1. Introdução.
Cinge-se a problemática em questionamento sobre as regras concernentes ao impedimento ou a viabilidade de contratação de pessoa maior de 70 (setenta) anos de idade, aposentada pelo RGPS ou RPPS para provimento de cargo comissionado.
O juízo apreciativo, portanto, se espraia por uma série de institutos administrativos, sem os quais ficaria inviável a conclusão da presente análise. Portanto, indispensável as noções básicas que circundam a natureza e a razão desses institutos de Direito Público.
Dessa forma, toda a exposição basear-se-á no conceito de servidor público; no regime previdenciário a que ele está vinculado; na questão da aposentadoria compulsória de servidor efetivo; na nomeação para cargo comissionado de servidor aposentado; na distinção entre os regimes próprio e geral de previdência e, por fim, no princípio da isonomia, como norteador da admissão na Administração Pública.
2. Conceito. Interpretação restritiva. Servidor público efetivo (estatutário ou celetista) e comissionado. Regimes Previdenciários.
Antes de adentrarmos no escorreito e intrigante tema devemos abrir um parêntese para sublinhar indispensável regra geral de hermenêutica. A regra hermenêutica que se espraia sobre toda a argumentação é a de que as limitações legais devem ser interpretadas restritivamente, principalmente quando relacionadas à restrição de direitos ou faculdades dos administrados ou agentes públicos.
Portanto, o conceito de servidor efetivo que aqui será tratado é notório, arraigado no mundo jurídico, não podendo, dessa forma, ser interpretado extensivamente no sentido de abarcar o servidor ocupante de cargo comissionado para fins restritivos, ou seja, para o impedimento de formalização de vínculo de trabalho sob o pretexto de presunção absoluta de incapacidade para o labor de pessoa com idade superior a setenta anos.
Deve-se, contudo, fazer algumas observações conceituais para que nos munamos de elementos ou bases de fundamentação do posicionamento ao final conclusivo.
Servidores estatais são aqueles que prestam serviços não eventuais, com vínculo funcional com a Administração Pública Direita ou Indireta, de direito público ou privado. A principal característica desses agentes é o vínculo jurídico que possuem com a Administração Pública, que poderá ser de natureza estatutária ou contratual.
Com relação à obrigatoriedade de concurso público como princípio obrigatório à boa administração, à moralidade e impessoalidade administrativa, é possível a contratação sem este certame, conforme os limites legais, em cargos denominados em comissão, de livre nomeação e exoneração, que prima pelo juízo de confiabilidade da autoridade competente para nomear, ou seja, arraiga-se no mérito administrativo.
Assim, referida classificação bifurca-se em servidores públicos estatutários e empregados públicos, conforme a natureza jurídica do regime a que se vinculam, ou seja, estatutário ou celetista, respectivamente. Os servidores efetivos, ainda, subdividem-se em estatutários e celetistas (vínculo com a administração direta e indireta de natureza pública, quando era permitido). Os cargos comissionados, contudo, possuem um regime híbrido, pois, para fins previdenciários, por exemplo, o regime adotado é o RGPS.
Ressaltamos que o art. 39 da Constituição Federal, após a EC nº 19/98 permitia a Administração Pública a faculdade de escolher, no caso concreto, qual vínculo o servidor público ficaria adstrito, se de regime privado (CLT) ou público (estatutário).
Não olvidamos, contudo, que com a ADIN 2135, as regras do Regime Jurídico Único repristinaram até a decisão definitiva. Assim, o STF, por maioria, deferiu parcialmente a medida cautelar para suspender a eficácia do artigo 39, caput, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 019, de 04 de junho de 1998, que a decisão como é próprio das medidas cautelares teve efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa.
Como é de conhecimento, os cargos públicos são criados por lei com denominações próprias e vencimentos pagos pelos cofres públicos, para provimento tanto em caráter efetivo como em comissão. Decorre do princípio federativo a possibilidade das entidades políticas componentes da República legislar especificamente sobre os cargos e regimes jurídicos dos seus servidores (art. 39, CF). Não podemos confundir, conforme acima exposto, cargo público com emprego público (regido pela CLT).
