5. A participação popular como forma de controle social do parassistema
Agustin Gordillo, em sua obra Tratado de Derecho Administrativo, registra de forma singular a participação popular, colocando-a como um meio essencial para extinguir o denominado “parassistema”, que surge paralelamente ao sistema oficial e regular e, na precisa definição do autor, são organizações paralelas, informais, às vezes clandestinas e ilegais, que cumprem funções sociais, econômicas, administrativas, jurídicas e políticas que as organizações formais não realizam.
O autor leciona que, dentre as principais causas contributivas para que a sociedade atribua maior importância ao parassistema em detrimento do sistema formal, está a falta de participação e liberdade política, bem como o insuficiente controle social exercido sobre a Administração Pública. Tais questões diminuem as críticas que os cidadãos podem formular sobre as normas absurdas, inválidas ou ilegítimas.
Assim, embora a norma sistemática subsista na forma, na prática cede seu lugar para a norma parassistemática. Contexto no qual, uma vez admitida a aparição e a necessidade do parassistema, já não mais será possível controlá-lo e mantê-lo dentro dos limites toleráveis, ameaçando todo o sistema formal. Para mudar essa situação, Gordillo acredita que não é necessário tornar o sistema mais rígido, mas sim retirar dele o que for excessivo e sem valor.
Além de mencionar os meios semidiretos de participação popular previstos constitucionalmente e afirmar que tais instrumentos não podem substituir a democracia representativa, mas sim integrá-la e complementá-la, Gordillo apresenta exemplos participativos que podem representar ferramentas importantes de participação na gestão pública, tais como, participação dos usuários nas empresas de serviços públicos, as audiências públicas prévias a emissão de normas gerais e televisão e educação.
Por fim, Gordillo afirma que somente por meio da participação popular e do controle social da administração pública será possível extinguir o sistema paralelo, uma vez que será legitimado por normas elaboradas por meio da discussão e dos debates públicos que corresponderão ao pensamento da sociedade, refletindo suas aspirações, obtendo então adesão, consenso e, consequentemente, cumprimento pela comunidade.
6. A educação para cidadania participativa
Tendo em vista os traços culturais elitistas da sociedade brasileira, a única alternativa viável para mudança necessária é a educação para a cidadania, que representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação em potenciais fatores de dinamização da sociedade e de ampliação participativa.
Assim, para que a participação popular seja exercitada de forma ativa, provocando as mudanças necessárias no Estado Brasileiro, torna imperiosa a ruptura da cultura política dominante, com a criação de uma nova proposta de sociabilidade baseada na educação para a participação.
Segundo Jacobi, esta se concretizara principalmente pela presença crescente de uma pluralidade de atores que, através da ativação do seu potencial de participação, terão cada vez mais condições de intervir consistentemente nos processos decisórios de interesse público, legitimando e consolidando propostas de gestão baseadas na garantia do acesso à informação e na consolidação de canais abertos para a participação (JACOBI,1996).
7. Considerações Finais
Nas breves considerações apresentadas, dentre outras questões, verificamos aspectos quanto à conceituação da participação popular, seus principais mecanismos, bases constitucionais e normativas, bem como sua importância na legitimação e concretização do verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, observamos que embora o processo democrático ofereça condições para que os cidadãos promovam a participação popular, as ações participativas ainda são incipientes, uma vez que não existe iniciativa da sociedade, quer seja por questões culturais, desconhecimento ou por falta de incentivo dos legisladores e governantes.
A participação não pode ser apenas formal, pela mera concordância ou discordância com os atos do Estado, mas sim concretos, com atitudes e ações efetivas que reflitam mudanças comportamentais nos legisladores, nos governantes e na própria sociedade.
Assim, para que a administração participativa se concretize é necessário possibilitar que a tomada de decisões seja feita conjuntamente, com iguais oportunidades para todos os cidadãos, o que consequentemente ocasionará a um significativo comprometimento social.
Dessa forma, podemos concluir que a verdadeira consolidação do Estado somente se configura com uma participação popular concreta e efetiva, que, por sua vez, somente ocorrerá através de um processo educacional voltado para cidadania participativa.
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