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Direito de procriar:

a reprodução assistida em face do princípio da dignidade humana

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Agenda 21/06/2014 às 15:45

5. TUTELA LEGAL

Antes de adentrarmos os problemas jurídicos decorrentes da reprodução assistida é mister observar que não temos uma legislação que regulamente o assunto. Não existe um estatuto sistematizado sobre o tema.

“Há verdadeiramente, uma grande vocacio legis em relação à possibilidade de se constituir família por meio da reprodução assistida. A única normatização existente é do Conselho Federal de Medicina, que não impõe qualquer limitação à mulher solteira. Se a mulher é casada ou vive em união estável, é necessária a concordância do cônjuge ou do companheiro para que se submeta ao procedimento reprodutivo. Aliás, a própria lei (1597) autoriza a formação da monoparentalidade ao permitir a utilização do esperma do marido pré-morto na fecundação post-mortem.[29]

A regulamentação jurídica dos eventos que envolvem o Biodireito constitui empenho necessário e de grande responsabilidade. A atividade legiferante nesse terreno, mesmo que ainda de forma acanhada, já se vem manifestando. A liberdade científica não deve ser censurada, o que não quer dizer que a sua atuação possa ir às raias da transgressão aos princípios do direito à vida e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a importância do Direito na Biologia. Contudo, o tratamento global dessas questões ainda não alcançou uma projeção satisfatória, tendo em vista a amplitude das temáticas envolvendo a tecnociência no âmbito da vida.

Vale dizer que não basta uma legislação específica em torno dos problemas bioéticos. Faz-se necessário que tal legislação encontre amparo e condições de eficácia no âmbito do ordenamento compreendido como sistema.

A dicotomia liberdade-coação deve estar em consonância com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, tendo na Constituição o vértice de onde deve irradiar toda produção normativa, legítima e válida.

No que se refere à autonomia individual, esta deve pautar-se pela legalidade. A constituição impõe múltiplas tarefas ao Estado, cuja realização depende da sua intervenção. Não obstante a necessidade de uma legislação que venha possibilitar a implementação dessas tarefas, os valores ali sintetizados podem ser observados nas condutas individuais, no sentido de transformar aquilo que se encontra como uma diretriz para o Estado também em diretriz para as condutas no âmbito do privado.

Atualmente, no Brasil, a matéria está regulamentada pela Resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, podendo ser questionada a sua validade perante a principiologia constitucional e, também, no que tange à hierarquia.

No que diz respeito à hierarquia, questiono a validade de uma resolução regulamentar matéria tão séria, de âmbito tão abrangente. A ausência de uma legislação condensada sobre o assunto ocasiona uma insegurança jurídica para todos os cidadãos.

O conteúdo da resolução, muitas vezes, entra em conflito com o princípio constitucional da dignidade humana, conforme veremos no presente estudo.


6. O INÍCIO DA VIDA HUMANA

Imperioso determinar qual o momento em que o ser humano inicia a sua existência. Inúmeras teorias são colocadas para solucionar a questão, entretanto nenhuma obteve êxito pleno.

A TEORIA CONCEPTUALISTA apregoa que a vida humana inicia desde o momento da concepção, da fecundação do óvulo, momento em que o ovo ou zigoto apresenta um código genético próprio. Tal teoria é baseada em princípios biológicos e morais.

 “O gameta feminino, chamado óvulo ou ovócito, é expelido, maduro, pelo ovário e captado pelas trompas de Falópio, onde inicia seu trajeto até o útero. Viável por um ou dois dias, é fecundado ainda no terço distal das trompas.  Este fato representa o início da gravidez. Neste momento forma-se uma célula completa, com o número certo de cromossomos e a ativação do zigoto, iniciando-se uma série de divisões celulares e a segmentação.” [30]

A TEORIA DA NIDAÇÃO defende que o nascituro surge com o fenômeno da nidação, ou seja, da fixação do ovo na parede do útero materno. Com isso sua viabilidade estaria garantida, num estágio de sobrevida. Esta teoria é também conhecida como  desenvolvimentistas. Afirmam que a fecundação, mesmo estabelecendo as bases genéticas, o novo ser necessita de um certo grau de desenvolvimento e, por isso, a vida começaria da nidação.

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“o início da vida dá-se a partir do momento em que o embrião faz a sua ligação com o útero materno, ou seja, fixa-se, o que acontece por volta do 6º dia a partir da fecundação, passando a receber dele irrigação sangüínea. Somente a partir de então, o ovo ou zigoto tonar-se-ia viável e definitivamente em evolução. Esta variante não considera, então, os embriões que não estão nesta posição ótima de desenvolvimento, tais como os fecundados in vitro e os congelados.”[31]

A TEORIA GENÉTICA admite como ser humano aquele que tem código genético definido, ou seja, a partir da concepção.

