INTRODUÇÃO
O constituinte originário elevou à tutela constitucional, insculpindo em seu artigo 98, a instituição de um rito sumaríssimo por meio dos juizados especiais – cíveis e criminais, para as causas de pequena complexidade e os crimes de pequeno potencial ofensivo. Esclareceu, ainda, que tal desiderato poderia ser conduzido por juízes leigos e togados, buscando-se sempre a celeridade e a pacificação social.
Nesse sentido o legislador ordinário fez publicar a Lei Federal nº 9.099/1995, conhecida como Lei dos Juizados Especiais, mitigando-se alguns institutos penais e instituindo outros instrumentos despenalizadores, tais como a composição civil dos danos, a transação penal e a suspensão condicional do processo.
Na mesma toada, no artigo 69 da Lei, se disse que, àquele que se comprometer a comparecer ao Juizado Especial não se lavrará Auto de Prisão em Flagrante Delito, mas sim a autoridade policial lavrará termo circunstanciado de ocorrência.
Assim, o presente artigo aborda o imbróglio criado na interpretação do que seria o conceito de autoridade policial, e ainda, a legalidade e a legitimidade para confecção do termo circunstanciado de ocorrência e também, a instituição de um ciclo completo de polícia mitigado, tendo-se por base o instrumento do termo circunstanciado de ocorrência confeccionado pela Polícia Militar.
Nesse sentido, a dúvida que existe a longa data, e que se pode verificar desde a edição da Lei Federal nº 5.970/1973, e agora os delegados de policia passaram a entender que somente eles seriam autoridade policial, baseando-se, inicialmente, no Código de Processo Penal, na parte afeta ao inquérito policial, e ainda nos fundamentos da Lei Federal nº 12.830/2012, conhecida como Lei dos Delegados de Polícia.
Entende-se que essa interpretação apresenta-se como minimalista e restritiva, sem adentrarmos no viés da questão classista, e que, o entendimento do que seja autoridade policial, que o legislador quis trazer no texto legal é o do policial que atende a ocorrência, seja ele um policial militar, civil, rodoviário federal ou até mesmo um guarda municipal, já que o espírito da Lei foi dar celeridade aos procedimentos, pois assim já o pretendia desde a Lei Federal nº 5.970/1973, que autoriza, quando ocorrerem sinistros de transito em via pública, que a autoridade policial e o agente de transito poderão, mesmo existindo vítimas, retirar os veículos da via para dar maior fluidez e segurança ao transito, não caracterizando, assim, a violação do local de crime, a lei então falava em autoridade policial e mesmo com questionamentos, sempre se entendeu que esta autoridade policial seria o policial militar ou o delegado de polícia.
Dessa maneira, demonstra-se que a confecção do termo circunstanciado de ocorrência por policial militar goza de todos os atributos do ato administrativo, particularmente, o da veracidade e o da legitimidade, não existindo qualquer vício legal ou usurpação de função, pois no TCO não existe ou se busca fazer qualquer tipo investigação policial e ainda, por ser atribuição privativa do órgão do Ministério Público, insculpida na Constituição da República, a propositura da ação penal pública, não ficando o parquet vinculado a nenhuma outra tipificação feita em outros procedimentos preliminares – relatório de comissão parlamentar de inquérito, termo circunstanciado de ocorrência, inquérito policial ou inquérito policial militar, ou qualquer outro procedimento, pois havendo indícios de autoria e a materialidade delitiva já existem os fundamentos legais para a apresentação da denúncia no juízo competente, independentemente de investigação prévia, ficando o órgão de execução do Ministério Público adstrito apenas, a sua convicção e consciência lastreadas na Constituição Federal, não sendo diferente o entendimento dos julgados do Excelso Supremo Tribunal Federal.
Fundamentos constitucionais e infraconstitucionais da Criação dos Juizados Especiais Criminais.
A Constituição de 1988, inicialmente, estabeleceu os Juizados Especiais Criminais como órgão da Justiça dos Estados e do Distrito Federal em seu art. 98, entretanto suscitado um conflito de interesses se fez necessária uma mudança legal, que foi produzida por meio da Emenda Constitucional nº 22/1998, onde foi introduzido um parágrafo único, atualmente, § 1º ao referido artigo, o que possibilitou a criação dos Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal, que foi instituído por meio da Lei Federal nº 10.259/2001, já os Juizados Especiais Criminais dos Estados e Distrito Federal continuou regidos por meio da Lei Federal nº 9.099/1995.
