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A aplicabilidade da arbitragem na seara das contratações públicas

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Agenda 02/04/2015 às 09:26

É tendência hodierna a aceitação da arbitragem nas contratações públicas, nada obstante o tema ainda suscitar controvérsia.

RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar a possibilidade de utilização da arbitragem na seara das contratações públicas. Para tanto, em um primeiro momento, faz-se necessário estudar os conceitos elementares deste mecanismo de solução de controvérsias, como forma de iniciar a verificação de sua aceitação e/ou pertinência no âmbito dos contratos celebrados pela Administração Pública Direta e Indireta. Em um segundo momento, serão inventariadas considerações cunhadas pela doutrina e jurisprudência pátrias sobre o tema, com vistas a desvendar qual é a tendência hodierna acerca da possibilidade da utilização da arbitragem nos contratos administrativos. Por derradeiro, feitas tais pesquisas, propõe-se uma reflexão sobre a plausibilidade jurídica de previsão no ordenamento jurídico brasileiro de dispositivo legal que permita o uso da arbitragem nos contratos administrativos.

Palavras chave: Direito Administrativo. Arbitragem. Contratos Administrativos.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breves notas sobre o mecanismo da arbitragem. 3.  A arbitragem nos contratos administrativos: Um estudo da doutrina e jurisprudência pátrias. 4. Reflexões sobre o uso da arbitragem em contratações públicas e sua previsão legal no ordenamento jurídico. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.


1 - INTRODUÇÃO

Tema que tem despertado debate na doutrina administrativista versa sobre a plausibilidade jurídica de utilização do mecanismo da arbitragem para resolução de controvérsias advindas de contratos celebrados pela Administração Pública Direta e Indireta.

Neste contexto, insere-se corrente doutrinária contrária a tal possibilidade, sob o argumento de que os princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público vedariam o uso da técnica da arbitragem em sede de contratações públicas. Isto porque, no ordenamento jurídico brasileiro, salvo previsões esparsas para contratações específicas (destacando-se, neste espeque, os contratos de Parcerias Público-Privadas – PPP), não se verifica disciplina legal genérica apta a outorgar o uso da arbitragem, do que decorreria afronta ao princípio da legalidade. Por sua vez, em apreço ao segundo princípio retromencionado, tendo em vista o atributo “indisponível” do interesse público, este não poderia ser submetido ao juízo arbitral.

Lado outro, parcela respeitável da doutrina (e como será exposto neste estudo, aparentemente predominante) advoga pela aceitação da arbitragem, desde que respeitados certos requisitos. A respeito, destaca-se a necessidade de inserção em nosso ordenamento jurídico de previsão legal que legitime a utilização da técnica em voga para dirimir conflitos emanados de contratações públicas, bem como a exigência de que os litígios submetidos ao juízo arbitral se restrinjam aos ditos direitos disponíveis, os quais, vale ressaltar, também podem ser titularizados pela Administração Pública, conforme será melhor abordado.


2 - BREVES NOTAS SOBRE O MECANISMO DA ARBITRAGEM

Como um primeiro passo para a reflexão jurídica ora proposta, é preciso analisar, ainda que suscintamente, algumas considerações elementares sobre o instituto da arbitragem.

Verifica-se que, em muitos manuais de Direito Processual Civil, a arbitragem está incluída no rol dos chamados “equivalentes jurisdicionais”. Estes são tomados como formas de solução de conflitos não-jurisdicionais, que recebem tal designação exatamente porque, não sendo jurisdição, funcionam como técnica de tutela dos direitos, resolvendo conflitos ou certificando situações jurídicas[1].

Lado outro, na doutrina processualista existe também corrente que não situa a arbitragem como um equivalente jurisdicional. Entende-se que tal mecanismo se trata de verdadeiro exercício de jurisdição por autoridade não-estatal. Neste prisma, a arbitragem é tomada como uma função atribuída a um terceiro imparcial para, mediante um processo, reconhecer, efetivar ou proteger situações jurídicas concretamente deduzidas, de modo imperativo e criativo em decisão insuscetível de controle externo e apta a se tornar indiscutível pela coisa julgada material[2].

Pois bem, independentemente da filiação a uma das sobreditas correntes doutrinárias, para fins deste artigo, revela-se importante ter em mente que no escopo da arbitragem um terceiro escolhido pelas partes conflitantes decide a controvérsia jurídica, sendo que tal mister é realizado fora do âmbito do Poder Judiciário. Assim, o árbitro dá solução ao problema que lhe é submetido, tratando-se de verdadeira hipótese de heterocomposição para a resolução de litígios.