Sublinhamos, como o cerne da questão, a discrepante distinção entre os agentes públicos ocupantes de cargos efetivos estatutários (Regime Jurídico Administrativo), efetivos celetistas (regido pela CLT e pelo RGPS, mas vinculado à Administração Pública de Direito Público), e comissionados (Regime Jurídico Híbrido, pois, no que se refere aos direitos previdenciários se vinculam ao Regime Geral e não ao Regime Próprio).
Os denominados servidores públicos efetivos estatutários vinculam-se a um Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), pois se relacionam juridicamente com a Administração Direta e Indireta de natureza pública (autarquias e fundações públicas) através de um vínculo denominado estatutário. Ressaltamos, contudo, que a Administração Pública contratava sob o Regime Jurídico Contratual, ou seja, alguns servidores públicos efetivos são regidos pela CLT e pelo RGPS.
A problemática, assim, que visualizamos, insere-se no caso de servidor aposentado pelo INSS (efetivo celetista sob o RGPS) que hodiernamente ocupa cargo em comissão.
A razoabilidade na decisão, para nós, está circunstanciada no Regime Jurídico Previdenciário ao qual o servidor se vincula.
Nesse sentido, o Sistema Previdenciário bifurca-se nos seguintes regimes: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e os Regimes Próprios de Previdência (dos servidores públicos federais, dos militares, dos servidores dos estados e municípios).
O RGPS é disciplinado na Constituição Federal no art. 201, possuindo como destinatários os trabalhadores da iniciativa privada, os segurados facultativos, os empregados públicos, os servidores detentores de cargo em comissão (sem vínculo efetivo com o Poder Público) ou de outro cargo temporário e os servidores detentores de cargo efetivo, quando o órgão ou entidade a que pertencem tenham optado pelo Regime Geral.
O RPPS é disciplinado no art. 40 da Constituição Federal, aplicável somente ao servidor público efetivo estatutário.
3. Da aposentadoria compulsória. Aplicação restrita aos servidores públicos estatutários efetivos. Regimes Previdenciários. Cargo Comissionado.
A aposentadoria compulsória (inc. II, §1ª do art. 40 da CCF/88), imposta aos agentes que possuam idade igual ou superior a setenta anos é um instituto pertencente, exclusivamente, aos servidores públicos efetivos estatutários, excluindo-se, dessa forma, os servidores públicos efetivos regidos pela CLT.
Tal situação reflete no polêmico tema sobre o impedimento ou a viabilidade de provimento, por pessoa com idade igual ou superior a 70 (setenta) anos, em cargo comissionado, de livre nomeação e exoneração.
O Trabalhador aposentado pelo RGPS que retorna ao labor permanecerá como segurado do Regime e voltará a contribuir. Vejamos que as pessoas filiadas ao RGPS podem permanecer trabalhando e continuar contribuindo, ainda que tenham idade avançada.
O fato de o servidor ser aposentado pelo RGPS o possibilita a continuar contribuindo ainda que em cargo comissionado, pois, este não se subordina ao regime próprio, mas ao RGPS.
Observemos do exposto, análise célere que relaciona servidor aposentado, regime jurídico a que se vincula e possibilidade de exercer cargo comissionado, por nós estruturado:
a) pessoa aposentada pelo RGPS sem qualquer vínculo (empregado público, servidor público) com a Administração Pública que exerça cargo comissionado. Neste caso não vemos qualquer empecilho para a continuidade laboral, ainda que com idade avançada superior a 70 anos, pois não há impedimento legal no RGPS limitativo da idade. Assim, o provimento em cargo comissionado, ainda que a pessoa tenha idade superior a setenta anos é viável juridicamente.
