípios que tem leis semelhantes o que corrobora com a pesquisa supramencionada.
Devido a essa nova realidade o Supremo Tribunal Federal, sensível a mudanças na sociedade, devido o aumento da violência e a efetiva participação dos municípios na segurança publica reconheceu o tema como sendo de repercussão geral.
Para uma melhor compreensão a respeito do tema se faz necessário analisar as espécies de Poder de Policia e posteriormente as atribuições das Guardas Municipais no artigo 144 §8º da Constituição da República.
3.2 Analise da questão do Poder de Policia e sua legalidade no trabalho das Guardas Municipais
As Guardas Municipais seriam investidas do poder de policia Administrativa, pois os poderes de Policia Judiciária, ou Policia de Segurança Pública seriam, pelo menos a princípio, função primária das Policias Civis e da Policia Federal. Mas também se faz necessária uma distinção primordial entre os poderes de policia e o poder da policias, e esta diferença é esclarecida na obra de Braga (1999, p. 57):
[...] o poder da policia inexiste, e seria uma aberração que existisse. Pode a organização policial usar do poder de policia, que pertence á administração pública, para as finalidades que lhe competem: atribuições de policia preventiva- manter a ordem, evitar a infrações penais e garantir a segurança e de policia judiciária apurar as infrações penais não evitadas, investigar e provar os fatos, auxiliando na realização da justiça criminal. Logo poder de policia não é um poder da Policia Militar.
Baseado em tal preceito, a cerca do instituto do Poder de Policia é possível aferir que o Poder de Policia é atribuído pelo Estado a todos os seus agentes que devem legalmente limitar ou disciplinar liberdades individuais em detrimento do interesse público, e os integrantes da Guarda Municipal estão inseridos nesse rol, com as prerrogativas de utilizar esse Poder de Policia para a realização de suas atividades.
Por isso Para a proteção dos bens, serviços e instalações Municipais as Guardas são investidas do poder de Polícia com seus atributos característicos como a discricionariedade, a coercibilidade, a auto executoriedade.
Pelas limitações impostas pelo texto legal, os agentes da Guarda, assim como quaisquer outros agentes públicos, devem zelar pela defesa da Constituição e pela supremacia do interesse público, respeitando os limites do poder de polícia, conforme Ventris (2010, p. 55),
[...] é condicionado à preexistência de autorização legal, explicita ou implícita, que outorgue a determinado órgão ou agente administrativo a faculdade de agir, não podendo, no entanto, ferir as liberdades públicas, ou seja, as faculdades de autodeterminação, individuais e coletivas, declaradas, reconhecidas e garantidas pelo estado
As Guardas Municipais são investidas do Poder de Policia Administrativo, devem obedecer à vinculação e legalidade estrita, com discricionariedade restrita no caso concreto e que não existe o Poder de Policia e sim o Poder da Policia, devemos analisar a relação entre a Guarda Municipal e a Segurança Pública, através do policiamento Comunitário, da história das Guardas Civis e a possibilidade dos integrantes dessas instituições atuarem na prevenção e até na repressão de delitos, pois na prática tal atuação já acontece nos Municípios brasileiros.
3.3 Aspectos Formais e Reais do Papel da Guarda Municipal
As Guardas Municipais estão com as atribuições fixadas no artigo 144, parágrafo 8º da Constituição, mas na prática ocupam as mais diversas funções que vão do patrulhamento de vias, vigilância patrimonial, assistência a ações da defesa civil e até auxilio ao serviço funerário em algumas regiões do Brasil. Para que tais ações ocorram de maneira legitima os agentes públicos são investidos pelo Poder de Policia através do serviço público para que os particulares cumpram as determinações oriundas do Poder Público objetivando o interesse público.
A atuação empregada pelos Guardas na realização dos seus serviços é questionada por particulares ou por integrantes de outras forças de segurança, apesar do Estado, entenda-se municípios, exteriorizar a sua soberania através do Poder de Policia com os atributos da auto-executoriedade e força coercitiva para dentro da legalidade, e essa soberania estatal é uma condição, indivisível e indelegável.
Um ponto polêmico, na atuação dos Guardas Municipais é a detenção de infratores, pois integrantes das Policias Militares, Civis e até mesmo do Poder Judiciário entendem se tratar de Usurpação da Função Pública Guardas Municipais efetuarem prisões.
O Código Penal define o crime de Usurpação da Função Pública como “Usurpar o exercício da função pública com Pena-detenção de três meses a dois anos, e multa, e em seu parágrafo único prescreve que see do ato o agente aufere vantagem: reclusão, de dois anos a cinco anos, e multa.”
A jurisprudência pátria, em especial o STJ quando acionado, em diversos julgados, referentes à suposta ilegalidade da Prisão em Flagrante feita por Guardas Municipais, vem negando os Hábeas Corpus, entendendo ser legitima a atuação dessa instituição pelo entendimento que a prisão em flagrante efetuada por Guardas se configura como ato legal em proteção a segurança social, desmistificando o caráter apenas patrimonial da Guarda Municipal.
Os questionamentos se estendem para a dúvida sobre a possibilidade dos Guardas Municipais abordarem pessoas em fundadas suspeitas.
Para Noberto Avena, (2010, p.634-635) a busca pessoal será feita a partir de fundadas suspeitas de que o individuo, portanto algo proibido ou ilícito, podendo ser realizada pela autoridade policial e seus agentes. Ressalta ainda que por fundadas suspeitas entende-se a desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil.
Conforme tais conceitos a característica principal da busca pessoal é a subjetividade da sua realização, e a sua consequente verificação por autoridade policial.