Com efeito, sobre a definição do mecanismo em relevo, assim leciona José Cretella Júnior, in verbis[3]:

sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos próprios e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhe a pendência anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida.

A partir do conceito acima exposto, é possível evidenciar que a arbitragem representa uma forma alternativa de solução de conflitos, na qual predomina a autonomia da vontade dos envolvidos. Estes atribuem a um terceiro, alheio à controvérsia que será deduzida e não-integrante da estrutura formal do Poder Judiciário, o poder de decidir o conflito, submetendo-se voluntariamente a essa forma de solução de controvérsias, que hodiernamente vem sendo tomada como mais célere se comparada à prestação jurisdicional tradicional.

Isto posto, ao estudar a arbitragem tal como modelada em nosso ordenamento jurídico, mais precisamente no escopo da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, podemos verificar algumas características do instituto.

Primeiramente, a arbitragem é fruto de uma opção das partes conflitantes, culminando, portanto, em um verdadeiro negócio jurídico. Nesse sentido, é possível aduzir que não existe arbitragem compulsória, uma vez que esta é fundamentada na autonomia privada que escolhem submeter determinado conflito ao juízo arbitral.

Ademais, o árbitro pode ser escolhido dentre qualquer pessoa capaz, não sendo obrigatório que este tenha formação jurídica. O arbitro é, para todos os fins, “juiz”, mas apenas para aquele processo. Em seu mister, este profere uma sentença arbitral que deve ser fundamentada, em respeito ao devido processo. No ponto, vale ressaltar que, havendo opção das partes, o árbitro pode decidir por equidade, dispondo a Lei de Arbitragem, em seu artigo 2o, que as partes contratantes, ao optarem pela arbitragem, podem escolher ainda se ela será de direito ou de equidade. Vale ressaltar que, neste segundo caso, procede-se a uma adaptação da regra existente à situação concreta, observando-se os critérios de justiça e igualdade.

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Prosseguindo, não há que se falar em homologação de sentença arbitral no âmbito do Poder Judiciário. O que este Poder pode fazer é executar a sentença arbitral, uma vez que esta não poderá ser executada pelo próprio árbitro escolhidos pelas partes. Neste prisma, não custa anotar que a execução de sentença arbitral é uma execução de título judicial, não podendo haver controle do mérito da decisão que foi proferida no juízo arbitral. Ademais, vale acrescentar que o Judiciário pode anular a decisão arbitral em até 90 (noventa) dias de sua intimação; contudo, não lhe é facultado revê-la. Isto é, o exame das Cortes fica adstrito aos aspectos formais da sentença proferida.

Por derradeiro, cumpre esclarecer que o negócio jurídico que enseja a Arbitragem é denominado “convenção de arbitragem”, o qual, de acordo com o disposto no art. 4o da Lei de Arbitragem é “a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”. A respeito, Washington de Barros Monteiro leciona que a convenção de arbitragem “constitui apenas parte acessória do contrato constitutivo da obrigação; é a cláusula pela qual as partes, preventivamente, se obrigam a submeter-se à decisão do juízo arbitral, a respeito de qualquer dúvida emergente na execução do contrato[4]”.

Pois bem, abordados estes aspectos elementares sobre o mecanismo da arbitragem, é possível adentrar no cerne do presente estudo, qual seja, a pertinência e/ou aceitação de sua utilização no escopo dos contratos administrativos.


3 - A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: UM ESTUDO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIAS

Inicialmente, impende advertir que a possibilidade de a Administração Pública Direta e Indireta estabelecer cláusula contratual instituindo a arbitragem para a solução de conflitos no âmbito de contratos administrativos é questão que ainda desperta debates na doutrina e jurisprudência pátrias.

Com efeito, o assaz citado Marçal Justen Filho assevera haver uma corrente respeitável que “reputa que a solução de litígios entre a Administração Pública e particulares não pode fazer-se por meio da arbitragem, instrumento apropriado para hipóteses envolvendo direitos disponíveis, tal como previsto no art. 1º da Lei nº 9.307/96, que prevê que ‘as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis’”. No ponto, o jurista destaca que ainda hoje o Tribunal de Contas da União – TCU continua relutante à utilização da arbitragem para a solução de litígios oriundos de contratos administrativos, senão vejamos[5]:

“37. No que tange à previsão da resolução de divergências envolvendo questões econômico-financeiras do contrato de concessão por parte de Comissão Técnica e de Arbitragem (objeto da determinação proposta no subitem "c.7"), comungo do entendimento da unidade técnica no sentido de que, consoante o disposto nas Leis nºs 8.987/1995 e 9.307/1996, a utilização do juízo arbitral nos contratos de concessão somente é possível caso não se incluam na parte de arbitragem situações que não observem estritamente o princípio da indisponibilidade do interesse público.