Alguns ainda defendem a teoria do 14º dia. Para eles, surge aí a formação do plano construtivo do embrião rudimentar, organização do sistema nervoso central. Nesse prazo, pode ocorrer também o desdobramento do embrião em partes idênticas, dando lugar a gêmeos monozigóticos, não se podendo falar em indivíduo, tendo em vista que poderá ainda se dividir.

Existem outras teorias, tais como a infusão da alma no corpo e a configuração dos órgãos, que não possuem relevância jurídica.

Entendo que a teoria conceptualista é a que melhor explica o momento do nascimento, tendo em vista que o óvulo fecundado é a primeira célula do novo ser. Não tendo a medicina conseguido responder de forma satisfatória quanto ao início da vida humana, acredito que devemos seguir a teoria que implique maior preservação ao ser humano. Adotando a teoria concepcionista, estamos excluindo todas as possibilidades de extermínio humano. Aqueles que optam por utilizar métodos de reprodução assistida não podem e olvidar do fato de que estão criando seres humanos que devem ser preservados em sua excelência.

Dernival da Silva Brandão, especialista em Ginecologia e embriologia, emérito da academia fluminense de medicina, afirma:

“O embrião é um ser humano na fase inicial de sua vida. É um ser humano em virtude de sua constituição genética específica, própria e de ser gerado por um casal humano – espermatozóide e óvulo. Compreende a fase de desenvolvimento que vai desde a concepção (grifo nosso), com a formação do zigoto na união dos gametas, até completar a oitava semana de vida. Desde o primeiro momento de sua existência esse novo ser já tem determinadas as suas características pessoais fundamentais como sexo, grupo sanguíneo, cor da pele e dos olhos, etc. É o agente do seu próprio desenvolvimento, coordenado de acordo com o seu próprio código genético. A ciência demonstra insofismavelmente – com os recursos mais modernos – que o ser humano, recém-fecundado, já tem o seu próprio patrimônio genético e o seu próprio sistema imunológico diferente da mãe. É o mesmo ser humano – e não outro – que depois se converterá em bebê, criança, jovem, adulto e ancião. O processo vai-se desenvolvendo suavemente, sem saltos, sem nenhuma mudança qualitativa. Não é suficientemente admissível que o produto da fecundação seja, nos primeiros momentos, somente uma matéria germinante. Aceitar, portanto, que depois da fecundação existe um novo ser humano, independente, não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental. Nunca se poderá falar de embrião como ‘uma pessoa em potencial’ que está em processo de personalização e que nas primeiras semanas pode ser abortada. Por quê? Poderíamos perguntar-nos: em que momento, em que dia, em que semana começa a ter a qualidade de um ser humano? Hoje não é; amanhã já é. Isto, obviamente, é cientificamente absurdo.” [32]

O cientista francês Jérôme Lejeune doutrina:

“Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano estão presentes. A fecundação é o marco inicial da vida humana, daí para frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato.”[33]

O Doutor Dalton  Luiz de Paula Ramos, livre docente da Universidade de São Paulo, professor de Bioética da USP, assim se manifesta sobre a temática:

“Os biólogos empregam diferentes termos – como por exemplo zigoto, embrião, feto, etc, para caracterizar diferentes etapas da evolução do óvulo fecundado. Todavia esses diferentes nomes não conferem diferentes dignidades a essas diversas etapas. Mesmo não sendo possível distinguir nas fases iniciais os formatos humanos, nessa nova vida se encontram todas as informações, que se chamam código genético, suficientes para que o embrião saiba como fazer para se desenvolver. Ninguém mais, mesmo a mãe, vai interferir nesses processos de ampliação do novo ser. A mãe, por meio do seu corpo, vai oferecer a essa nova vida um ambiente adequado (o útero) e os nutrientes necessários. Mas é o embrião que administra a construção e executa a obra. Logo, o embrião não é da mãe, ele tem vida própria. O embrião está na mãe, que o acolhe pois o ama. Não se trata, então, de um simples amontoado de células. O embrião é vida humana.