Conforme jurisprudência do STJ, no Hábeas Corpus nº109. 105-SP, é possível Guardas Municipais realizar a prisão e a busca pessoal, porque seus membros são autorizados a defender a sociedade, quando forem solicitados pela população ou encontrarem infratores em flagrante delito, conforme exposto a seguir:
(...) É certo que não se desconhecendo a limitação da atividade funcional dos guardas municipais trazidas pela Constituição Federal, dispositivo este que no entanto, não retira de seus membros a condição de agentes da autoridade, e como tal autorizados à prática de atos de defesa da sociedade, sobretudo em circunstâncias como a dos autos, em que o acusado se encontrava em condição de flagrância, apontado pela vítima como autor de grave delito ocorrido momentos antes nas proximidades do local onde se encontrava. Outra não poderia ser a conduta esperada dos guardas que ali se encontravam, que não o pronto atendimento à solicitação da vítima, com abordagem do apontado autor do delito e subsequente revista pessoal, que saliente-se, tornou-se frutífera, com apreensão de numerário de mesmo valor daquele que fora subtraído.
Ademais, a prisão em flagrante delito é facultada a qualquer povo, dentre eles, os guardas municipais que se estão autorizados ao mais (realização de prisão), certamente também estão ao menos (efetivação da revista na tentativa de localização do produto do crime).
O artigo 66 da Lei de Contravenções prevê que ao agente que não comunicar a ocorrência de crime de ação pública pode inclusive ser punido. Condição que também se aplica aos Guardas Municipais. Reforçando o entendimento que as Guardas Municipais podem prender em flagrante delito, realizar abordagem em suspeitos e que fazem parte da Segurança Pública SENASP editou através de portaria a participação das Guardas Municipais ao sistema de informações de segurança, INFOSEG, na portaria nº 48 de 27 de agosto do ano passado, com intenção de estimular e propor aos órgãos municipais a elaboração de planos e programas integrados de segurança pública, controlar ações de organizações criminosas ou fatores específicos geradores de criminalidade e violência, bem como estimular ações sociais de prevenção da violência e criminalidade, por considerar que o acesso a dados e informações de segurança pública são indispensáveis à formulação desses planos e programas.
A Lei nº 12.681 de 04 de julho de 2012 que instituía o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública trouxe a inclusão dos Municípios no sistema, que se justifica devido a crescente participação desses entes na implementação das políticas de Segurança Pública em todo Brasil, conforme o artigo 4º onde se tem: “Os Municípios”, o Poder Judiciário, a Defensoria Pública e o Ministério Público poderão participar do Sinesp mediante adesão, na forma estabelecida pelo Conselho Gestor.”
No artigo 4º, mais precisamente no inciso III, da já suscitada Lei obriga que o Município tenha Conselho Municipal de Segurança Pública, realize ações de Policia Comunitária, ou que mantenha “Guarda Municipal” para fazer parte do SINESP.
3.4 O Projeto de Lei 1332/2003 e a tentativa de Regulamentar as Guardas Municipais
Em decorrência da atuação das Guardas Municipais estarem na prática colaborando com a segurança pública nos mais diversos municípios brasileiros em virtude da crescente violência do país em 2003 o Deputado Federal Arnaldo Faria do Sá do PTB de São Paulo criou o projeto de Lei nº 1332 de 24 de junho de 2003 que regulamenta o artigo 144 paragrafo 8º da Constituição Federal atribuindo as diversas Guardas Municipais de todo o Brasil várias funções senão vejamos o artigo 1º do referido projeto de Lei:
Art. 1º - Às Guardas Civis, corporações uniformizadas e armadas sendo seus integrantes servidores policiais no âmbito do território municipal onde servem, e agentes da Autoridade Policial para todos os efeitos legais, compete:
I – prevenir, proibir, inibir e restringir ações nefastas de pessoas que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais;
II – educar, orientar, fiscalizar, controlar e policiar o trânsito nas vias e logradouros municipais, visando a segurança e a fluidez no tráfego;
III – vigiar e proteger o patrimônio ecológico, cultural, arquitetônico e
ambiental do Município, adotando medidas educativas e preventivas;
IV – exercer o poder de polícia com o objetivo de proteger a tranqüilidade e segurança dos cidadãos;
V – colaborar, com os órgãos estaduais para o desenvolvimento e o provimento da Segurança Pública no Município, visando cessar atividades que violarem as normas de saúde, higiene, segurança, funcionalidade, moralidade e quaisquer outros de interesse do Município;
VI – Participar das atividades de Defesa Civil.
A Guarda também terá a competência de proteger o patrimônio público municipal e dos direitos individuais, assegurar os exercício da cidadania e das liberdades públicas e zelar pelo respeito as Leis e a Constituição.
O referido projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 24 de Abril deste ano e foi encaminhado ao Senado Federal com o número 39 de 2014.
Outros temas polêmicos contidos no projeto de Lei já foram incluídos em substitutivos do projeto, como a questão inerente ao porte de armas para as Guardas Municipais que continuarão subordinadas ao Estatuto do Desarmamento, diferente do projeto original que permitia o porte permanente aos agentes e a inclusão de outras normas que visam facilitar o desenvolvimento destas instituições como a implantação de um número nacional de utilidade publica para o atendimento de ocorrências, isenção fiscal para a compra de equipamentos, prisão especial para os integrantes destas corporações no caso de prisão provisória, a formação de um Conselho Federal das Guardas Municipais para a deliberação sobre as ações desses órgãos e a missão de cuidar da segurança pública de maneira concorrente com os demais órgãos do Estado e da União.