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Direito constitucional à dignidade e à cidadania e as violações aos direitos das presas gestantes

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Agenda 22/10/2014 às 13:33

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO, A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO E AS DETENTAS PARTURIENTES ALGEMADAS

Tendo em vista que o Ministério Público, que é um órgão independente e autônomo, age na defesa da sociedade, ordem jurídica e fiscaliza o cumprimento das leis, é clara a sua atuação com a garantia das funções essenciais do Poder Judiciário e do acesso à justiça. Cabe ao órgão ministerial a tutela (dos interesses individuais e coletivos) do patrimônio nacional, do patrimônio público, do patrimônio cultural, do meio ambiente, dos direitos e interesses da coletividade, das comunidades indígenas, a família, a criança, o adolescente e o idoso. As teses defendidas pela Instituição devem ter respaldo constitucional. Sidnei Agostinho Beneti apresenta um panorama sobre as normas constitucionais, as normas penais e processuais penais:

“A Constituição Federal de 1988 contém algumas proclamações penais e processuais penais que se transformaram em garantias importantes na execução penal, quais sejam a individualização da pena (art. 5º, XLVI), a proibição de penas desumanas (art. 5º, XLVII), a distinção de estabelecimentos penais de acordo com a natureza dos delitos, idade e o sexo do condenado (art. 5º, LVIII), a garantia de integridade física e moral dos presos (art. 5º, LIX), as garantias especiais para a mãe lactante presa (art. 5º. L), a do contraditório (art. 5º, LV), a proibição de provas ilícitas (art. 5º, LVI), a comunicação da prisão (art. 5º, LXII), os direitos do preso a calar-se e de ter assistência da família e de advogado (art. 5º, LXIII)”. (BENETI, 1996.p.34).

Diante desta situação concreta de violação aos direitos das grávidas que cumprem pena privativa de liberdade, é imprescindível o destaque da atuação do Ministério Público de São Paulo:

MP-SP move ação contra o Estado por manter presas algemadas[4] durante o parto: O Ministério Público ajuizou ação civil pública pela qual busca a condenação do Governo do Estado por danos morais causados às detentas grávidas que foram mantidas algemadas durante o parto e logo depois do nascimento de seus filhos em hospitais públicos da capital. A ação foi proposta pelo Promotor Alexandre Marcos Pereira, designado para a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, Área de Inclusão Social, após comprovada denúncia publicada pela imprensa, baseada no documentário “Mães do Cárcere”, produzido por advogados da Pastoral Carcerária, mostrando que em dois hospitais públicos da zona norte da Capital as detentas, especialmente as reclusas da Penitenciária Feminina de Santana e do Centro Hospitalar Penitenciário, estavam sendo submetidas ao parto algemadas à cama hospitalar cirúrgica. Em depoimento, várias detentas confirmaram a prática. “A opinião comum em todos os relatos obtidos foi a de que as mulheres passaram por grande humilhação e sofreram diversas violações a direitos, principalmente no que tange ao princípio da dignidade da pessoa humana”, fundamenta o promotor na ação. “É inconcebível acreditar que a condição de vulnerabilidade em que se encontra a mulher durante o parto e em seu período subsequente permita qualquer reação de fuga que venha justificar a utilização de algemas”, complementa. Para o Promotor, está caracterizada grave ofensa aos direitos humanos, à dignidade da pessoa humana, a direitos fundamentais garantidos pela Constituição e à Lei de Execução Penal. O Ministério Público pede a condenação do Estado a indenizar “os danos morais suportados por todas as vítimas da utilização de algemas durante o parto e período subsequente, resultantes dos excessos praticados por agentes penitenciários, sem prejuízo de eventual responsabilização pessoal do agente público autor da agressão nas esferas penal, cível e administrativa”. Informativo Infância n. 22 - Julho 2012 - Ministério Público do Estado de São Paulo.

Disponível em:< http://pepsic.bvsalud.org/pdf/aletheia/n26/n26a16.pdf‎>. Acesso em 15 de outubro de 2013.

