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As concessões de serviços públicos essenciais na modalidade não concorrencial e os abusos de direito sofridos pelos usuários

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Agenda 09/01/2015 às 21:31

As concessões de serviços públicos na modalidade não concorrencial, frequentemente, são alvo de abusos de direitos praticados por parte das concessionárias, ensejando uma onerosidade excessiva ao usuário e impedindo uma prestação de serviços eficiente.

1. Primeiras considerações    

Com o advento da  Constituição Federal de 1988 e a consolidação no Brasil do estado social, tem-se como novo foco, diferentemente da concepção do Estado Moderno na sua fase Liberal, a limitação estatal dos poderes econômicos privados em prol dos interesses individuais e sociais[1]. O Estado passa a adotar uma postura de interventor e regulador da atividade econômica, devendo exercer as funções de incentivo, fiscalização e planejamento, como estabelece o artigo 174, caput do Diploma Constitucional.

No entanto, as dificuldades em manter-se a figura do "Estado provedor" tornou-se algo cada vez mais latente nas relações econômicas. E, em decorrência disso, foi necessário reorganizar a máquina administrativa a fim de torná-la capaz de suprir as demandas sociais. Desta feita, a partir de um processo de desestatização e privatização dos executores dos serviços públicos através de uma atividade delegada, deu-se espaço aos contratos administrativos de concessão, regulamentados na Lei nº 8.987 de 13 de fevereiro de 1995.

Em se tratando de contratos de concessão de serviços públicos essenciais, em especial nos contratos de concessão praticados na modalidade não concorrencial, em virtude da inviabilidade da competição, nos deparamos com uma situação delicada. Uma vez que, nesses casos, ante o domínio econômico exercido pela empresa, torna-se uma tarefa quase hercúlea para a Administração garantir para os usuários uma prestação do serviço verdadeiramente efetivo e livre de abusos de direito. Restando apenas para os usuários recorrer à Justiça para obter o ressarcimento pelos danos causados, sem haver preventivamente e de forma efetiva a garantia de seus direitos. 


2. A Desestatização do serviço público

À medida em que o Estado substitui o seu papel de empreendedor para o de regulador da atividade econômica, o fenômeno da desestatização da economia vai ganhando um vulto maior na prestação de bens e serviços à população, tendo como figura de destaque na execução de tais atividades o setor privado.

Desde a década de 1990, ainda no governo do Presidente Fernando Collor de Melo,  foi dado o passo inicial para a releitura do Estado como prestador de serviços através do lançamento do Programa Nacional de Desestatização, instituído originariamente pela Lei n. 8.031 de 12 de abril de 1990. Lei posteriormente revogada pela Lei n. 9.491 de 09 de novembro de 1997 no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. 

Em conjunto com a desestatização, insurge também o processo de privatização. No entanto, é relevante salientar que estes não se confundem. A privatização não é da atividade ou do serviço, os quais continuam sendo públicos, mas sim do executor da atividade ou do serviço, que passam a ser exercidos pelos agentes econômicos do setor privado[2].

Em um viés mais crítico a respeito dessa nova relação contratual do Estado com o setor privado, Jürgen Habermas analisa estar a esfera pública burguesa desenvolvida no campo de tensões entre Estado e sociedade, mas de modo tal que ela mesma se torna parte do setor privado. E, com a "fuga" do Estado para fora do direito público, com a transformação de tarefas da administração pública para empresas estabelecimentos, corporações, encarregados de negócios semi-oficiais, mostra-se também o lado inverso da publicização do direito privado, ou seja: a privatização do direito público. Os critérios clássicos de direito público tornam-se caducos uma vez que a administração pública se utiliza de meios do direito privado mesmo em suas funções de distribuir, prover e fomentar. Pois o sistema organizado do direito público não impede, por exemplo, um fornecedor da comunidade de entrar numa relação de direito privado para com os seus "clientes"; muito menos a ampla regulamentação de uma tal relaçÃo jurídica exclui a sua natureza jurídica como sendo um ato administrativo.[3].

2.1 A Descentralização por Colaboração

Como resultado do processo de privatização da execução dos serviços públicos, tem-se uma ampliação nas modalidades de descentralização administrativa. Nas palavras de Cristiana Fortini,"vivemos a era do Direito Administrativo Consensual, cujo enfoque escapa do ato administrativo para concentrar-se nos ajustes com o setor privado que, pela contribuição que proporcionam à coletividade, encaixam-se no conceito de setor público não estatal"[4]. Assim, novos modelos precisam ser examinados no intuito de dar uma maior efetividade à atuação da Administração.