38. É por essa razão que questões de natureza econômico-financeira, atinentes ao poder tarifário da Administração Pública, o qual é irrenunciável, não podem ser objeto de resolução mediante a aplicação da arbitragem, por se tratarem de interesse público indisponível.

39. Lembro que a aplicabilidade do instituto em tela tem sido considerada com bastante parcimônia por parte deste Tribunal, dirigida apenas a questões marginais, não albergados direitos públicos indisponíveis de que é exemplo a concessão de serviços públicos”. (Acórdão nº 1.796/2011, Plenário, rel. Min. Augusto Nardes)

“Portanto, não havendo amparo legal para a previsão do instituto da arbitragem e tratando-se de direitos patrimoniais indisponíveis, não há como tolerar a manutenção da cláusula 47 nos contratos celebrados, sendo adequada a determinação de celebração de termo aditivo para sua exclusão”. (Acórdão nº 537/2006, 2ª C., rel. Min. Walton Alencar Rodrigues)

Corroborando os entendimentos outrora transcritos, no Acórdão TCU no 2.573/2012, de 26 de setembro de 2012 – Plenário, a Egrégia Corte de Contas determinou à Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT a não aplicar a arbitragem para resolução de controvérsias pertinentes a questões econômico-financeiras de contrato de concessão por ela celebrado, in verbis:

ACÓRDÃO:(...)9.2.1. a inaplicabilidade da arbitragem para resolução de divergências relativas às questões econômico-financeiras do contrato de concessão, haja vista o que dispõe o art. 24, inciso VII, da Lei 10.233/2001;

De outra banda, Marçal Justen Filho destaca a existência de uma tendência forte na doutrina favorável à utilização da arbitragem em contratos administrativos, quando a celeuma envolver questões eminentemente patrimoniais, sendo esta também a orientação da jurisprudência dos tribunais[6]. Neste contexto, são colacionados os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em cujo bojo destaca-se referência a precedente expressivo exarado pelo Supremo Tribunal Federal – STF[7] na matéria, conhecido como “Caso Lage”, in verbis:

PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPONÍVEIS.

1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do Processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.

3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.

4. Recurso especial provido. (Destacou-se). (STJ - REsp: 606345 RS 2003/0205290-5, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 17/05/2007, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 08.06.2007 p. 240)

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERMISSÃO DE ÁREA PORTUÁRIA. CELEBRAÇÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. JUÍZO ARBITRAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. ATENTADO.

1. Mandado de segurança impetrado contrato do Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, ante a publicação da Portaria Ministerial nº 782, publicada no dia 07 de dezembro de 2005, que anuiu com a rescisão contratual procedida pela empresa NUCLEBRÁS EQUIPAMENTOS PESADOS S/A - NUCLEP, com a ora impetrante, empresa TMC - TERMINAL MULTIMODAL DE COROA GRANDE -SPE - S/A.

2. Razões do pedido apoiadas nas cláusulas 21.1 e 21.2, do Contrato de Arrendamento para Administração, Exploração e Operação do Terminal Portuário e de Área Retroportuária (Complexo Portuário), lavrado em 16/12/1997 (fls.31/42), de seguinte teor: “Cláusula 21.1 Para dirimir as controvérsias resultantes deste Contrato e que não tenham podido ser resolvidas por negociações amigáveis, fica eleito o foro da Comarca do Rio de Janeiro, RJ, em detrimento de outro qualquer, por mais privilegiado que seja. Cláusula 21.2 - Antes de ingressar em juízo, as partes recorrerão ao processo de arbitragem previsto na Lei 9.307, de 23.09.06”.

3. Questão gravitante sobre ser possível o juízo arbitral em contrato administrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis.