Os Juizados Especiais Criminais (JECRIM) são orientados pelos critérios da oralidade, informalidade, simplicidade, economia processual e da celeridade, conforme previsto no artigo 62 da Lei Federal nº 9.099/1995.
Assim, a Lei nº 9.099/1995 trouxe grandes alterações no cotidiano brasileiro, particularmente, no cotidiano policial, pois definiu e conceituou as infrações penais de menor potencial ofensivo como sendo aquelas que envolvam todas as contravenções penais, independentemente de rito especial, e os crimes cuja pena máxima não seja superior a dois anos, cumulada ou não com a pena de multa.
A Lei, também, inseriu algumas medidas despenalizadoras, tais como a transação penal, a composição civil dos danos e a suspensão condicional do processo, mitigando-se, inclusive, a indisponibilidade da ação penal pública pelo Ministério Público, mas o primordial para o nosso estudo e para a atuação policial militar foi a previsão do Termo Circunstanciado de Ocorrência, o qual a doutrina e a jurisprudência tratam como um boletim simplificado ou relatório simplificado dos fatos, tendo como escopo a maior celeridade na persecução judicial, haja vista que não se realiza investigação policial no TCO, mas apenas relato dos fatos e qualificação dos envolvidos (autor e ofendido), além das testemunhas, bem como outras provas pertinentes, o que, se demandar uma investigação policial perde todo o sentido de celeridade, conforme, inclusive prevê o artigo 77 da Lei nº 9.099/1995.
Autoridade policial. Conceito. Divergências. Incongruências.
Inicialmente é pertinente relatar que o constituinte originário optou por um sistema de segurança pública bipartido, assim temos uma polícia judiciária, que é representada nos Estados pelas Polícias Civis e na União pela Polícia Federal, como também temos uma polícia ostensiva e preventiva representada pela Polícia Militar.
No Brasil, optou-se, como em alguns Estados da América Latina, na divisão por tarefas da Polícia, já que uma de suas funções é a prevenção, com base na manutenção da ordem e segurança pública e a repressão como auxiliar do Ministério Público ou do Pode Judiciário competente para a persecução penal.
Dessa maneira, a Polícia Militar realiza o policiamento ostensivo, nas modalidades preventiva e repressiva, no escopo de prevenir a ocorrência de crimes e na captura dos infratores no caso da ocorrência da flagrância criminal, bem como o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, em auxílio ao Poder Judiciário, não se esquecendo da assistência e auxílio ao cidadão.
Já a Polícia Civil tem como mister a documentação das prisões em flagrantes realizadas pelos policiais militares e outros agentes públicos e também aquela realizada pelo cidadão, e ainda, na investigação policial.
Em razão dessa divisão do serviço policial ocorre uma divergência acerca da conceituação de quem seja a autoridade policial, e podemos citar que a errônea interpretação iniciou-se com o entendimento do código de processo penal, no tocante aos institutos do inquérito policial, e aqui não pairam dúvidas que a autoridade policial na condução do inquérito é o delegado de polícia, mas com o surgimento da Lei Federal nº 12.830/2013, que diz que o delegado de polícia é a autoridade policial, mas, ressalte-se, para as conduções de investigação policial, exceto as militares.
Na mesma toada, somos todos sabedores que os Oficiais da Polícia Militar, em razão da previsão constitucional e legal, são autoridades policiais de Polícia Judiciária quando presidem o inquérito policial militar.
A solução não parece fácil, assim, deve-se fazer, preliminarmente, uma interpretação gramatical, que é a mais simples das interpretações, mas no caso é pertinente, pois autoridade é aquele que tem direito ou poder de mandar; poder político ou administrativo; representante do poder público; capacidade poder; pessoa que tem grande conhecimento em determinado assunto; influência que uma pessoa tem sobre as outras.
De outra maneira, conceitua autoridade pública Sundfeld:
A autoridade pública conferida ao Estado pelas normas jurídicas é a consequência, no mundo do direito, da qualificação, feita pelo constituinte ou pelo legislador, de certos interesses como mais relevantes que outros. Em outros termos: o interesse público surge como tal, para o mundo jurídico, quando as normas atribuem ao ente que dele cura poderes de autoridade. (SUNDFELD, 2008, p. 155)
No mesmo sentido, observa o autor, sobre o poder da autoridade pública, que se manifesta de duas formas distintas “a) impondo, unilateralmente, comportamentos aos particulares; b) atribuindo direitos aos particulares, através de vínculo não-obrigacional”.