        À época do Estado Liberal, em que a sua atividade se restringia quase exclusivamente à defesa externa e segurança interna, não havia grande necessidade de descentralização das atividades administrativas, mesmo porque as funções de polícia são, em geral, indelegáveis, pelo fato de implicarem autoridade, coerção sobre o indivíduo em benefício do bem-estar geral; com relação a elas, são incompatíveis os métodos do direito privado, baseados no princípio da igualdade. A essa época, o conceito de serviço público ligava-se sem contestação ao regime jurídico administrativo. Esse podia ser considerado o critério mais adequado para distinguir o serviço público da atividade particular. À proporção que o Estado foi assumindo outros encargos nos campos social e econômico, sentiu-se necessidade de encontrar novas formas de gestão do serviço público e da atividade privada exercida pela administraçÃo. De um lado, a ideia de especialização, com vistas à obtenção de melhores resultados, e que justificou e ainda justifica a existência de autarquias; De outro lado, e com o mesmo objetivo, a utilização de métodos de gestão privada, mais flexíveis e mais adaptáveis ao novo tipo de atividade assumida pelo Estado, em especial a de natureza comercial e industrial; em alguns países, como a Alemanha, isso foi feito com fins de socialização e, em outros, especialmente nos subdesenvolvidos, com vistas ao desenvolvimento econômico.[5].

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A descentralização da atividade administrativa consiste na distribuição, na repartição de competências entre sujeitos de direito, possibilitando a prestação de serviços por outras pessoas, e não por execução direta do Estado. O fenômeno da descentralização, como leciona Carvalho Filho[6], é processada pelo Estado por meio de duas formas básicas: delegação legal ou delegação negocial. Os contratos de concessão de serviços públicos, negócio jurídico de direito público utilizados na execução indireta, são celebrados em decorrência da delegação negocial.

No Brasil, a viabilidade da execução de determinados serviços a pessoa jurídica de direito privado foi possível a partir do fenômeno da Descentralização por Colaboração, o qual se perfaz por meio de delegação negocial, considerando-se os particulares executores dos serviços públicos como colaboradores da Administração no cumprimento dos serviços, sendo os executores remunerados mediante tarifa paga pelo contribuinte. E, em virtude da possibilidade de delegação da execução da atividade pública para o setor privado, ganhou-se destaque as figuras da concessão e da permissão de serviços.


3. Agencias Reguladoras 

As concessões públicas conformam-se como negócio jurídico de natureza contratual entre um ente público e uma empresa privada, e estão sujeitas a um conjunto de regras de natureza regulamentar, podendo ser modificadas unilateralmente pela Administração no intuito de melhor adequá-las à finalidade pública. E, para o cumprimento  de tais medidas, o Estado utiliza-se das chamadas agências reguladoras.

As agências reguladoras[7], juridicamente, adotam a forma de autarquias, como existe, por exemplo, na esfera federal a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, controladora do setor elétrico, instituída pela Lei n. 9.427 de 26 de dezembro de 1996, e a ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicação, fiscalizadora do setor de telecomunicações, instituída por meio da Lei n. 9.472 de 16 de julho de 1997. 

Com o processo das privatizações, outorgando-se a concessão (nos casos das rodovias e ferrovias), bem como a transferência do controle societário de empresas estatais para a iniciativa privada (como no caos das telecomunicações, gás canalizado e energia elétrica), o Poder Público viu-se obrigado a regular a prestação dos serviços, uma vez que havia transferido o seu exercício, embora mantivesse consigo a titularidade da prestação.


4.  Contratos de Concessão

Os serviços públicos, de titularidade do Poder Público, como estabelece a Constituição Federal no artigo 175, serão prestados de forma direta ou indireta. Nesse último caso, mediante concessão ou permissão. As concessões dar-se-ão mediante contrato de concessão de serviço público que, como espécie de contrato administrativo, enseja uma relação jurídica obrigacional bilateral e comutativa do concessionário para com o concedente através do pagamento periódico de tarifas pelos usuários em decorrência do serviço prestado. Trata-se de uma situação jurídica complexa, pois esta envolverá, necessariamente, duas relações contratuais: a primeira entre o ente público concedente e a empresa privada concessionária, e a segunda entre a concessionária e o usuário do serviço prestado. Em relação a esta situação jurídica complexa entre concedente, concessionária e usuário, Caio Tácito[8] afirma, acertadamente, que nas concessões de serviços públicos há situações jurídicas sucessivas, as quais imprimem um caráter triangular. 

