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O modelo de ponderação de Robert Alexy

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Agenda 30/08/2014 às 15:15

2. A PONDERAÇÃO COMO UM MODELO DE FUNDAMENTAÇÃO RACIONAL

Foi visto acima que, conforme a lei de colisão proposta por Alexy, sob circunstâncias determinadas, um princípio específico precede outro e suas consequências são aplicadas. No entanto, a lei de colisão, por si só, ao formular um enunciado de preferência, não garante racionalidade à ponderação. Com efeito, este seria um modelo de mera decisão, entregue exclusivamente a concepções subjetivas. A este modelo, Alexy pretende opor um modelo de fundamentação, que asseguraria sua segurança, ou seja, sua racionalidade.

O autor explica que ambos os modelos, de decisão e de fundamentação, levam à criação de um enunciado de preferência condicionado. A diferença é que o modelo puro de decisão não é racionalmente controlável, enquanto que o outro pode ser fundamentado racionalmente. Para Alexy, este é o caminho que possibilita a racionalidade de uma ponderação de princípios.[32]

Ana Paula de Barcellos organiza em dois vetores as críticas à racionalidade no âmbito das decisões jurídicas: a capacidade de demonstrar conexão com o sistema jurídico e a racionalidade propriamente dita da argumentação, especialmente quando existem várias hipóteses de conexão com o sistema jurídico. O primeiro dos vetores está fincado no Estado de Direito, que não admite que as decisões judiciais sejam proferidas de maneira arbitrária. O segundo, porém, é mais complicado, pois, além de exigir que as decisões sejam proferidas com base em argumentações racionais, espera que também sejam racionais aquelas decisões em que se vislumbram inúmeras possibilidades racionais e ligadas à ordem jurídica. A autora adiciona também a necessidade de justificação, isto é, a explicitação das razões pelas quais uma das decisões foi escolhida.[33]

São precisamente as dificuldades da racionalidade da ponderação que Alexy tenta solucionar desde sua Teoria dos Direitos Fundamentais. Ele não se baseia, todavia, na divisão racionalidade/justificação esquematizada por Ana Paula de Barcellos, ao contrário, o problema da justificação está inserido na racionalidade da decisão resultante de uma ponderação.

O propósito de racionalidade, aliás, relaciona a Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy a sua Teoria da Argumentação Jurídica, uma vez que esta busca fundamentar racionalmente as decisões jurídicas, principalmente, as valorações que são feitas[34]. Para tanto, o jurista desenvolve um conjunto de regras da argumentação aptas à racionalização das decisões jurídicas. A ponderação, como técnica específica, também deve seguir algumas regras que lhe conferem racionalidade.

A ponderação consiste, como foi dito, no processo de avaliação das possibilidades jurídicas, ou seja, as possibilidades que um princípio tem de ser realizado dependem diretamente das possibilidades de intervenção num princípio contraposto. Dessa constatação, feita a partir de decisões do Tribunal Constitucional da Alemanha, Alexy formulou uma lei que se aplica a todas as ponderações de princípios, a chamada “lei da ponderação”, que prescreve que quanto maior é o grau da não satisfação de um princípio, maior deve ser a importância da satisfação do outro.[35]

Alexy destaca que a ligação entre a ponderação e a teoria da argumentação jurídica, acima referida, é encontrada no momento em que a lei da ponderação indica o que deve ser fundamentado racionalmente, rebatendo a crítica de que essa lei seria uma “fórmula vazia”.[36]

2.1. A fórmula da ponderação como resposta à crítica de Jürgen Habermas

O modelo que une princípios a valores sofreu forte crítica de Jürgen Habermas, que acusa as propostas teóricas de Alexy – entre elas, a ponderação – de irracionalidade.

A carência de racionalidade na ponderação, para Habermas, é a consequência de uma construção problemática que tenta entrelaçar princípios a valores, especialmente a posição que é exposta pelo Tribunal Constitucional da Alemanha em suas decisões. O autor afirma que a constituição alemã, ao invés de ser interpretada como um sistema de regras estruturado através de princípios, é compreendida nos moldes de uma “ordem concreta de valores”[37].

