A possibilidade de o apenado trabalhar durante o cumprimento de pena no regime semiaberto despertou a atenção novamente durante a execução das penas dos envolvidos no processo da Ação Penal 470, conhecida popularmente como Caso Mensalão, pois alguns dos condenados tiverem esse pedido negado em decisão monocrática pelo Relator do caso e Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, decisão essa que foi reformada quando da análise do feito pelo pleno.
O pedido da defesa consistia na possibilidade do exercício, durante o dia, atividade laboral fora do estabelecimento onde eram cumpridas as penas, com retorno ao final do expediente. A negativa foi fundamentada basicamente na necessidade de cumprimento de 1/6 da pena, na dificuldade da fiscalização do Estado em razão da espécie do trabalho pretenso e também em razão do recluso já estar exercendo atividades dentro do Presídio da Papuda.
A jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça[1] é pacífica em desconsiderar o lapso temporal de 1/6 da pena determinada na condenação para conceder a permissão do recluso exercer atividade profissional fora do local onde cumpre a pena.
Esclarece-se ser a condenação uma constatação, com o devido transito em julgado e nada mais podemos falar com relação a pena imposta e ao regime inicial de cumprimento, ou seja, não existe mais qualquer questionamentos com relação à condenação. Importante ressaltar que a individualização da pena, corolário do art. 5º, XLVI e XLVII, da Constituição Federal, além do art. 59 do Código Penal, foi observada na fixação da pena perante o pleno do Supremo Tribunal Federal, estipulando o quantum conforme as condições estipuladas, possibilitando uma adequação entre a conduta delitiva e sua punição.
A partir desse ponto, com todas as informações em mãos, o juiz da vara de execuções da comarca onde será cumprida a pena passará a ser o responsável por toda fase de execução, sendo ele o responsável por definir a personalidade do condenado e designando-o ao estabelecimento correto dentre os existentes, além de analisar todos os pedidos relacionados ao regular andamento e do cumprimento correto da pena.
Passando agora a uma análise da possibilidade de trabalho no regime semiaberto, temos o mandamento do § 1º do art. 35 do Código Penal[2], que determina estar o “condenado sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.” Na mesma esteira, o § 2º do mesmo artigo indica que o “trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior”.
Em outra frente, a Lei de Execuções Penais, no art. 36[3], traz a possibilidade do trabalho externo somente para presos no regime fechado, especificando explicitamente que “será admissível para os presos em regime fechado somente em serviços ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina”.
Tratando de sua concessão, conforme os ditames do art. 37, da LEP[4], a “prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena”.
Analisando os dispositivos acima elencados, o Código Penal permite o trabalho comum em colônias, no regime semiaberto, em razão do local onde a lei estabelece que seja cumprida a pena nesse regime, além da possibilidade de trabalho externo, sem estipulação do cumprimento de qualquer parte da pena. De outra parte, a Lei de Execuções Penais faz menção expressa ao trabalho externo somente para o regime fechado, inclusive trazendo condições objetivas, temporais e autorização da direção.
Notamos não existir nenhum regramento legal exigindo lapso temporal qualquer para que o condenado no regime intermediário possa fazer jus ao seu direito de exercer atividade laboral fora da clausura, de forma que se mostra desproporcional a autorização ser condicionada a essa regra, explicitamente prevista para os apenados no fechado.
Em uma análise paralela, nos crimes comuns (como no Mensalão), a progressão de regime para um menos rigoroso poderá ser concedida após o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena e também a comprovação de bom comportamento carcerário por parte recluso, conforme o art. 112 da LEP[5]. Fica ainda mais contraditória essa exigência, pois após tal interregno, ou invés do requerimento de autorização para trabalho fora da custódia, pleiteará a progressão ao regime aberto, cumprindo o restante da pena em casa do albergado, com liberdade plena e sem vigilância durante o dia, podendo o juiz determinar algumas restrições, devendo retornar somente para o repouso noturno. Nos estados que não possuem casa do albergado, como o estado de SP, o regime aberto acabou se tornando liberdade plena, sem recolhimento noturno e fiscalização.
Por essas razões, podemos entender os motivos e destacar o acerto da jurisprudência pacífica e reiterada do Superior Tribunal de Justiça em admitir o exercício do trabalho externo mesmo sem a decorrência de um tempo mínimo no regime semiaberto, ficando ainda mais claro que a decisão do Ministro Joaquim Barbosa extrapolou a razoabilidade e em nada contribui para a ressocialização, independente do caso em concreto analisado, uma vez que poderá acarretar na revogação de milhares de autorizações para trabalho externo e proibição de mais milhares que ainda virão, inchando ainda mais nossos presídios, nitidamente uma regressão na tendência mundial de mais trabalho aos presos e menos prisão. De grande importância também, podemos destacar o desempenho de uma atividade profissional na recuperação do condenado e sua reinserção na sociedade, minimizando os males inerentes ao sistema carcerário e transformando esse tempo em algo útil e benéfico, que futuramente possa impedir uma reincidência no crime, resultado esse pretendido pelo direito e desejado pela sociedade, pois um dia esse indivíduo irá deixar o cárcere, apesar de muitos não desejarem.
BIBLIOGRAFIA
Brito, Alexis Couto de. Execução Penal - 3 ed. rev. atual. – São Paulo: Editora RT, 2013.
Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal – 5 ed. rev., atual. ampl. – São Paulo: Editora RT, 2008.
Nunes, Adeildo. Execução da Pena e da Medida de Segurança – 1 ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
Mirabete, Julio Fabbrini. Execução Penal – 11 ed. – São Paulo: Atlas, 2004.
Notas
[1] HC 118678 RS – 2008 / HC 98849 SC – 2008 / HC 92320 RS – 2007 / HC 78557 RS – 2006
[2] Art. 35 - Aplica-se a norma do art. 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto.
§ 1º - O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
§ 2º - O trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.
[3] Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.
§ 1º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra.
§ 2º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.
§ 3º A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso.
[4] Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.
Parágrafo único. Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo.
[5] Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.