b) servidor aposentado (empregado público ou servidor público) que não tenha vínculo com a Administração Pública onde exerce cargo em comissão. Ex. servidor aposentado pelo Estado que exerça cargo em comissão na União ou Município. Entendemos que no exercício de cargo em comissão a sua relação seja sem vínculo, pois, as entidades possuem autonomia administrativa. No caso em que esteja aposentado pelo RGPS não há impedimento para o exercício de cargo comissionado. Se possuir idade superior à setenta anos, o RGPS não impede a continuidade laboral.
c) servidor aposentado pelo Regime Geral que exerça cargo comissionado no órgão ou entidade que aposentou. Nesse caso, não vemos empecilho para a continuidade laboral, pois está vinculado ao RGPS que não limitação de idade, com o faz a Constituição para os servidores efetivos estatutários, nos moldes do inciso II do § 1º do art. 40 da CF.
d) servidor aposentado pelo Regime Próprio de Previdência que exerça cargo comissionado na entidade que lhe remunere (U- E – M – DF). Poder exercer o cargo em comissão. Somos ainda, pela possibilidade de, mesmo com idade superior a setenta anos, prover cargo comissionado na Administração, pois, a regra do artigo 40 da CF é clara no sentido de se referir ao servidor na ativa, e nada diz à respeito do aposentado pelo regime próprio. Interessante, contudo, verificarmos um caso prático de o servidor efetivo estar na ativa, exercente de cargo comissionado e ter completado os setenta anos. Nesse caso, ele deve ser aposentado compulsoriamente, se desvincular do cargo em comissão e, caso viável, poderá ser recontratado para o mesmo cargo ou cargo comissionado distinto na percentagem pertencente aos sem vínculo.
Os agentes públicos comissionados sem vínculo com a Administração Pública vinculam-se obrigatoriamente ao Regime Geral de Previdência Social. É o que estabelece o §13º do art. 40 da Constituição Federal. Vejamos:
“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003).
....
§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.”
É de notório conhecimento o fato impeditivo de que em um mesmo vínculo trabalhista não pode haver a concomitância de dois regimes jurídicos distintos (estatutário e celetista). Assim, por exemplo, o servidor público ocupante de cargo efetivo munido de cargo comissionado fica tão somente adstrito ao regime estatutário para fins previdenciários. Diferente é a situação do agente público, sem vínculo, aposentado, ocupante unicamente de cargo em comissão, cujo regime previdenciário é o Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
O Regime Próprio de Previdência Social (estatutário) é restrito aos servidores públicos efetivos. O art. 183 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que estatui o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (apenas como parâmetro) é expresso quanto a exclusão dos servidores exclusivamente comissionados do RPPS:
“Art. 183. A União manterá Plano de Seguridade Social para o servidor e sua família.
§ 1o O servidor ocupante de cargo em comissão que não seja, simultaneamente, ocupante de cargo ou emprego efetivo na administração pública direta, autárquica e fundacional não terá direito aos benefícios do Plano de Seguridade Social, com exceção da assistência à saúde. (...)”. grifo nosso.”
Conforme a regra subscrita, há expresso impedimento no sentido de proibir a aplicação do Regime Próprio Previdenciário aos ocupantes exclusivamente de cargos comissionados. Os servidores efetivos estatutários que providos em cargo comissionado a ele (RPPS) permanecem vinculados.
Portanto, não pode existir aplicação simultânea numa mesma relação laboral de dois regimes jurídicos previdenciários. O agente ocupante de cargo comissionado, sem vínculo com a Administração, não está vinculado ao regime próprio de previdência. Subsidiariamente, o Regime Geral de Previdência se aplica à todos aqueles que não estejam vinculados a um regime próprio.
Corroborando com o argumento anterior, a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, precisamente na alínea “g” do inciso I, assim estabelece:
“Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: I - como empregado: (...) g) o servidor público ocupante de cargo em comissão, sem vínculo efetivo com a União, Autarquias, inclusive em regime especial, e Fundações Públicas Federais;.”