Habermas defende que normas se distinguem de valores, porque estas obrigam indistintamente seus destinatários, enquanto aquelas são preferências compartilhadas intersubjetivamente, que podem ser realizadas através de uma conduta direcionada a um fim. As normas devem ser compreendidas como igualmente boas para todos, os valores, por outro lado, têm seu sentido adotado por certos âmbitos ou grupos. Além disso, ao passo em que normas não podem se contradizer, pois, para serem válidas, devem estar contidas num setor coerente (o sistema), os valores podem concorrer entre si e convivem com diversas tensões. O pensamento do autor sobre a distinção pode ser resumido no seguinte fragmento:

Normas e valores distinguem-se, em primeiro lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade; em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativa e, em quarto lugar, através dos critérios aos quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades lógicas, eles não podem ser aplicados da mesma maneira.[38]

Com o apoio dessa conceituação, Habermas sustenta que ao adaptar valores sob a forma de princípios jurídicos e assim realizá-los, o Tribunal Constitucional, estaria se transformando numa instância autoritária, pois, quando os princípios colidem, todas as razões podem ser utilizadas como argumentos e persecução de fins, o que leva ao enfraquecimento da compreensão deontológica de normas – entre elas, os princípios. Assim, a obrigatoriedade fica preterida em nome das possibilidades de otimização.[39]

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A crítica ao tribunal inevitavelmente atinge o processo de realização destes princípios/valores, a ponderação, cujo discurso Habermas entende ser “frouxo”[40]. Uma vez que a aplicação de princípios fica entregue a todos os tipos de argumentos, a ponderação seria um método que não admite controle racional, o que gera, inclusive, a crítica da transformação em um tribunal autoritário.

Alexy não ficou inerte à crítica formulada por Habermas. Para ele, a melhor resposta a ser adotada é aquela que demonstra que a ponderação pode ser empregada de forma racional. O ponto de partida de Alexy é defender que a lei da ponderação expressa os graus de afetação dos direitos que estão em discussão, através da exigência de que as razões que justificam uma intervenção devem ser tanto maior, quanto mais forte seja a intervenção[41]. Esta fundamentação da ponderação, para Alexy, é visualizada em três aspectos e serve para conduzir a sustentação da racionalidade da ponderação, que foi criticada por Habermas. Os três momentos são descritos por Alexy da seguinte forma:

La objeción de Habermas en contra la teoría de los principios estaría esencialmente justificada, si no fuera posible emitir juicios racionales, en primer lugar, sobre las intensidades de las intervenciones en los derechos fundamentales; en segundo lugar, sobre los grados de importancia de la satisfacción de los principios; y, en tercer lugar, sobre la relación que existe entre lo uno y lo otro.[42]

Com a finalidade de expor em detalhes a racionalidade da ponderação, Alexy empenhou-se na elaboração da “fórmula da ponderação”, também chamada de “fórmula peso”, cuja função é descrever a solução de colisões entre princípios. Tentaremos, de modo conciso, apresentar esta fórmula.

O primeiro passo a ser dado é definir o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio e, em seguida, a importância do cumprimento do outro. Este modelo é contemplado com a utilização de pelo menos dois graus, um leve e um grave. Alexy sugere, porém, a utilização de uma “escalação triádiaca”, que oferece os graus “leve”, “médio” e “grave”, aos quais nos reportaremos como grau “l”, “m” ou “g”, respectivamente. Tais graus são utilizados para descrever a intensidade da atuação do intérprete em um princípio, seja para expor a intervenção ou a importância de realização. Aqui, o termo “intervenção” serve tanto para os princípios que exigem uma ação positiva, quanto para os princípios que exigem  uma omissão. Isto é, um princípio que prescreve uma ação positiva sofre uma intervenção quando a ação não é cumprida integralmente, por outro lado, um princípio que exige uma omissão sofre uma intervenção quando a omissão não é completa, mas, parcial.[43]

Diante disso, pode-se chamar de “IPi” a intensidade da intervenção num princípio “Pi”. A intervenção é necessariamente avaliada de forma concreta e por isso é bom explicitar a concretude agregando a IPi as circunstâncias do caso concreto em que Pi tem preferência sobre outro princípio. Essas circunstâncias foram representadas, ao abordar a lei de colisão, por “C”. Assim, a intensidade da intervenção num princípio esclarece melhor seus três aspectos se representada por “IPiC".

