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Mecanismo europeu de estabilidade:

Relatório acerca do acórdão C-370/12 do TJUE

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Agenda 22/10/2014 às 10:30

3. Terceira Questão

A Supreme Court da Irlanda questionou, por fim, se os Estados-Membros do Mecanismo Europeu de Estabilidade poderiam proceder à celebração e ratificação do respectivo tratado antes do início da vigência da Decisão 2011/199 do Conselho Europeu.

A este respeito, o Tribunal aduziu que a alteração do artigo 136º TFUE pelo artigo 1º da Decisão 2011/199 apenas ratifica a existência de uma competência que os Estados-Membros já detinham; não tendo sido concedida por este instrumento jurídico qualquer nova competência a esses.

Destarte, o direito de um Estado-Membro celebrar e ratificar o Tratado MEE não está vinculado ao encetamento da vigência de tal decisão.

Por conseguinte, o Tribunal concluiu, por derradeiro, pela plena legalidade e legitimidade da criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade, assim como deliberou pela validade da alteração realizada no artigo 136º TFUE pela multimencionada decisão do Conselho Europeu, asseverando ter esta devidamente desenvolvido-se segundo os ditames jurídicos do artigo 48º, n.º 6º do Tratado da União Européia.


CONCLUSÃO

A crise financeira internacional e o problema de financiamento vivido por alguns Estados-Membros puseram em cheque não apenas a estrutura e funcionamento, mas também a própria sobrevivência da Zona do Euro.

Dentre as várias medidas e ações que vêm sendo tomadas para fazer frente a esta realidade, a criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade trouxe consigo, para além de acentuados debates na seara econômica, largas discussões e contestações no campo jurídico.

A interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, em face da problematização jurídica posta no Processo C-370/12, numa decisão jurídica assente na realidade e nas necessidades socioeconômicas atuais da Europa, primou por um posicionamento que não limitando-se a um mero interpretativismo  estrito, transpôs em certas circunstâncias as barreiras do legalismo austero.

O Tribunal logrou demonstrar com destreza e argúcia a legalidade da revisão por processo simplificado promovida pelo Conselho Europeu, elucidando que o MEE não destoa em qualquer momento das disposições do TFUE acerca das políticas econômicas da União, submetendo-se plenamente à coordenação da União Européia nestes desígnios; evidenciando ainda a inexistência de ofensa por parte do Tratado MEE à competência de condução das políticas monetárias por parte da União e do BCE.

Igual êxito jurídico teve o TJUE ao fundamentar a sua decisão, na resposta a terceira questão, de que a alteração promovida no TFUE meramente patenteou uma competência, que por exclusão, e na aplicação de uma apropriada hermenêutica jurídica, já detinham os Estados-membros; desvinculando, por conseguinte, a eventual celebração e ratificação do Tratado MEE pelos Estados a entrada em vigência da mencionada decisão do Conselho Europeu[15].

Todavia, parece-nos que a Corte não dispôs de tão robustos fundamentos jurídicos quando da refutação a alegação de violação ao artigo 123º TFUE, ao ter por fundamento principal que tal vedação circunscrevia-se aos Bancos Centrais dos Estados e ao BCE; e, quando num segundo momento, justificou a alegação de estrapolação das atribuições confiadas pelos Tratados, com a conseqüente violação do artigo 13º, n.º 2 TUE, restringindo a sua fundamentação quando da justificação das atribuições confiadas à Comissão como mero exercício das funções já por ela desempenhadas.

Ora, parece-nos flagrante a noção de que a vedação perpetrada pelo artigo 123º TFUE, aos Bancos Centrais, numa interpretação estrita, estender-se-ia, indubtavelmente, ao seus respectivos Estados e à União, na medida em que são aqueles primeiros os entes protagonistas na condução da política econômica e monetária, na gestão e controle das massas monetárias e creditícias dos países, e os financiadores de última instância. Logo, ao referir-se aos BCs, parece-nos que o referido artigo, nada mais faz do que restringir a possibilidade de concessão de financiamentos por parte dos Estados-Membros e da União, indicando para tal desiderato as instituições responsáveis pela coordenação das áreas monetárias, econômicas e de financiamento estatal no seio desses, quais sejam: os BCs e, no caso da União, o BCE.