4. O STF, sustenta a legalidade do juízo arbitral em sede do Poder Público, consoante precedente daquela corte acerca do tema, in "Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória", publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro - dezembro de 2002, coordenada por Arnold Wald, e de autoria do Ministro Eros Grau, esclarece às páginas 398/399, in litteris: "Esse fenômeno, até certo ponto paradoxal, pode encontrar inúmeras explicações, e uma delas pode ser o erro, muito comum de relacionar a indisponibilidade de direitos a tudo quanto se puder associar, ainda que ligeiramente, à Administração." Um pesquisador atento e diligente poderá facilmente verificar que não existe qualquer razão que inviabilize o uso dos tribunais arbitrais por agentes do Estado. Aliás, os anais do STF dão conta de precedente muito expressivo, conhecido como 'caso Lage', no qual a própria União submeteu-se a um juízo arbitral para resolver questão pendente com a Organização Lage, constituída de empresas privadas que se dedicassem a navegação, estaleiros e portos. A decisão nesse caso unanimemente proferida pelo Plenário do STF é de extrema importância porque reconheceu especificamente 'a legalidade do juízo arbitral, que o nosso direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas contra a Fazenda.' Esse acórdão encampou a tese defendida em parecer da lavra do eminente Castro Nunes e fez honra a acórdão anterior, relatado pela autorizada pena do Min, Amaral Santos. Não só o uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração, como, antes é recomendável, posto que privilegia o interesse público, "(...) (grifou-se)

5. Contudo, naturalmente não seria todo e qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles conhecidos como “disponíveis”, porquanto de natureza contratual ou privada.

6. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre o interesse público primário e o interesse da administração, cognominado “interesse público secundário”. Lições de Carnelutti, Renato Alessi, Celso Antônio Bandeira de Mello e Min. Eros Roberto Grau.

7. O Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao “interesse público”. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio.

8. Deveras, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponível é o interesse público, e não o interesse da administração.

9. Nesta esteira, saliente-se que dentre os diversos atos praticados pela Administração, para a realização do interesse público primário, destacam-se aqueles em que se dispõe de determinados direitos patrimoniais, pragmáticos, cuja disponibilidade, em nome do bem coletivo, justifica a convenção da cláusula de arbitragem em sede de contrato administrativo.

10. Nestes termos, as sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres.

11. Destarte, é assente na doutrina que "Ao optar pela arbitragem o contratante público não está transigindo com o interesse público, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos. Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com imparcialidade, O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização correta da Justiça." (grifou-se) (In artigo intitulado"Da Validade de Convenção de Arbitragem Pactuada por Sociedade de Economia Mista", de autoria dos professores Arnold Wald, Atlhos Gusmão Carneiro, Miguel Tostes de Alencar e Ruy Janoni Doutrado, publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, nº 18, ano 5, outubro-dezembro de 2002, página 418.)

12.Em verdade, não há que se negar a aplicabilidade do juízo arbitral em litígios administrativos, em que presente direitos patrimoniais do Estado, mas ao contrário, até mesmo incentivá-la, porquanto mais célere, nos termos do artigo 23 da Lei 8987/95, que dispõe acerca de concessões e permissões de serviços e obras públicas, que prevê em seu inciso XV, entre as cláusulas essenciais do contrato de concessão de serviço público, as relativas ao "foro e ao modo amigável de solução de divergências contratuais".

13. Precedentes do Supremo Tribunal Federal: SE 5206 AgR / EP, de relatoria do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, publicado no DJ de 30-04-2004 e AI. 52.191, Pleno, Rel. Min. Bilac Pinto. in RTJ 68/382 - "Caso Lage". Cite-se ainda MS 199800200366-9, Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, Relatora Desembargadora Nancy Andrighi, DJ 18.08.1999,

14. Assim, é impossível desconsiderar a vigência da Lei 9.307/96 e do artigo 267, inc. VII do CPC, que se aplicam inteiramente à matéria sub judice, afastando definitivamente a jurisdição estatal no caso dos autos, sob pena de violação ao princípio do juízo natural (artigo 5º, LII da Constituição Federal de 1988).

15. É cediço que o juízo arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz natural, ao contrário, implica realizá-la, porquanto somente cabível por mútua concessão entre as partes, inaplicável, por isso, de forma coercitiva, tendo em vista que ambas as partes assumem o "risco" de serem derrotadas na arbitragem. Precedente: Resp nº 450881 de relatoria do Ministro Castro Filho, publicado no DJ 26.05.2003.

16. Deveras, uma vez convencionada pelas partes cláusula arbitral, será um árbitro o juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará sujeita a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o artigo 18 da Lei 9.307/96, o que significa dizer que terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua competência.

17. Outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naquela pública, o princípio do Kompetenz-Kompetenz, que estabelece ser o próprio juiz quem decide a respeito de sua competência.

