Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Biografias não autorizadas

Agenda 12/12/2014 às 10:32

1.      INTRODUÇÃO

 

A liberdade de expressão versus o direito de zelar pela intimidade. E a possibilidade de remuneração fazendo os biografados penderem de um lado ao outro da moeda. De repente esta virou uma questão central nas discussões sobre publicação de biografias no Brasil.

Embora a liberdade de expressão seja assegurada pela Constituição, desde 2002 o Código Civil prevê que qualquer biografia – livro ou filme - tem de ter aval do biografado, quando vivo, ou de sua família ou herdeiros, para ter autorização de veiculação. Se o personagem ou sua família sentirem que um trabalho traz dano à honra do biografado, pode recorrer à Justiça e tirá-la de circulação.

Um dos casos mais notórios de aplicação dessa lei aconteceu em 2007, quando Roberto Carlos conseguiu proibir a circulação da biografia “Roberto Carlos em Detalhes”, escrita por Paulo Cesar Araújo. A editora Planeta, que chegou a lançar o livro, teve de recolher toda a tiragem das livrarias.

Em reação a essa decisão judicial, que ameaça deixar todas as biografias brasileiras restritas à anuência dos biografados, a Associação Nacional de Editores de Livros (Anel) propôs ao Supremo Tribunal Federal a adoção da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), para permitir a publicação de biografias sem autorização do biografado.

 

2.      DESENVOLVIMENTO

Recentemente, algumas figuras publicas, como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Chico Buarque, entre outros, vieram a público reivindicando o direito à inviolabilidade absoluta de suas vidas privadas. Exigiram, também, que qualquer obra biográfica sobre qualquer pessoa pública mereça a prévia submissão ao crivo do biografado, que teria poder de veto sobre a publicação e a comercialização do material. Desejam, ainda, que os alvos das biografias ou seus herdeiros recebam royalties, uma participação financeira sobre o lucro auferido com sua comercialização.

Os autores das biografias não autorizadas bem como boa parte da mídia alegam que isso é censura, ato ou processo autoritário de proibir manifestações humanas, sem observar o direito dos acusados de se defenderem das acusações, o que foi banido do Direito brasileiro desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.

O art. 5º. da Lei Maior nacional trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. É um elenco de garantias respeitabilíssimo, aqui e lá fora.

O inciso IX desse artigo dispõe que:

 “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

Em seguida, no inciso X, é assegurado que

 “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a intimidade das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano moral ou material decorrente de sua violação.”

Mas há outra previsão constitucional, no inciso XXVII do art. 5º., que calha como à barba a navalha, à qual chamo atenção:

“aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar.”

Acresçam-se a esses importantes normativos jurídicos, os de que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inciso IV do art. 5º.) e de que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

Quando, em situações concretas, nós nos defrontarmos com aparente conflito entre direitos previstos nesses e em outros dispositivos constitucionais, haverá, no limite, o intérprete (o juiz) de compatibilizar a situação em exame com o dispositivo que sobre ela incida, de forma justa, adequada e necessária. Convém lembrar que não hierarquia entre dispositivos de uma mesma Constituição. Todos eles têm a mesma estatura, a mesma dignidade, a mesma força normativa. Assim  um indivíduo não pode valer-se de uma garantia constitucional , a da liberdade de manifestação da atividade intelectual, para atentar contra princípio constitucional, princípio da dignidade da pessoa humana. É o exato caso de publicações de obras literárias de conteúdo racista, nazi-fascista.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Fora isso, as biografias poderão ser escritas, sim, sem a autorização dos biografados, respondendo os autores das obras, civil e criminalmente, no que couber, em caso de violação da honra, da imagem, da vida privada, da intimidade das personagens enfocadas nos respectivos textos, como pode dar-se em qualquer ato da vida civil, tudo dentro do devido processo legal, respeitados o contraditório e a ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes.

Os artistas e pessoas alvos dos autores de biografias se defendem pela norma no Código Civil brasileiro de 2002,em seu artigo art. 20 que estabelece o seguinte:

“Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a responsabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Mas não se pode dar à letra da lei interpretação literal, pois o Código Civil – uma lei ordinária – deve ser interpretada à luz dos princípios e regras contidos na Constituição Federal – Lei Maior e, portanto, hierarquicamente superior à lei ordinária e não ao contrario que é o que os artistas e pessoas alvos dos autores de biografias querem,  interpretar a Constituição de acordo com os mandamentos do Código Civil, o que caracteriza, nos tempos atuais, uma inaceitável subversão da lógica jurídico-sistêmica.

3.                  CONCLUSÃO

Podemos concluir que o que há aqui é uma discussão em que os dois lados tem uma retórica plausiva. Porém não podemos esquecer da ditadura militar, onde o poder executivo impunha censura aos meios de comunicação,ao ao meio artístico e as manifestações intelectuais. E esse ciclo autoritário de censura foi rompido de forma expressa em nossa constituição federal de 88, que é a lei maior de nosso ordenamento jurídico. Se há uma descontinuidade em nosso ordenamento jurídico em face a nossa constituição, como é o caso do dispositivo alegado pelos alvos de biografias não autorizadas, é obvio que quem deve prevalecer é a nossa constituição. Assim com a concretização dessas perspectivas, a censura perde e a democracia ganha.

Sobre o autor
Francisco Lucas de Lima Brito

Formando no curso de Direito da Faculdade Farias Brito Fortaleza-Ce.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!