De clareza meridiana também aparenta-nos a realidade de que o Tratado do MEE, para além de conferir meios de exercício das atribuições conferidas pelos Tratados da UE à Comissão, delega-a novas competências, na medida em que a estruturação, debate e confecção do memorando de financiamento e a fiscalização do cumprimento das condicionalidades impostas por um mecanismo de financiamento externo a União evidencia cabalmente a assunção de novas funções por aquele órgão da União.

 Não obstante tais constatações e impressões, parece-nos, no entanto, uma decisão acertada aquela tomada pelo Tribunal de Justiça, a prestigiar uma faceta mais politizada e social das atuações estatais no domínio dos temas afetos à União, prestigiando-se uma posição mais econômica, política e socialmente assente, em detrimento de uma hermenêutica demasiado estrita dos Tratados e duma práxis jurídica imodicamente legalista. Estando, ao mesmo tempo, consentânea com a urgência que as vicissitudes que a crise econômica tem imposto à Europa.

A nova governança econômica européia, com a criação do “seu próprio FMI” (como afirma parcela da doutrina ao tratar do MEE) e de outros mecanismos e ações voltadas para uma maior atuação e governança econômica (e, em certas medidas, até mesmo orçamentária) conjunta, traz em seu bojo um complexo arcabouço de problemáticas com facetas não apenas jurídicas mas, principalmente, econômicas.

Questões acerca da limitação democrática na tomada de decisão e nas condicionantes impostas quando dos financiamentos concedidos pelo MEE, além de problemáticas referentes ao que deve ser feito quanto às dividas soberanas com vencimento durante o período do programa de resgate[16], entre tantas outras, têm ocupado extensas páginas de elucubrações e posicionamentos doutrinários à respeito.

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Para alguns doutrinadores a criação do Mecanismo, em conjunto com as demais medidas que vêm sendo adotadas pelos Estados da UE seriam apenas um paliativo em termos econômicos; havendo ainda uma longa estrada para a estabilidade real, por conta, principalmente, da necessidade crescente de financiamento.

Neste diapasão, são valiosas as lições do Professor Hans-Bernd Schäfe, que preleciona:

The remaining sums available for future efforts to stabilize all distressed countries in the Eurozone will be lower than 1.5 trillion Euros, including the IMF credits. However, the total public debt of distressed countries in the Eurozone is 3.6 trillion Euros.[17]

A doutrina, principalmente aquela de cunho mais economicista, tem destacado ainda a insuficiência da capacidade de financiamento do mecanismo.[18]

Para outros tantos, estas medidas são de extrema relevância no combate e prevenção à crise, sem congregar, no entanto, reais e definitivas condições de enfrentamento à crise.[19]

Outra parcela, ainda, tem entendido que a Europa continua a claudicar nas suas atuações de combate à crise e ao problema orçamentário dos Estados mais debilitados, vaticinando ser este um mecanismo que, pela imposição de suas condicionalidades, continuará a propagar a política de austeridade e recessão cíclica implementada na Europa, e ao invés de trazer soluções duradouras contra as crises acabará por gerar inúmeros outros danos e mazelas sociais, econômicas e políticas, possibilitando ainda a promoção de retrocessos no campo dos direitos sociais e democráticos.[20]

Assim sendo, quanto à sua estrutura e validade jurídica, pareceu-nos patente a legitimidade jurídica do MEE, haja vista, sobretudo, a realidade política e socioeconômico em que este emerge; e sitos sobre a importância da função e objetivos que este colima alcançar. No campo econômico, entretanto, em que pese não seja este o foco central deste estudo, parece-nos ainda bastante controversa e limitada a real viabilidade e eficiência deste mecanismo, demonstrando-nos com veemência as elucubrações doutrinárias (com destaque àquelas de cunho economicista) que seja este, provavelmente, apenas uma pequena ponta do “iceberg” de medidas, atuações e transformações para uma superação real e definitiva das crises e para a efetivação de uma União Européia forte, estável e consolidada[21]


Bibliografia

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Documentos

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Notas

[1]A Eurozona representa, destarte, o grupo de Estados-Membros que, para além da globalidade de Estados Europeus que compõem a união econômica e monetária e o mercado único europeu (ou seja, a União Européia), utilizam o euro como moeda.

