Com o recente julgamento pela 3ª Turma do STJ, em que se firmou a tese de que a mera demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou sua dissolução irregular não são suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica, esboçou-se uma manifestação doutrinária de levar essa orientação jurisprudencial para o âmbito tributário, a fim de livrar os bens dos sócios-gerentes da penhora nas execuções fiscais.
De fato, conferir tratamento harmônico entre as execuções civis e execuções fiscais seria o caminho mais fácil para os contribuintes se livrarem das execuções arbitrárias e ilegais consagradas pela jurisprudência.
Ocorre que a responsabilidade tributária difere da responsabilidade civil. Para se qualificar como contribuinte, sujeito natural da obrigação tributária, é irrelevante o fato de a pessoa física ser capaz ou incapaz. Praticado o fato tipificado na lei tributária material, surge ipso facto a obrigação tributária e consequentemente sua responsabilidade, independentemente de ser capaz ou incapaz.
Não se inserindo a matéria concernente à responsabilidade dentre os conceitos ou formas de direito privado para definir ou limitar competências tributárias, o conceito de responsabilidade previsto na lei civil não tem efeito vinculante dentro do direito tributário (art. 110 do CTN).
Dessa forma, os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários (art. 109 do CTN).
Por isso, o art. 34 do CTN regulou a responsabilidade solidária do sócio de forma diferente do que está disciplinado no Código Civil. Apesar de se referir a responsabilidade solidária, limitou essa responsabilidade do sócio apenas para a hipótese de dissolução da sociedade de pessoas e impossibilidade de exigência da obrigação tributária principal em relação ao contribuinte.
E no art. 135, que interessa de perto para o presente estudo, o CTN regulou a responsabilidade pessoal dos sócios “pelos créditos tributários correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social ou estatuto.” (art. 135, III do CTN).
O texto é de uma clareza lapidar: o sócio só é responsável pelo crédito tributário que tiver origem no ato que ele praticou com excesso de poderes, infração de lei, contrato ou estatuto. Pelo crédito tributário preexistente a esses atos, o sócio não responde. O Código estabeleceu uma hipótese de transferência de responsabilidade natural da pessoa jurídica para o sócio na hipótese de a irregularidade do ato por ele praticado resultar em obrigação tributária.
A jurisprudência do STJ desprezou o que está prescrito no caput, aplicando o disposto em seu inciso III, sem a menor preocupação quanto à investigação de como e quando surgiu a obrigação tributária que resultou na constituição do crédito tributário. Simplesmente criou a hipótese de dissolução irregular de sociedade que não está expressa nem implícita nesse art. 135, para incluir essa hipótese nos casos de responsabilidade pessoal do sócio gerente. O que é pior, sem qualquer vinculação do crédito tributário com o fato da dissolução irregular.
E para a perfeita aplicação dessa hipótese decorrente de criação pretoriana, editou a Súmula 435: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
Essa atividade legiferante do STJ retira do Colendo Tribunal o caráter de órgão imparcial para a solução da lide entre a Fazenda e o contribuinte. E mais, atenta contra o princípio da independência e harmonia dos Poderes que se insere no núcleo protegido por cláusulas pétreas.
Não se pode, a pretexto de harmonizar a aplicação da responsabilidade civil e a responsabilidade tributária, adotar o posicionamento de início referido da 3ª Turma do STJ, ainda que perseguindo o legítimo interesse de livrar os contribuintes de constantes redirecionamentos de execuções fiscais contra os sócios. Isso seria confundir a matéria concernente à desqualificação de personalidade jurídica por decisão judicial, nos casos previstos no art. 50 do Código Civil, com a matéria concernente à responsabilidade tributária pessoal do sócio prevista no art. 135, III, do CTN. A confusão dessas duas áreas distintas acabaria por trazer mais malefícios em termos de clareza dos institutos de direito civil e de direito tributário do que eventual benefício imediato de se livrar de uma execução indevida.
O certo é lutar pelo restabelecimento e supremacia da lei sobre os julgados. O juiz não pode, a pretexto de interpretar a lei, inovar a ordem legal. O Judiciário só pode agir como legislador negativo, jamais como legislador positivo, ainda que com fins nobres de suprir eventuais deficiências do legislador. Quando isso é feito por um órgão não vocacionado a legislar, normalmente, aperfeiçoa-se uma legislação imperfeita, mas se criam inúmeras outras situações conflituosas, que surgem como efeitos colaterais imprevistos pelo julgador, que não tem órgãos de assessoramento legislativo a seu dispor.