18. Consequentemente, o fumus boni iuris assenta-se não apenas na cláusula compromissória, como também em decisão judicial que não pode ser infirmada por Portaria ulterior, porquanto a isso corresponderia verdadeiro "atentado" (art. 880 do CPC) em face da sentença proferida pelo Juízo da 42ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro

19. Agravo Regimental desprovido. (Destacou-se). (STJ - AgRg no MS: 11308 DF 2005/0212763-0, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 28/06/2006, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 14/08/2006 p. 251)

Ainda sobre a controvérsia que permeia o tema em relevo, não custa registrar a doutrina de José dos Santos Carvalho Filho, tecida a partir do exame dos princípios da legalidade e da indisponibilidade dos bens públicos, in verbis[8]:

Questão que tem desafiado a argúcia dos estudiosos, em dias atuais, consiste em saber se pode a Administração valer-se da arbitragem para solução de alguns conflitos de natureza patrimonial, em virtude dos princípios da legalidade e da indisponibilidade dos bens públicos.

Não há dúvida de o Estado há de ter cautela redobrada no que tange ao emprego dos recursos públicos, visto que estes se originam, em última instância, dos integrantes da coletividade. Entretanto, o sentido moderno do princípio da legalidade não implica vedação para que o Estado celebre transações, sobretudo quando é a própria lei que o estabelece. Por outro lado, a indisponibilidade dos bens públicos significa apenas que o Poder Público não pode disponibilizar seus recursos com total liberdade, como o fazem os particulares em geral; mas, por outro lado, nada impede que os empregue dentro de parâmetros de necessidade, utilidade e razoabilidade, até porque semelhante atividade se configura como gestão dos interesses públicos, o que não se confunde com indisponibilidade.

Desse modo, conquanto seja vedada para algumas condutas que importem o exercício do poder de império ou autoridade pública (ius imperii), a arbitragem pode ser adotada em situações nas quais seja predominante o aspecto da patrimonialidade, com incidência de indisponibilidade relativa. É o caso, por exemplo, de cláusulas financeiras em contratos celebrados pela Administração, sejam privados, sejam administrativos. (Destacou-se)

No ponto, analisando o tema da arbitragem a partir de sua correlação com a questão da titularidade de direitos patrimoniais disponíveis pela Administração Pública, elucidativa é a lição de Eros Graus, in verbis[9]:

(...) quando se afirma que a arbitragem se presta para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, isso não significa que não possa a administração socorrer-se dessa via, visando ao mesmo fim. Pois não há qualquer correlação entre disponibilidade ou indisponibilidade do interesse público. Dispor de direitos patrimoniais é transferi-los a terceiros. Disponíveis são os direitos patrimoniais que podem ser alienados. A administração, para a realização do interesse público, pratica atos da mais variada ordem, dispondo de determinados direitos patrimoniais, ainda que não possa fazê-los em relação a outros deles (...).

Outrossim, sobre a aceitação do uso da arbitragem em contratos administrativos, Carvalho Filho[10] pontua que tem dominado o entendimento de que a sua adoção não constitui afronta aos princípios da legalidade e da indisponibilidade dos bens públicos, desde que a Administração Pública se paute pelo alcance de providência de interesse público e que seus agentes não atuem com improbidade ou desvio de finalidade. Ademais, salienta que a controvérsia a ser submetida ao juízo arbitral deve ter como preponderante o “aspecto da patrimonialidade”, de modo a excluir, neste caso, a apreciação de atos decorrentes do exercício de autoridade.

Por derradeiro, Carvalho Filho acrescenta que, em que pese não haver regulamentação minudente de caráter geral sobre o tema, começam a surgir disposições legais pontuais, razão pela qual é possível vislumbrar que a aceitação do instituto no Direito Público vem ganhando espaço na própria legislação. Como exemplos de leis específicas que admitem a participação da Administração Pública em arbitragens, anota-se o seguinte rol: Lei no 5.662/71, art. 5o, parágrafo único; Decreto-lei no 1.312/74, art. 11; Lei no 8.693/93, art. 1o, § 8o; Lei no 8.987/95, art. 23, XV; Lei no 9.472/97, art. 93, XV; Lei no 9.478/97, art. 43, X; Lei no 10.848/04, art. 4o, §5o; e Lei no 11.079/04, art. 11, III.

Sobre a autora
Elvira Carolina Moreira de Rezende

Procuradora da Fazenda Nacional. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Pós-graduada em Direito Público.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Elvira Carolina Moreira. A aplicabilidade da arbitragem na seara das contratações públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4292, 2 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34220. Acesso em: 18 nov. 2024.

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