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O princípio da insignificância e os crimes contra o meio ambiente

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Agenda 25/01/2015 às 10:59

8  DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES CONTRA A FLORA

Nos itens supra, foi abordado, mesmo que de forma sumária, os conceitos de crime e os crimes contra o meio ambiente. De forma mais específica, foram destacados alguns crimes contra a flora. Destacou-se a materialidade dos referidos crimes, com destaque para a preservação de ecossistemas específicos (por exemplo, a Mata Atlântica).

A questão que se pretende responder é a seguinte: é possível a aplicação do princípio da bagatela (insignificância) nos crimes contra a flora, especialmente naqueles que visam proteger determinados ecossistemas, como a Mata Atlântica.

Vladimir e Gilberto Passos de Freitas assim se manifestam sobre a aplicação do princípio da bagatela nos crimes contra o meio ambiente:

Tratando especificamente da proteção ambiental, a primeira indagação que deve ser feita é se existe lesão que possa ser considerada insignificante. A resposta a tal pergunta deve ser positiva, mas com cautela. Não basta que a pouca valia esteja no juízo subjetivo do juiz. É preciso que fique demonstrada no caso concreto. É dizer, o magistrado, para rejeitar a denúncia ou absolver o acusado, deverá explicitar, no caso concreto, porque a infração não tem significado[20].

A doutrina acima citada parte da premissa que é possível a incidência do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente, desde que provada, no caso concreto, a inexistência de dano.

Quanto ao tema, cabe explorar o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 439-1/SP. No caso em comento, o Ministério Público de São Paulo denunciou o falecido deputado federal Clodovil Hernandes por crime ambiental (artigo 40 da Lei 9.605/98).

A denúncia afirmava que Clodovil Hernandes havia causado dano ambiental na Unidade de Conservação da Serra do Mar, ao desmatar (asfaltamento) de vegetação de capoeira em estágio inicial. A extensão do dano foi fixada em 652 metros.

Após manifestação do Procurador Geral da República, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu a aplicação do princípio da insignificância e absolveu o réu. Interessante notar que a manifestação do Procurador Geral da República foi pela aplicação do princípio da insignificância.

Os votos exarados no julgado destacam o reduzido impacto econômico para recuperação do meio ambiente (R$130,00 - aproximadamente), o que fundamentaria a aplicação do princípio da insignificância. O referido feito transitou em julgado.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar processo penal envolvendo o artigo 40 da Lei 9.605/98, também reconheceu a aplicação do princípio bagatela:

PENAL. DANO AO MEIO AMBIENTE (ART. 40 DA LEI N. 9.605/98). CONSTRUÇÃO DE CASA DE ADOBE. DELITO INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES. CONDUTA ANTERIOR À LEI INCRIMINADORA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. CRIME. INEXISTÊNCIA. DOLO DE DANO. AUSÊNCIA. MORADIA. DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL. ÁREA CONSTRUÍDA. 22 (VINTE E DOIS) METROS QUADRADOS. INSIGNIFICÂNCIA. PROCESSO PENAL. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA.

1. A construção de casa de adobe em área de preservação ambiental constitui dano direto instantâneo de efeitos permanentes. Precedentes.

2. Não há crime sem lei anterior que o defina (art. 1º do Código Penal.

3. Conduta anterior à vigência da Lei n. 9.605/1998.

4. A construção de casa para servir de moradia ao acusado e sua família não configura dolo de dano ao meio ambiente, pois traduz necessidade e direito fundamental ao chão e ao teto (art. 6º da Constituição Federal.

5. O direito penal não é a prima ratio; o dano causado ao meio ambiente decorrente da edificação de casa com 22 (vinte e dois) metros quadrados não ultrapassa os limites do crime de bagatela e pode ser resolvido por meio de instrumentos previstos em outros ramos do Direito Civil.

6. Ordem concedida para cassar o acórdão e restaurar a sentença absolutória[21].

É possível concluir que, atualmente, prevalece o entendimento de que o princípio da insignificância é aplicável aos crimes ambientais. Portanto, comprovado o dano ambiental insignificante ou nulo, não há que se falar em crime.

O entendimento atual não parece ser a melhor solução. A Constituição Federal (artigo 225) veicula o princípio implícito da precaução. Conforme item supra, o princípio da precaução incide para proteção do meio ambiente, quando inexiste certeza científica da existência de dano ao meio ambiente.

Portanto, em caso de dúvida quanto à potencialidade lesiva ao meio ambiente, devem ser adotadas todas as medidas necessárias para evitar potenciais danos ao meio ambiente.

No que tange aos crimes contra o meio ambiente (especialmente a flora), o princípio da bagatela (insignificância) somente pode incidir se não estiver em conflito com o princípio constitucional da precaução.