Por concreta, a intervenção se distingue do peso abstrato que tem Pi, o qual será representado por “GPiA”[44]. O peso abstrato de um princípio é o peso que possui relativamente a outros princípios, independentemente de confrontos concretos. Desde já, é bom deixar claro que o peso abstrato não é a única responsável pela solução de um conflito concreto, afinal, caso isso fosse imaginado, o que foi dito até agora sobre o pensamento de Alexy entraria em contradição. Alexy entende que muitos princípios não têm pesos abstratos perceptivelmente diferentes, entretanto, alguns são visivelmente diferentes, como a superioridade do direito à vida em relação à liberdade de atuação, como a liberdade de profissão.[45]

Uma crítica pode ser formulada à visão dos pesos abstratos, pois é bastante complicada uma tentativa de organização destes pesos abstratos e, na maioria dos casos, jamais haverá consenso sobre superioridades abstratas. Apesar disso, como Alexy entende que os pesos abstratos dos princípios são iguais em grande parte das situações, pode-se descartá-los, porque tal igualdade não influencia a decisão final.

O passo seguinte é a avaliação da importância do cumprimento do outro princípio, “Pj”, que se constrói a partir da análise da intervenção em Pi. É que deve ser questionado quão prejudicial seria para Pj, se Pi não sofresse uma intervenção, ou, nas palavras de Alexy, “a importância concreta de Pj é calculada segundo isto: quão intensivamente a não-intervenção em Pi intervém em Pj”. Isto é, faz-se um exame com base numa suposição, que corresponde à “intensidade de uma intervenção hipotética por não intervenção”[46]. Alexy representa esta importância do cumprimento através da notação “IPjC”, cujos aspectos I e C são análogos aos da variável IPiC.

Assim, são estas duas variáveis que servirão como objeto da avaliação dos graus l, m ou g. O passo seguinte será correlacionar estas avaliações. Terá preferência aquele princípio cujo grau for mais forte, sabendo-se que g é maior que m, que, por sua vez, é maior que l.[47]

Esta análise pode também ser feita através de representação numérica, adotando valores, ao invés de l, m e g. Alexy sugere a utilização de 1, 2 e 4, com os quais é possível ilustrar o peso de Pi em relação a Pj, portanto, um peso concreto chamado de “Gi,j”. Este peso concreto Gi,j é o resultado da divisão dos valores que representam o a intensidade de intervenção IPiC e a intensidade do não cumprimento IPjC[48].  A montagem da fórmula é a seguinte:

IPiC

Gi,j  =  __________

IPjC

Nota-se que o peso concreto de Pi será maior quando o resultado da divisão for maior que 1, como ocorre, por exemplo, quando os pesos de IPiC e IPjC são 4 e 2 respectivamente. Por outro lado, o peso concreto de Pj será maior quando o resultado da divisão for menor que 1, o que ocorre, por exemplo, quando os pesos são 1 e 4.

Esta é a base de uma fórmula mais ampla que é designada como fórmula da ponderação ou fórmula peso, na qual se encontram, além das intensidades de intervenção, os pesos abstratos dos princípios colidentes e os graus de segurança das suposições empíricas sobre a realização e a não realização dos princípios.[49]

Como foi dito, quando os pesos abstratos são iguais, eles não devem ser considerados, porque sua igualdade não interfere na decisão final. O mesmo vale para as outras duas variáveis. A terceira variável – grau de segurança das suposições empíricas sobre a realização e a não realização dos princípios – corresponde à possibilidade de certeza referente às hipóteses teórico-empíricas proferidas pelo tribunal acerca da realização de cada princípio. Esta variável tem a função de esclarecer qual o grau de confiabilidade que possuem as suposições que o tribunal faz para determinar a intensidade de intervenção de um princípio quando entra em colisão com outro. Pode ser, por isso, representada por “SPiC” e “SPjC”. A ela também podem ser relacionados os valores numéricos 1, 2 e 4, correspondentes respectivamente ao grau “não-evidentemente falso”, “plausível” e “certo”[50].

