Conclusão
Como dito na primeira parte do artigo, o Direito serve à própria sociedade e deve, portanto, se perfazer num constante evoluir, buscando cotidianamente as soluções para os conflitos sociais, a partir da racionalidade comunicativa proposta por Habermas. Nessa perspectiva é que o Estatuto do Nascituro representa um retrocesso jurídico e social, visto que impõe limites já superados pelo Direito e conquistados pela luta feminina e pela ciência, como o aborto de fetos anencefálicos e o estudo com células-tronco embrionárias. O Brasil ao admiti-lo estará na contra mão de diversos outros países que já regulamentaram o aborto, 56 países tem o aborto liberado sem nenhuma restrição segundo a pesquisa realizada pelo Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos)[9].
Além disso, o Estatuto carrega em si preceitos morais, em geral, de cunho religioso, que não podem ser impostos aos indivíduos, pois representam uma invasão à esfera privada. A um Estado Democrático de Direito nada mais cabe, nesta situação, proteger a liberdade de seus cidadãos, permitindo que realizem suas próprias escolhas, oferecendo a assistência necessária para que essa decisão não se torne impossível ou demasiadamente onerosa, como ocorre atualmente devido a criminalização do aborto, que afeta diretamente as mulheres mais pobres, sinalizando que ainda vivemos numa sociedade de classes segregada, em que a criminalização escolhe uma classe, um gênero e muitas vezes uma cor.
A legalização do aborto se propõe, portanto, a solucionar um problema de saúde pública, que há muito é deixado de lado por questões políticas e religiosas, além de ser um mecanismo que busca superar a cultura patriarcal e moralista enraizada na sociedade, que torna as mulheres submissas ao seu próprio corpo, retirando-lhe o poder de escolha.
Referências
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Notas
[1] Projeto de Lei 478/07. Disponível em:< http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrar integra?codteor=443584&filename=PL+478/2007>
[2] Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124- Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125- Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
(...)Art. 128- Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
[3] Mais informações sobre a pesquisa, disponível em: <http://www.hrw.org/news/2007/10/01/nicar-gua-nova-proibi-o-de-aborto-coloca-vidas-de-mulheres-em-risco>.
[4] Texto completo do Voto do Min. Marco Aurélio na ADPF 54 disponível em: <http://www.stf.jus.br /arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF54.pdf>
[5] Informação retirada do Jornal eletrônico Estadão. Disponível em < http://www.estadao.com.br/notici as/imp resso,onu-recomenda-o-fim-da-criminalizacao-,846505,0.htm>
[6] Ver nota de rodapé anterior.
[7] Informação disponível em:< http://www.portugues.rfi.fr/geral/20130716-entidades-religiosas-exigem-veto-projeto-que-trata-do-atendimento-vitimas-de-violenci>.
[8] Informações sobre a pesquisa, disponível em: < http://www.ccr.org.br/uploads/noticias/Aborto _no_Brasil.ppt>.
[9] Informações sobre a pesquisa disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvi mento/conteudo_283054.shtml?func=2>