Somente seria possível a incidência do princípio da bagatela nos crimes ambientais quando existir certeza científica de que nenhum dano ambiental foi gerado, ou o referido dano é irrisório. Somente assim é possível conciliar o princípio da bagatela, com o princípio da precaução.

A lição doutrinária acima transcrita e os julgados dos Tribunais Superiores adotam essa premissa, ou seja, somente reconhecem a incidência do princípio da bagatela nos crimes ambientais quando existir certeza de que nenhum dano ambiental foi gerado.

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Ocorre que, especialmente no caso dos crimes contra a flora, não é possível existir certeza quanto à inexistência de dano ao meio ambiente. Assim, diante da inexistência de certeza e da necessidade de respeito ao Princípio da Precaução, é de rigor a impossibilidade de aplicação do princípio da bagatela.

Isso porque, ao tratar de crime ambiental, o valor monetário envolvido (custo para reparação do dano ambiental) é dado de menor importância. É preciso verificar, em termos científicos, se houve algum dano ao meio ambiente, por menor que possa ser.

Um exemplo é útil para ilustrar a questão em comento. É possível, em tese, aplicar o princípio da insignificância diante do desmatamento de pequena área de Mata Atlântica (como ocorreu na Ação Penal 439-1/SP – Supremo Tribunal Federal).

Porém, diante de casos concretos, é impossível a aplicação do princípio da insignificância, na medida em que é impossível certificar a inexistência de dano ambiental. É impossível afirmar, com certeza, que, apesar da pequena dimensão, não houve nenhum dano ambiental. É plenamente possível que espécies microscópicas sejam extintas, com relevante prejuízo a todo ecossistema.

A Instituição IN BIO VERITAS (http://www.inbioveritas.net/pt-br) foi criada exatamente com o objetivo de ampliar o conhecimento científico sobre a Mata Atlântica. O pesquisador Ricardo Britez, responsável pelo projeto, afirma, em entrevista disponível no site da Instituição: “A ideia surgiu do contato com outros pesquisadores, pois percebemos a lacuna de conhecimento sobre a Mata Atlântica e a necessidade de articular melhor as competências de cada um”.

É possível afirmar, com segurança, que não existe pleno conhecimento científico que permita analisar se a agressão à flora, apesar de envolver pequena extensão territorial, não gera qualquer dano.

Assim, diante da falta de certeza científica e em respeito ao princípio da precaução é de rigor o afastamento do princípio da insignificância nos crimes contra a flora.


9  CONCLUSÃO

O artigo 225 da Constituição Federal estabelece normas para proteção ao meio ambiente. Diante da importância do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, o constituinte original insere verdadeira ordem ao legislador ordinário, determinando a edição de normal penal para punir a violação ao meio ambiente.

Atualmente, a principal norma que estabelece sanções penais por violações ao meio ambiente é a Lei 9.605/98. Além do comando para a criação de normas penais voltadas à proteção ao meio ambiente, o texto magno veicula diversos Princípios para proteção ao meio ambiente.

Os princípios são fundamentais para interpretação e aplicação do direito. Funcionam como verdadeiros vetores das demais normas jurídicas, bem como fornecem balizas para atuação do legislador ordinário. Qualquer interpretação ou norma jurídica que viole um princípio, deve ser banida do ordenamento.

Apesar de inexistir hierarquia formal entre os princípios e as demais normas, é plenamente possível afirmar que os princípios ocupam, no aspecto axiológico, o mais elevado grau hierárquico.

Há dois princípios específicos do direito ambiental que mereceram destaque e definição mais detalhada. Trata-se do Princípio da Prevenção e  do Princípio da Precaução.

O princípio da prevenção tem por escopo a preservação do meio ambiente, pretendendo evitar a ocorrência de danos. O referido princípio incide em áreas nas quais a ciência possui domínio do fenômeno envolvido. Vale dizer, onde os fenômenos ambientais são plenamente conhecidos pelo homem.

Assim, diante de conhecida atividade de risco (risco conhecido) o princípio da prevenção impõe a adoção de medidas para que a atividade desenvolvida não gere danos.

O princípio da precaução opera diante da incerteza científica. Isto é, quando se trata de mecanismo ambiental não plenamente dominado pelo homem (mudança climática, por exemplo), todas as medidas devem ser adotadas para evitar a ocorrência de qualquer dano ao meio ambiente.

O direito penal, no aspecto formal, pode ser conceituado como o ramo do direito formado por normas legais (lei ordinária), que estabelece as condutas proibidas, bem como as respectivas penas.