Ao lado da atuação do Ministério Público, destaca-se também a Defensoria Pública, instituição igualmente fundamental para o acesso à justiça, com destaque para a proteção dos vulneráveis. A Defensoria Pública, que assegura os meios adequados para a proteção dos direitos coletivos e individuais, também se manifestou contra a uso de algemas no parto das gestantes em cumprimento de pena privativa de liberdade:

A Defensoria Pública de SP ajuizou uma ação de indenização por danos morais em favor de uma ex-detenta, por ter sido algemada enquanto dava à luz, no Hospital Estadual de Caieiras, região metropolitana da Capital. Suélem (nome fictício), à época gestante, cumpria pena no Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha quando, em setembro de 2011, sentiu contrações e foi levada algemada para o Hospital Estadual de Caieiras. Ela foi internada em trabalho de parto com seus pés e mãos algemados – nenhum funcionário do Hospital ou agente carcerário se manifestou a respeito no momento. O procedimento adotado contraria o Decreto Estadual nº 57.783 – publicado posteriormente aos fatos, em fevereiro de 2012 – que veda o uso de algemas em parturientes. Segundo a norma do governo estadual, é “vedado, sob pena de responsabilidade, o uso de algemas durante o trabalho de parto da presa e no subsequente período de sua internação em estabelecimento de saúde”. A ação, proposta pelo Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria, pede que a Fazenda do Estado seja condenada a indenizar a vítima em R$ 50 mil. Argumenta-se, entre outros pontos, que o procedimento fere a vedação constitucional ao tratamento cruel e degradante, bem como as Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Mulheres Presas, que em seu art. 24 aponta: “instrumentos de coerção jamais deverão ser usados contra mulheres prestes a dar a luz, durante trabalho de parto, nem no período imediatamente posterior.” Os familiares da ex-detenta apontaram que não foram comunicados pelo Centro de Detenção Provisória, nem pelo Hospital, que Suélem havia dado à luz. A família somente foi informada uma semana após o parto, quando a mãe de Suélem foi visitar a filha na unidade prisional. Instado pela Defensoria Pública, o Juiz Corregedor dos Presídios da Vara de Execução Criminal de Franco da Rocha, onde Suélem cumpria pena, instaurou um procedimento para apurar informações. Concluiu-se que ela deu à luz algemada, mas não foram identificados os funcionários responsáveis.

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Os Defensores Públicos Bruno Shimizu e Patrick Cacicedo, responsáveis pelo caso, apontam que a falta de identificação desses funcionários não exime a responsabilidade do poder público pelo episódio. “Ainda que o processo em questão não tenha logrado êxito em apontar os eventuais responsáveis pelo caso, restou documentalmente comprovado que a sentenciada foi submetida ao trabalho de parto algemada nos pés e nas mãos”, dizem. “A gestante estava sob custódia do Estado e, além disso, o Hospital onde foi realizado o parto também é público”, complementam. Defensoria Pública de SP ajuíza ação de indenização em favor de ex-detenta, algemada durante trabalho de parto. 02 de setembro de 2013. Disponível em: http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Conteudos/Noticias/NoticiaMostra.aspx?idItem=48055&idPagina=3086. Acesso em 01 de maio de 2014.

Há, nesta situação concreta, claro sopesamento entre dois direitos fundamentais: a proteção da sociedade versus a garantia da dignidade humana da parturiente que está cumprindo a pena privativa de liberdade[5]. Trata-se de um grande conflito que envolve, em uma das extremidades, a proteção da coletividade e, na outra extremidade, a dignidade da mulher presa. Entretanto, no estado de vulnerabilidade em que se encontra a mulher em trabalho de parto, não parece razoável a manutenção das algemas nesta situação. A atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública representa, desta maneira, grande avanço para que esta vertente da dignidade humana seja garantida e preservada.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As normas que compõem o ordenamento jurídico brasileiro devem seguir as diretrizes apresentadas na Constituição Federal Brasileira de 1988 (a Lei Maior Brasileira), que elenca, como um de seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana. Dentre os direitos constitucionalmente previstos, está o direito à saúde. Trata-se de dever do Estado e direito de todos. O conceito de saúde é amplo e não significa apenas a ausência da doença. A saúde é garantida também com o bem-estar da pessoa em todas as fases de sua vida. São diversas as questões que permeiam este direito, dentre as quais a proteção das parturientes. A legislação brasileira garante uma série de direitos às gestantes que, por vezes, não são respeitados, configurando a violência obstetrícia.