O art. 12 da Lei nº 8.212/91, o art. 11 da Lei nº 8.213/91, bem como o art. 9º do Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999 - todos com o mesmo teor, afirmando o enquadramento do comissionado ao RGPS - são expressos quanto à subsidiariedade do Regime Geral, aplicável aos servidores públicos não efetivos, ou seja, ocupantes de cargos comissionados, sem vínculo efetivo com a Administração Pública – o conceito de Administração Pública restringe-se à unidade federativa.
A regra estampada no inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal não se aplica aos servidores públicos exercentes exclusivamente de cargos comissionados. Consequentemente, o servidor público comissionado, com 70 (setenta) anos de idade não está limitado por esta regra compulsória de aposentadoria.
O servidor público efetivo aposentado compulsoriamente, pode manter-se ativo profissionalmente, e a depender de sua classificação como segurado, a vinculação ao RGPS se torna obrigatória. O princípio da solidariedade obriga aos aposentados que retornaram ao labor a continuidade da contribuição.
Posicionamo-nos no sentido de que o limite temporal estipulado em 70 (setenta) anos para a aposentadoria compulsória se aplica somente aos servidores efetivos estatutários, que impede a permanência em um mesmo regime jurídico. Significa dizer que, mesmo o ex- servidor efetivo, aposentado compulsoriamente ou não, poderá exercer cargo comissionado, pois, o novo vínculo, para fins previdenciários não é mais o estatutário, mas o Regime Geral - RGPS. Apenas algumas regras estatutárias são aplicáveis aos comissionados, pois, expressamente ficam excluídos do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).
Para corroborar, vejamos as regras do art. 40 da Constituição Federal:
“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
....
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;
....”
Sistematicamente, em conjunto com as demais regras, temos que os preceitos do artigo 40 da Constituição federal são límpidos.
O caput se refere, aos servidores titulares de cargos efetivos estatutário. Não podemos olvidar que o caput do artigo o rege, de forma que os seus parágrafos, alíneas e incisos devem com ele ter uma relação lógica e complementar. O § 1º é claro no sentido de se referir ao Regime de Previdência Próprio do servidor público efetivo. Ao inciso II do § 1º não se poderia dar outra interpretação senão em conjunto com o § 1º e o caput do art. 40, ou seja, a compulsoriedade da aposentadoria aos setenta anos de idade é inerente ao Regime Próprio de Previdência Social, excluindo-se, dessa forma, o servidor público vinculado ao Regime Geral de Previdência, ainda que lotado em cargo comissionado.
Ressaltamos, indispensavelmente, que o caput do art. 40 da Constituição Federal estende as suas regras à todas unidades federativas, inclusive, municipais.
Dessa feita, ao servidor público ocupante exclusivamente de cargo em comissão (ainda que aposentado) declarado em lei de livre nomeação e exoneração, bem como de outro cargo temporário ou emprego público não subsiste a denominada aposentadoria compulsória. Consequentemente, não prejudica a formação de vinculo de trabalho após os 70 (setenta) anos nessas modalidades. Todas estas relações jurídicas laborais são abarcadas pelo RGPS.
Conclusivamente, a regra do art. 40 é expresso em restringir o seu âmbito de aplicabilidade ao regime jurídico dos servidores públicos efetivos quanto às regras previdenciárias, extirpando, expressamente, os servidores públicos comissionados.
A regra septuagenária deve ser interpretada da seguinte forma: o servidor público efetivo que completar setenta anos de idade deverá se aposentar compulsoriamente e; nenhuma pessoa com idade superior à setenta anos poderá ingressar no serviço público para cargo de provimento efetivo, o podendo, porém, para cargo comissionado.
Se adentrarmos na seara conceitual e da natureza jurídica da regras, diríamos que a Constituição Federal teria presumido a incapacidade da pessoa humana para o trabalho ao atingir a idade limite.
Devemos entender a regra como política de rotatividade e inovação do serviço público, mas não como regra que presuma incapacidade. O sentido teleológico foi unicamente para dar rotatividade e inovação ao serviço público. Por isso, a vedação é somente para cargos efetivos, nada se relacionando com os cargos comissionados que exigem para a nomeação a discricionariedade da autoridade competente (livre nomeação e exoneração).