[2] Para um estudo mais amplo acerca da crise financeira internacional, seus desdobramentos e impactos vide: ALEXANDRE, Fernando; MARTINS, Ives Gandra et al. Crise Financeira Internacional. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009.

[3]BIANCO, Giuseppe. The New Financial Stability Mechanisms and Their (Poor) Consistency with EU Law.Disponível em:http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2143249.Acesso em: 07/03/2013.

[4] Artigo 3º do Tratado MEE. Em: UNIÃO EUROPÉIA. Tratado do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Disponível em: http://www.european-council.europa.eu/media/582898/11-tesm2.pt12.pdf.Acesso em: 07/03/2013.

[5] Acerca do papel de coibidora do Risco Moral atribuído às condicionalidades para a concessão de financiamento pelo MEE, arrazoa o Dr. Daniel Kapp: “In order to avoid Moral Hazard, ESM payments are subject to conditionality. (...) In order to keep track of the reform progress, IMF participation is desirable to the member states.”, em: KAPP, Daniel. The Optimal Size of the European Stability Mechanism a Cost-Benefit Analysis. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2133240. Acesso em: 09/03/2012, p.p. 2 e 3.

[6] A propósito do “Pedido de Decisão Prejudicial” ou “Reenvio Prejudicial” vide: CUNHA, Paulo de Pitta e.  Direito Institucional da união Européia. Coimbra: Almedina, 2004, pp. 82 a 85; e MACHADO, Jónatas E. M.. Direito Internacional: Do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro. 3ª ed.. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, pp. 792 a 796.

[7] A respeito do Direito Comunitário Originário ou Primário, seu conteúdo e natureza, vide: QUADROS, Fausto de Quadros. Direito da União Européia. Coimbra: Almedina, 2004, pp.343 a 347; e MACHADO, Jónatas E. M.. Direito da União Européia.Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pp. 181 a 187.

[8] Acerca do funcionamento, da estrutura e dos papéis do SEBC, do BCE e do Eurosistema vide: SCHELLER, Hanspeter K..Banco Central Europeu. Frankfurt: Banco Central Europeu, 2004, pp. 41 a 74.

[9] No que tange a vedação enunciada no artigo 125º TFUE, como aplicável apenas em atuações, por exemplo, nos moldes da criação dos Eurobonds e não pertinentes no que concerne a criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade, vide as lições do Professor Hans-Bernd, da Universidade de Hamburgo: SCHÄFER, Hans-Bernd. The Sovereign Debt Crisis in Europe, Save Banks Not States. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2049299. Acesso em: 12/03/2013, p.p. 8 a 10.

[10] PALIOURAS, Vassilis.  Why Europe Should Say No to the Proposed Framework of Economic Governance: A Legal and Policy Analysis in Light of the Establishment of the European Stability Mechanism and the Euro Plus Pact. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1908435. Acesso em: 08/03/2013, pp. 17 a 19.

[11] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UIÃO EUROPÉIA. Acórdão C-370/12. Item 158. Disponível em: http://curia.europa.eu/common/recdoc/repertoire_jurisp/bull_4/data/index_4_12_04.htm. Acesso em: 06/03/2013.

[12] Acerca do envolvimento do BCE na cooperação internacional vide: SCHELLER, Op. Cit., pp. 143 a 148.

[13] CARVALHO, Luís Paulo Figueiredo. Os Sistemas de Supervisão Prudencial na União Européia. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 164 a 166. Quanto à natureza e independência do BCE vide ainda:SCHELLER, Op. Cit., pp. 123 a 126.

[14]Destaca-se o fato de que o atual artigo 13º do TUE elenca o BCE como instituição da União. Isto, não afasta, no entanto, os demais argumentos levantados por certa parcela da doutrina de ser o BCE uma instituição de natureza jurídica sui generis, e que goza de maior independência em face da UE. Vide também: UNIÃO EUROPÉIA. Tratado da União Européia. Disponível em:http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0047:020:pt:PDF. Acesso em: 07/03/2013.