Assim, o policial militar em sua função preventiva e ostensiva é uma autoridade pública e os seus atos são para todos os efeitos considerados como atos administrativos, pois se pensarmos de forma contrária, o policial militar não poderia, sob uma fundada suspeita, abordar o cidadão, limitando seu direito ambulatorial, tanto que ensina DE PLÁCIDO E SILVA (2008, p. 86) “Autoridade Policial. Pessoa que ocupa cargo e exerce funções policiais, tais sejam as de delegados, inspetores etc.”, do que, por óbvio, incluem-se os policiais militares por tudo o que já se explicou acerca do conceito de autoridade.
Nesse desiderato e pelos fundamentos expostos, o policial militar enquadra-se perfeitamente como a autoridade policial insculpida no artigo 69 da Lei Federal nº 9.099/1995, já que não fará nenhuma investigação policial, apenas relatará o fato ocorrido pormenorizadamente e a qualificação do autor, do ofendido e das testemunhas, atendendo-se a celeridade preconizada pela lei, o que, aliás, já o faz quando da confecção do boletim de ocorrência policial.
Dessa forma, o entendimento da doutrina mais abalizada é de que, para o TCO autoridade policial deve ser considerada uma expressão genérica cujas espécies são o delegado de polícia e o policial militar. Por todos, MUCCIO:
Tem-se entendido que o Termo Circunstanciado não é ato exclusivo do delegado de polícia (autoridade policial em sentido estrito), podendo ser lavrado, diante de seu caráter informal, pelo policial militar, o policial que formalizar a ocorrência. Nesse sentido o provimento n. 758, de 14-7-2001, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, arts. 1º e 2º. O policial militar elaborará termo circunstanciado, encaminhando-o, com o autor do fato, ao Juizado Especial Criminal, colhendo o compromisso daquele na impossibilidade da apresentação imediata; sem prejuízo do encaminhamento da vítima para realização de exame de corpo de delito, se houver urgência. A expressão ‘autoridade policial’ do art. 69 é extensiva a todos os órgãos encarregados da segurança pública, nos termos do art. 144 da Constituição Federal. (MUCCIO, 2011, p. 1.278)
Na mesma toada foi o entendimento do Enunciado número 34 do FONAJE que também dá direcionamento para atendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Militar ou Civil. Foi nesse sentido a II conclusão do Encontro Nacional de Presidentes dos Tribunais de Justiça realizado na cidade de Vitória/ES em 1995.
Debates e seminários sobre a confecção do termo circunstanciado de ocorrência e o ciclo completo de polícia.
Em 18 de fevereiro de 2014 a Associação de Oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais e a Associação das Praças daquele estado realizaram na Cidade de Belo Horizonte o Seminário – Polícia de Ciclo Completo e Eficácia da Persecução Criminal.
O Seminário teve como norte o debate da segurança pública e os seus vários atores, não se ventilando qualquer usurpação de poder, mas ao contrário, buscando-se caminhos para um melhor serviço prestado ao cidadão, que é o seu destinatário final.
O Fórum contou com diversas autoridades entre seus debatedores, tais como o Secretário Estadual de Defesa Social de Minas Gerais, além de contar em seu público com policiais militares, policiais civis, guardas municipais e acadêmicos de direito.
Calha ressaltar que o evento teve a participação inicial do Comandante Geral da PMMG, o CEL PMMG SANTANA o qual em sua fala ressaltou que a história da Polícia Militar se mistura com a história do Brasil, pois esteve presente em quase todos os seus momentos, enfatizou, também, que a Polícia Militar é uma árvore psicodélica, pois, ao mesmo tempo em que possui raízes profundas anda antenada com as novidades do mundo moderno, aludindo ao evento e a confecção do Termo Circunstanciado de Ocorrência.
O Secretário de Defesa Social de Minas Gerais, o Procurador de Justiça do MPMG, enfatizou que, em sua concepção nenhum processo ou procedimento deve ter um único destinatário exclusivo, ressaltando o conflito existente entre o Ministério Público e a Defensoria Pública acerca da titularidade da Ação Civil Pública em defesa dos direitos difusos, e ainda, aludiu acerca da PEC 037 a qual previa exclusividade de investigação a Policia Civil, ressaltando que a Constituição da República não deu essa exclusividade, mas ao contrário, nosso ordenamento jurídico prevê o processo de investigação a outros atores, tais como as Comissões Parlamentares de Inquérito, o Inquérito Policial Militar, os procedimentos próprios de investigação de magistrados e membros do Ministério Público, ambos garantidos por suas leis de orgânicas, e outros; ressaltou, também, a necessidade de se operacionalizar o Sistema Nacional de Segurança Pública de forma efetiva, tendo como molde o Sistema Único de Saúde (SUS), por fim, não manifestou nenhuma contrariedade da PMMG confeccionar o Termo Circunstanciado de Ocorrência.