Assim, as três variáveis de cada princípio devem ser multiplicadas e, em seguida, divididas pelo resultado da multiplicação das três variáveis do princípio oposto, como se compreende na fórmula abaixo:

IPiC . GPi A. SPiC

Gi,j  =  ________________________

IPjC . GPj A. SPjC

A mesma fórmula vale para os casos em que mais de dois princípios colidem, adicionando-se apenas as três variáveis referentes a cada princípio isolado.[51]

Esta resposta de Alexy à critica formulada por Habermas indica a construção de uma fórmula muito bem esquematizada, o que leva Cláudio Pereira de Souza Neto a afirmar que ela “tem o mérito inegável de chamar a atenção do aplicador do direito para aquilo que efetivamente deve ser considerado na atividade de ponderação”, pois, ao excluir a aplicação intuitiva, explicita as questões que abordou e fortalece a racionalidade da atividade da ponderação.[52]

A utilização de um artifício matemático certamente não é recebida pacificamente pela teoria do direito, mas é necessário esclarecer que Alexy utiliza a fórmula para ilustrar a estrutura da ponderação praticada no Tribunal Constitucional da Alemanha, ou seja, “um modelo para reconstrução racional do ‘balanceamento’ de princípios jurídicos em colisão”, como anota Luis Fernando Schuartz[53]. A esquematização serve à demonstração da racionalidade do processo.

Thomas Bustamante entende que a fórmula contempla a pretensão de Alexy de elaborar uma ponte entre a teoria da argumentação jurídica e a ponderação de princípios. Além disso, toda a ponderação fica entrelaçada, com suas etapas estreitamente ligadas, a fim de alcançar o resultado ótimo. Sobre a fórmula, o autor indica quatro aspectos louváveis:

Esta [a fórmula da ponderação] representa a justificação interna da argumentação jusfundamental, destacando-se porque: (1) revela quais são as principais variáveis que interferem no resultado das ponderações jurídicas (intensidade da restrição em Pi, grau de satisfação de Pj, peso abstrato de cada um dos princípios colidentes, segurança das premissas empíricas utilizadas na argumentação); (2) propões um modelo triádico de classificação e valoração das duas primeiras variáveis do processo de ponderação[...]; (3) propõe modelo semelhante para a valoração dos argumentos empíricos que têm lugar na argumentação jurídica [...]; e (4) procura representar formalmente as relações entre cada uma das dimensões da ponderação.[54] (grifos no original)

Apesar de reconhecermos que a fórmula estabelece uma proposta plausível de organização da ponderação, é preciso indagar se ela efetivamente é suficiente para garantir a racionalidade tão questionada.

2.2. A fórmula da ponderação assegura a racionalidade?

Não se pode negar o mérito da tentativa de Alexy de apresentar um caminho a ser trilhado pelos intérpretes que se deparam com um conflito de princípios.

A aproximação da matemática é o reflexo de uma teoria que foi construída com amparo do pensamento econômico, uma vez que utiliza o recurso de busca de soluções ótimas dentro do quadro de possibilidades fáticas e jurídicas. O equilíbrio encontrado pelo “ótimo de Pareto” indica que não se pode alterar o estado sem a geração de perdas, ao passo que os estados diferentes do ótimo podem ser incrementados com a percepção de benefícios e sem geração de perdas. Na opinião de Luis Fernando Schuartz, isso se deve à afinidade que Alexy supõe existir entre a racionalidade da aplicação de princípios e a racionalidade dos processos decisórios de agentes econômicos. Todavia, assinala o autor, o grande problema é a pressuposição de que existe um ótimo a ser perseguido nos juízos sobre a constitucionalidade de práticas que realizam princípios jurídicos. [55]

Luis Fernando Schuartz assinala que o raciocínio econômico que sustentava a teoria de Alexy foi superado pelas concepções atuais, ditas neoclássicas, pois os agentes econômicos no capitalismo nem conseguem maximizar as decisões, nem devem tentar fazê-lo. O reconhecimento da economia como um ambiente complexo e de elevada incerteza entende como racional aqueles comportamentos que adotam “rotinas estratégicas e padrões de comportamento relativamente estáveis”, que não se confundem com comportamentos conservadores. Assim, escreve o autor, “a univocidade da solução ótima cede passo à multiplicidade e heterogeneidade das soluções subótimas ou (...) ‘satisfatórias’”[56].