A partir do momento que alcançando maior tamanho e desenvolvimento físico, passamos a reconhecer aqueles formatos humanos (cabeça, tronco, mãos e braços, pernas e pés, etc. ) podemos chamar essa nova vida de feto.”[34]

A Dra. Alice Teixeira Ferreira, professora da UNIFESP/EPM na área da biologia celular, afirma, verbis:

“Em 1839, Schleiden e Schwan, ao formularem a teoria Celular, foram responsáveis por grandes avanços da embriologia. O corpo é formado  por células que levam a compreensão de que o embrião se forma a partir de uma única célula, o zigoto, que por muitas divisões celulares forma os tecidos e órgãos de todo ser vivo, em particular o humano.  Confirmando tais fatos, em 1879, Hertwig descreveu eventos visíveis na união do óvulo  ou oócito com o espermatozóide em mamíferos. Para não se dizer que se trata de conceitos ultrapassados verifiquei que todos os textos de embriologia humana consultados afirmaram que o desenvolvimento humano se inicia quando o oócito é fertilizado pelo espermatozóide. Todos afirmam que o desenvolvimento humano  é a expressão do fluxo irreversível de eventos biológicos ao longo do tempo que só pára com a morte. Todos nós passamos pelas mesmas fases do desenvolvimento intra-uterino: fomos um ovo, uma mórula, um blastocisto, um feto.”[35]

A doutora Elizabeth Cerqueira, perita em sexualidade humana, assim se manifesta:

“O zigoto, constituído por uma única célula, produz imediatamente proteínas e enzimas humanas, e não de outra espécie. É biologicamente um indivíduo único e irrepetível, um organismo vivo pertencente à espécie humana. O tipo genético, as características herdadas de um ser humano individualizado é estabelecida no processo de concepção e permanecerá em vigor por toda a vida daquele indivíduo. O desenvolvimento humano se inicia com a fertilização, o processo durante o qual um gameta masculino ou espermatozóide se une a um gameta feminino ou oócito para formar uma célula única chamada zigoto. Esta célula altamente especializada e totipotente marca o início de cada um de nós, como indivíduo único.”[36]

O ordenamento jurídico atual não reconhece direitos ao embrião. Reconhece ao nascituro. Também não o qualifica. Ele não é pessoa natural, visto que não nasceu. Não é nascituro, visto que não se encontra em ambiente apropriado ao seu desenvolvimento, o ventre materno. Também não é prole eventual, uma vez que se encontra concebido e, desta forma, afasta a eventualidade. Poder-se-ia tentar equiparar o embrião de laboratório ao nascituro, entretanto, tal não poderia corresponder à verdade, uma vez que, em laboratório, o embrião encontra-se sem condições de desenvolvimento pleno e autônomo capaz de torná-lo pessoa natural. Contudo, conforme diz Maria Helena Diniz, é comprovado pela fetologia e as modernas técnicas da medicina que a vida se inicia no ato da concepção, ou seja, da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, dentro ou fora do útero. [37] Segundo a mesma autora, a vida humana inicia-se com a concepção. Desde esse instante, tem-se um autêntico ser humano e, seja qual for o grau de evolução vital em que se encontre, precisa, antes do nascimento, do útero e do respeito á vida.[38]

O feto é um ser com individualidade própria; diferenciando-se, desde a concepção, tanto de sua mão como de seu pai e de qualquer pessoa, e, independentemente do que a lei estabeleça é um ser humano. Em poucos dias, seus órgãos estão formados e funcionado, aumentando apenas de tamanho com o passar do tempo, já percebe ruídos desagradáveis que o inquietam.

Szaniawsky, citado por Maria de Fátima Freire Sá:

“Não se pode discriminar, não se pode criar categorias de pessoas em desenvolvimento, dividindo-as em um embrião inserido no útero de mulher e em um embrião que está se desenvolvendo in vitro, considerando o primeiro embrião uma pessoa e o segundo não! Não pode a lei garantir a um embrião a vida plena, punindo penalmente àquele que interromper seu desenvolvimento e, de outro lado, autorizar legalmente a faculdade de matar o outro embrião. Ambos os embriões possuem o mesmo grau de personalidade, são sujeitos de dirieto e possuem idêntico direito à vida e de nascer.”[39]

A nomeclatura dos diversos estágios de desenvolvimento (zigoto, embrião, feto) tem apenas o sentido de caracterizar estágios não-escalonados ou novos impulsos de desenvolvimento, devendo ser protegido em sua integralidade. O embrião possui vida humana desde o momento da fertilização, possuindo a possibilidade de desenvolver plenamente essa vida humana, desde que lhe sejam dadas as condições ambientais necessárias para isso.

Immanuel Kant, em seu livro Metafísica dos Costumes, publicada em 1797, forneceu a fundamentação filosófica a um decreto do Direto Geral Prussiano (DGP), afirmando que os Direitos da humanidade cabem inclusive às crianças ainda em gestação a partir da sua concepção.

Sobre o autor
Emanuel Adilson Gomes Marques

Pós graduado em Direito Civil e Processo Civil Pós graduado em Direito Público Defensor Público Federal Membro titular da Câmara de Coordenação e Revisão Previdenciária da Defensoria Pública da União

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Emanuel Adilson Gomes. Direito de procriar:: a reprodução assistida em face do princípio da dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4007, 21 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29622. Acesso em: 9 mai. 2024.

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