Na parte da manhã ainda palestrou o Procurador de Justiça do MPMG - Rogério Felipeto, o qual fez uma abordagem técnica acerca dos possíveis óbices constitucionais e infraconstitucionais que podem ser levantados contra a confecção do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Polícia Militar, ressaltando que a interpretação do texto constitucional, Art. 144 não deve ser feita no viés da simplista interpretação gramatical, mas sim, fazer uma interpretação mais ampla dentro dos conceitos de ordem pública e de segurança pública; rebateu, também, a Lei dos delegados, Lei nº 12.830/2013, enfatizando que não há no Termo Circunstanciado de Ocorrência nenhum processo investigativo, listando como exemplos os artigos, 27 do CPP e o § 3º do art. 77, da Lei 9.099/1995.
Na continuação o Maj André Luiz Dias de Melo da Polícia Militar de Santa Catarina compartilhou o sucesso da instituição do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela PMSC, listando os obstáculos enfrentados e as motivações da adoção de tal desiderato para o bem da comunidade.
Em seguida o CEL PMMG Alex de Melo, Diretor de Apoio Operacional trouxe dados acerca do atendimento de ocorrência pela PMMG e que o percentual de ocorrência de crimes de menor potencial ofensivo tange a 80% de toda demanda, de que ainda não há um posicionamento oficial da Instituição, mas acha salutar o debate, e que a adoção do Termo Circunstanciado de Ocorrência trará grandes benefícios.
No decorrer do debate foi ressaltada uma ocorrência policial de menor potencial ofensivo atendida pela Polícia Militar em que a guarnição policial teve que se deslocar por mais de 300 km, e que, no seu percurso a viatura com dois policiais militares, a vítima, a testemunha e o autor sofreram sinistro automobilístico que resultou na morte de todos que estavam na viatura policial.
O Major PMSC André Luiz Dias de Melo relatou também que em seu estado a viatura da PMSC atendeu a um crime de menor potencial ofensivo, a contravenção penal de vias de fato, e teve que se deslocar por mais de 80 km e chegando no delegacia de polícia, após aguardar atendimento, a praça ligou para o oficial relatando o que fazer, pois na localidade não havia taxis para atender as pessoas tampouco linha de transporte coletivo e também, que, após a liberação não seria adequado as partes voltarem na viatura, uma ao lado da outra, nem tampouco uma no compartimento de segurança, pois a ocorrência já se encerrara, assim, tais deslocamentos além de acarretarem maiores gastos ao estado traz outras consequências aos cidadãos, podendo até dizer que macula a imagem do Estado.
Da mesma forma, a Universidade Paulista (UNIP) e o Comando de Policiamento do Interior da 5ª Região (CPI – 5) realizaram, em 11 de abril de 2014, na Cidade de São José do Rio Preto, o Congresso Internacional “Repensando o Direito a Segurança”, evento que contou com palestrantes internacionais da França, da Espanha e de Moçambique, além de juízes e promotores e de participantes pertencentes às Polícias Militares de diversos estados da Federação, além de acadêmicos de Direito, professores e representantes de Guardas Municipais entre os debates esteve em foco a confecção do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) pelas Polícias Militares e o Ciclo Completo de Polícia restando consignado que não existem óbices para que o TCO seja feito pela Polícia Militar, algo que já é feito, com respaldo popular e do Poder Judiciário, nos estado de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
A pergunta que não quer calar é: tais imbróglios ocorrem no Espírito Santo? E a resposta é fácil, pois é só perguntar a qualquer policial militar – oficial ou praça, quanto se é gasto de tempo para atendimento de ocorrências de crimes de menor potencial ofensivo nas delegacias de polícia e também nos deslocamentos de cidades que não possuem plantão da Polícia Civil, pode-se citar a cidade de Mucurici onde os policiais têm que se deslocar até São Mateus para lavratura de TCO ou APFD, aproximadamente 133 quilômetros de distância. Tem-se notícia de que uma viatura gastou mais de 4 horas para ser liberada (quando não mais) para lavratura de TCO, veja que não é apenas o desgaste do servidor público - policial militar, ou dos gastos com os equipamentos – combustível, pneus, etc, mas acima de tudo é o tempo que a viatura deixa de realizar seu mister constitucional, o policiamento ostensivo e preventivo, ou seja, prestando serviço à sociedade capixaba.