É fundamental a análise sobre a situação das mulheres grávidas que cumprem pena em regime privativo de liberdade, cujo sofrimento, a depender do tratamento a elas dado, é ainda maior.

A atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública, ambos do Estado de São Paulo, foi essencial para a garantia da dignidade das parturientes, bem como para que outras mulheres que se encontrem nesta situação não passem por esta extrema dor – o trabalho de parto algemadas.

O assunto deve ser intensamente debatido para que cada vez mais estes abusos sejam sufocados para que, desta forma, esta vertente da cidadania seja respeitada e exercida.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] O Direito Constitucional encontra-se profundamente relacionado com o Direito Administrativo (segundo o art. 37, caput, da CF/88: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”).

Ambos são ramos do Direito Público, em que os funcionários devem seguir a estrita legalidade, tendo em vista que lidam diretamente com o interesse público e a garantia do bem-comum da população (importante observar que as disciplinas pertencentes ao Direito Privado apresentam maior liberdade de atuação enquanto o Direito Público encontra-se plenamente vinculado às normas previstas). Hely Lopes Meirelles apresenta a seguinte definição para o Direito Administrativo: “Conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”. (MEIRELLES, 1996.p.29).

[2] Roberto Lyra esclarece: “O Direito Penal é o rosto do Direito, no qual se manifesta toda a individualidade de um povo, seu pensar e seu sentir, seu coração e suas paixões, sua cultura e sua rudeza. Nele se espelha a sua alma. O Direito Penal dos povos é um pedaço da história da humanidade”. (LYRA, 1977.p.37).

[3] Neste sentido, os arts. 345 e 346 do Código Penal: “Exercício arbitrário das próprias razões: Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:  Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.   Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa. Art. 346 - Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa”.

[4] Insta salientar que, no ordenamento jurídico brasileiro, o uso de algemas deve ser exceção e não regra. Neste sentido, a Súmula Vinculante nº. 11:

Uso de Algemas - Restrições - Responsabilidades do Agente e do Estado - Nulidades

   Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

[5] Robert Alexy apresenta as seguintes considerações: “As indagações sobre quais direitos o indivíduo possui enquanto ser humano e enquanto cidadão de uma comunidade, quais princípios vinculam a legislação estatal e o que a realização da dignidade humana, da liberdade e da igualdade exige expressam grandes temas da filosofia prática e pontos centrais de lutas políticas, passadas e presentes”.

(ALEXY, 2008.p. 25).  

Sobre a autora
Maria Fernanda Soares Macedo

Advogada. Professora Convidada no Curso de Especialização em Direito e Processo Penal, na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora tutora no Complexo Jurídico Damásio de Jesus, para os cursos de 2ª fase do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, na área de Direito Penal. Professora orientadora dos cursos de pós graduação em Direito Constitucional e Direito e Processo Penal, no Complexo Jurídico Damásio de Jesus (orientações on-line). Trabalha com o ensino à distância, elaborando aulas para o ambiente virtual de aprendizagem dos cursos de MBA das Faculdades Metropolitanas Unidas, com ênfase nos seguintes temas: Sistema Financeiro Nacional, Direito Penal Imobiliário, Mercado de Capitais e Planejamento Tributário. É Professora da Disciplina de Metodologia e Didática para os cursos de Pós graduação das Faculdades Metropolitanas Unidas. Possui graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie , em 2008. Mestre em Direito Político e Econômico, na Universidade Presbiteriana Mackenzie(dissertação aprovada com distinção). Especialista em Direito Empresarial (2010), pela mesma Universidade. Foi bolsista CAPES, no programa de Mestrado em Direito Político e Econômico, bem como estagiaria-docente nas disciplinas de Estado De Direito Democrático e Crime Organizado; Sistemas Jurídicos Contemporâneos; Direito Penal e Direito Processual Penal, na Universidade. Realiza pesquisas nos grupos "Políticas Públicas como instrumento de efetivação da Cidadania" e "Novos Direitos e proteção da cidadania: evolução normativa, doutrinária e jurisprudencial", que são vinculados ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie. Foi advogada-chefe de sala na aplicação dos Exames da Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo, em 2010 e 2011 (CESPE/UNB e FGV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Maria Fernanda Soares. Direito constitucional à dignidade e à cidadania e as violações aos direitos das presas gestantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4130, 22 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33040. Acesso em: 22 dez. 2024.

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