[15] Em sentido contrário, parcela da doutrina tem posicionado-se por vislumbrar acentuada fragilidade da sustentação legal do MME; lastreando seus argumentos e questões, essencialmente, em fundamentos jurídicos que, pareceu-nos, devidamente refutados pelo TJUE. Vide, por exemplo: BIANCO, Giuseppe. Op. Cit..

[16]A este respeito vide: BUCHHEIT, Lee C. G.;GULATI, Mitu; e TIRADO, Ignacio. The Problem of Holdout Creditors in Eurozone Sovereign Debt Restructurings.Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2205704. Acesso em: 12/03/2013;

[17] SCHÄFER, Op. Cit., p.p. 13. O supracitado autor chega a afirmar, em seu paper, que os mecanismos hodiernos têm realizado meramente um papel de salvamento de instituições bancárias e não têm propriamente logrado resolver as crises financeiras dos Estados.

[18]O Dr. Daniel Kapp chega a afirmar que a capacidade de financiamento ideal para o MEE seria de 680 bilhões de euros. Daí a necessidade deste ampliar ainda mais o seu potencial, em um largo percurso ainda em combate a crise e a necessidade de financiamento dos Estados – a respeito, vide: KAPP. Op. Cit..

[19] Neste sentido assevera o Provedor de Justiça Europeu, Antonis Antoniadis:“A fully-fledged EU response toad dress the debt crisis has not unravelled yet. However, important emergency measures and policy initiatives have been taken and a clear sense of direction begins to emerge. Two main strands of action may be identified in this respect: first, the emergency measures taken to contain the crisis and, second, the policy initiatives to reform the Union economic governance and avert such crisis from happening again in the future. (...) The principal question is whether the EU is equipped with the necessary tools to address the challenges caused by an emergency of such timing, nature and intensity.”, em: ANTONIADIS, Antonis. Debt Crisis as a Global Emergency: The European Economic Constitution and other Greek Fables. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1699082.Acesso em: 09/03/2012.

[20]A este respeito vide: DEGRYSE, Christophe. The new European economic governance. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2202702. Acesso em: 11/03/2013, p.p. 50 a 76.

Em posicionamento idêntico, apresentando severas críticas à criação do MEE, com destaque para os problemas da perda democrática e de autonomia dos Estados, vide:RUIJTER, Rudo de. MEE: O novo ditador europeu. Disponível em: http://resistir.info/europa/novo_ditador_europeu.html. Acesso em: 09/03/2013; e LIMA, Luiz. Mecanismo Europeu de Estabilidade e a autonomia dos países. Disponível em: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/mecanismo-europeu-de-estabilidade-e-a-autonomia-dos-paises. Acesso em: 09/03/2012.

[21] No que concerne às discussões a respeito do futuro da União Européia, no contexto pós-euro, seus desafios (incluindo as questões acerca do financiamento estatal), vide a tese do Dr. Rui Henrique Ribeiro Rodrigues Alves: ALVES, Rui Henrique Ribeiro Rodrigues. O Futuro da União Européia: Organização Econômica e Política no Contexto dos Desafios Pós-Euro. Disponível em: http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/10799/2/Tese.pdf. Acesso em: 11/03/2012.      

Sobre o autor
Ícaro Ivvin de Almeida Costa Lima

Advogado militante; Doutorando em Ciências Jurídico-econômicas pela Universidade de Coimbra (Portugal); Mestre em Ciências Político-jurídicas com menção em Direito Internacional Público e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal); Pesquisador em Direito Internacional pelo "Programa Acadêmico da União Européia em Macau" na Universidade de Macau (Macau/China); Especialista em Direito do Estado pelo Instituto Jus Podivm/Faculdade Baiana de Direito. É também membro da Academia de Cultura da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Ícaro Ivvin Almeida Costa. Mecanismo europeu de estabilidade:: Relatório acerca do acórdão C-370/12 do TJUE. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4130, 22 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30359. Acesso em: 23 dez. 2024.

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