Então, essas modificações no pensamento econômico determinam uma nova interpretação da teoria de Alexy. A questão central atinge as soluções ótimas: Luis Fernando Schuartz defende que não é possível, caso se acredite em sua existência, conhecer as tais soluções. E mais: a busca de um resultado ótimo não pode funcionar como uma busca até o infinito, isto é, um ponto ideal que orienta os intérpretes. Mais correto é o reconhecimento de um convívio com as incertezas relacionadas à pluralidade de soluções não-hierarquizáveis, que devem ser assumidas como integrante da democracia.[57]

Uma vez que a ponderação representaria o meio adequado para alcançar as soluções ótimas, sua fórmula também é alcançada pelas críticas formuladas. Com efeito, a reconstrução teórica da prática adotada pelo tribunal, que é empreendida pela fórmula, tenta incrustar em seu objeto um caráter racional que ele não tem[58].

Pode-se dizer que o problema da racionalidade fica sem uma grande resposta de Alexy, porque ele entendeu que este seria resolvido dentro da estrutura da ponderação, ou seja, uma construção detalhada e coerente, que, aliás, ele conseguiu fazer, seria capaz de responder à critica de que o método é irracional. Entretanto, a dificuldade não se encontra na estrutura da fórmula desenvolvida, mas em como é possível acessar racionalmente no âmbito dos valores numéricos que são conferidos a cada uma das variáveis da fórmula. Em outras palavras, como justificar que a atribuição dos valores 1, 2 ou 4 é racional? Alexy não explica como a atribuição destes valores pode ser racionalmente justificada.

Luis Fernando Schuartz entende que o grande vazio que Alexy deixa na resposta à crítica de Habermas está em outro aspecto: a ponderação deixa margem para o crescimento perigoso de juízos irracionais, já que os argumentos funcionalistas podem prevalecer sobre os argumentos normativos[59]. É que Habermas entende que princípios possuem maior força de justificação do que valores, pois possuem obrigatoriedade geral, devido ao seu sentido deontológico, ao passo em que os valores, por causa do sentido axiológico, devem ser inseridos numa ordem transitiva de valores, caso a caso. Então, como não existem critérios racionais para esta inserção, a interpretação de princípios como valores – de modo transitório e conforme ordens de precedência – permite decisões arbitrárias. [60]

Para Habermas, a partir do momento em que um tribunal adota ordens flexíveis de valores, aumenta o risco de juízos irracionais. Assim, há uma diferença defendida pelo autor entre obrigatoriedade geral dos princípios e uma obrigatoriedade, sustentada por Alexy, que é relativizada em função de relações de preferência, as quais, contudo, coloca em risco o caráter deontológico em face de análises funcionais.

Como contraponto, Habermas sugere um modelo em que os princípios – sem esquecer que eles dão forma a direitos fundamentais – são levados a sério em seu sentido deontológico e “não caem sob uma análise dos custos e vantagens”[61]. Para tanto, o tribunal precisa demarcar, num determinado caso concreto, qual ação deve ser exigida num determinado conflito, ao invés de escolher algum valor. Habermas reconhece que “relações podem deslocar-se segundo as circunstâncias de cada caso”, mas o deslocamento é conduzido pelo dever de encontrar entre as normas aplicáveis prima facie aquela que se enquadra melhor à situação, tendo como limite a preservação da coerência do sistema[62]. O intérprete deve ser conduzido pelo sentido deontológico do princípio e não, pelo sentido teleológico daquilo que alcança seus desejos.

Assim, as críticas de Habermas parecem pertinentes, apesar de entendermos que não nulificam a teoria de Alexy. Sem dúvidas, a ponderação descrita por Alexy foi uma conquista que permite tentar atingir a maximização da realização de princípios, sem precisar recorrer à invalidação de um deles. A importância histórica deste método é indiscutível e ele foi o único encontrado pelo direito até o início deste século que se adaptou à concepção de que normas não são apenas regras. Contudo, a objeção de Habermas parece deixar claro o perigo que a ponderação pode acarretar. Ainda assim, sua proposta não nos parece ser uma alternativa completa, pois não aprofunda os meios que viabilizam a descoberta da norma “que se adapta melhor à situação de aplicação descrita de modo possivelmente exaustivo e sob todos os pontos de vista relevantes”[63]

Sobre o autor
André Canuto de F. Lima

Analista Judiciário lotado no Supremo Tribunal Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, André Canuto F.. O modelo de ponderação de Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4077, 30 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31437. Acesso em: 22 nov. 2024.

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