No aspecto material, o direito penal é o conjunto de normas legais que pretende garantir os mais importantes valores para a sociedade e para o indivíduo. Nesse aspecto, a norma legal somente pode atingir condutas que, efetivamente, afetem os bens jurídicos tutelados.

Cabe ao legislador ordinário determinar quais valores devem ser tutelados e quais condutas devem ser punidas. Essa atividade encontra limite na Constituição Federal, mediante a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.

Crime é, no aspecto formal, a conduta descrita pelo legislador em lei ordinária, ao qual é cominada determinada pena. No aspecto material, crime é toda ação ou omissão humana (conduta) que lesa ou expõe a lesão (de forma abstrata ou concreta) bens jurídicos relevantes para a sociedade ou para o indivíduo.

O conceito analítico de crime estabelece os elementos do crime e possui duas principais classificações. O conceito bipartido e o conceito tripartido. Para o conceito bipartido, crime é fato típico e ilícito. Para o conceito tripartido, crime é fato típico, ilícito e culpável.

O fato típico veicula o núcleo material, ou seja, a conduta (ação ou omissão), que, se praticada, implica a imputação da pena cominada. Possui, nos crimes materiais, os seguintes elementos: (i) conduta, (ii) resultado naturalístico, (iii) relação de causalidade e (iv) tipicidade. Nos crimes formais e de mera conduta, os elementos são os seguintes: (i) conduta e (ii) tipicidade.

Há, no Brasil, diversas normas que estabelecem sanções penais por violações ao meio ambiente. Contudo, mereceu análise mais detida a Lei 9.605/98, especialmente os crimes contra a flora.

O destaque aos crimes contra a flora se justifica pela complexidade da incidência do princípio da bagatela nos crimes em questão. A Lei 9.605/98 estabelece os crimes contra a flora nos artigos 38 a 53.

A leitura dos referidos dispositivos legais demonstra que o objeto material comum a todos é a preservação da flora e dos ecossistemas específicos, como a Mata Atlântica e as Unidades de Conservação.

O princípio da insignificância é causa de exclusão da tipicidade material. Os requisitos objetivos para aplicação do princípio em tela são: a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica. Todos os requisitos possuem uma premissa comum, a ausência de violação (ou irrisória violação) ao bem jurídico.

Os tribunais superiores, para incidência do referido princípio, determinam, ainda, a observância de requisitos relativos ao agente (subjetivos), tais como a ausência de reincidência e inexistência de habitualidade criminosa.

Apesar de ser considerado como causa de exclusão da tipicidade, os tribunais superiores não admitem a aplicação do princípio da insignificância por qualquer autoridade administrativa (incluindo delegado de polícia). Portanto, somente o Judiciário pode determinar a aplicação do princípio da insignificância.

Conforme lição doutrinária e precedente do Supremo Tribunal Federal (Ação Penal 439-1/SP – transitada em julgado), é possível a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente.

O entendimento atual não parece ser a melhor solução. A Constituição Federal (artigo 225) veicula o princípio implícito da precaução. Portanto, em caso de dúvida quanto à potencialidade lesiva ao meio ambiente, devem ser adotadas todas as medidas necessárias para evitar potenciais danos ao meio ambiente.

Dessa forma, somente seria possível a incidência do princípio da bagatela nos crimes ambientais quando existir certeza de que nenhum dano ambiental foi gerado, ou que o referido dano é irrisório.

Ocorre que, especialmente no caso dos crimes contra a flora, não é possível existir certeza quanto à inexistência de dano ao meio ambiente. Assim, diante da inexistência de certeza e da necessidade de respeito ao Princípio da Precaução, é de rigor a impossibilidade de aplicação do princípio da bagatela.

Isso porque, ao tratar de crime ambiental, o valor monetário envolvido (custo para reparação do dano ambiental) é dado de menor importância. É preciso verificar, em termos científicos, se houve algum dano ao meio ambiente, por menor que possa ser.

Atualmente, especialmente no bioma mata atlântica, é impossível afirmar, com certeza, que, apesar de eventual pequena dimensão territorial, a inexistência de dano ambiental. É plenamente possível que, sem o conhecimento do homem, espécies microscópicas sejam extintas, com relevante prejuízo a todo ecossistema.

Assim, diante da falta de certeza científica e em respeito ao princípio da precaução, é de rigor o afastamento do princípio da insignificância nos crimes contra a flora.

Sobre o autor
Marcelo Carita Correra

Procurador Federal,<br>exerceu a advocacia privada em São Paulo/SP<br>Bacharel em Direito pela PUC-SP<br>Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRERA, Marcelo Carita. O princípio da insignificância e os crimes contra o meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4225, 25 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31352. Acesso em: 5 nov. 2024.

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