Semanticamente, entende Carvalho Filho por concessão:

O sentido de concessão leva à ideia de que alguém, sendo titular de  alguma coisa, transfere a outrem algumas das faculdades a esta  reveladas.Com a necessária adequação, está aí o sentido de concessão no direito público, em que figura como titular dos bens o  próprio Estado, e  como destinatário das faculdades o particular. Quando esses interessados pactuam a transferência dessas faculdades, configura-se o contrato de concessão, ajuste também catalogado como contrato administrativo[9].

A Lei n.8.987/95, a qual aborda o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos na Constituição Federal de 1988 no artigo 175, define no artigo 2º, inciso II, como concessão de serviço público "a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado". Transferindo-se, deste modo, à empresa particular ou ao consórcio de empresas a execução e a exploração de certo serviço.

 4.1 Concessionárias prestadoras de serviços públicos essenciais.

Atualmente, o Estado vem aceitando, de forma anômala e, com uma certa falta de precisão conceitual, a concessão de serviços públicos a empresas estatais[10]. No entanto, como o objeto de análise deste trabalho são os abusos de direito praticados pelas concessionárias prestadoras de serviços públicos essenciais em um modelo não concorrencial, observar-se-á apenas os contratos típicos de concessão, realizados entre a Administração Pública e empresas privadas.

Por serviços públicos essenciais entende-se aqueles indispensáveis para o convívio em sociedade, como aqueles elementares para suprimento das necessidades básicas do homem moderno. A Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, elenca nos incisos do artigo 10 quais serviços ou atividades são qualificados como essenciais, vejamos:

Art. 10. "São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI- compensação bancária".

4.1.1 Fornecedor exclusivo

A Lei n. 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, afirma no artigo 25 ser inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição. Nas situações em que apenas uma empresa fornece determinado produto ou é capaz de executar determinado serviço, nos deparamos com a situação do fornecedor exclusivo.

A Lei de Licitações, ao tratar das situações em que é dispensável a licitação no artigo 24, inclui no inciso XXII ser dispensável o processo licitatório quando se tratar de contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica. Entretanto, teço aqui uma crítica, pois, embora a contratação de energia elétrica se enquadre na hipótese legal em que é dispensável a licitação, acredito que deveria estar enquadrada no artigo 25 que trata da inexigibilidade. Isso porque, no fornecimento de energia elétrica, assim como o de fornecimento de serviços e produtos de água, existe a inviabilidade da competição, uma vez que não se constata, na prática, para uma dada região do Brasil, mais de uma empresa capaz de fornecer o serviço ou o produto de forma a viabilizar o modelo concorrencial.

Entre as diversas companhias energéticas atuantes no Brasil temos, por exemplo, a CELPE (Companhia Energética de Pernambuco), a CEAL (Companhia Energética de Alagoas), a COPEL (Companhia Paranaense de Energia), e CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais), dentre tantas outras atuantes nos Estados da Federação Brasileira. Todavia, resta a indagação: por que, por critérios de conveniência e oportunidade por parte da Administração Pública, considerar-se-ia ser dispensável o fornecimento do serviço de energia elétrica e não inexigível, uma vez que é patente a inviabilidade de competição? Isso porque, na prática, não existe a possibilidade, dentro de um mesmo Estado da Federação, de competição entre as empresas supramencionadas, as quais já possuem uma estrutura de instalação, distribuição e produção robusta, inviabilizando que novas empresas, concorrentes, fossem capaz de suprir a demandada.

Assim, verifica-se que, nesses casos de única empresa prestadora do serviço, não há liberdade contratual nem para a administração nem para o usuário, tratando-se de contratos de caráter compulsório não só para o usuário, mas também para o próprio Estado, uma vez que se trata de serviços de uso essencial.

Sobre o autor
Fernando Henrique Franco de Aquino

Advogado. Pós-Graduando em Direito Contratual pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Bacharel em Direito pela UFPE, com parte do Bacharelado realizado na Universidade de Salamanca, Espanha - USAL.

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