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Direito à moradia sob a ótica da Justiça como equidade de John Rawls

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Agenda 20/02/2015 às 12:28

CONCLUSÃO

A justiça como equidade de Rawls aplicada ao planejamento urbano é uma tentativa de discutir as cidades sob um outro ponto de vista. Não se teve a pretensão de esgotar o assunto.

Apesar desta teoria ter suas limitações, há uma clara preocupação com a totalidade da população na justa distribuição dos ônus e bônus do processo de desenvolvimento urbano. Somente isto já contribui para a implementação do direito à moradia e da execução do planejamento urbano.

Não se deve olvidar que a lei 10.257/2001 e a Constituição de 1988 garantem a todos o direito à moradia digna. Conceber o planejamento urbano desta forma, fora de um modelo exclusivamente lastreado no interesse privado, sem a preocupação com outros atores e fatores, é um avanço, mas não é o suficiente.

Muitas ações adotadas pelo Estado possuem um viés utilitarista de maximizar bens, mas termina excluindo uma parcela da população que mais necessita de ajuda estatal. A tentativa de romper com este paradigma já merece ser notada. Se é difícil conceber um direito subjetivo de todo cidadão que obrigue o Estado a construir casas, é plenamente factível exigir do Estado a adoção de um planejamento urbano que contemple a cidade inteira, seja por meio das eleições, seja por meio de audiências e consultas públicas – além dos meios judiciais.

Assim, não se trata de um Estado grande demais que interfira demasiadamente na liberdade dos indivíduos, ou de um Estado tão pequeno que só atue na garantia de contratos e esfera penal. Trata-se de um Estado apto à garantir a dignidade humana, tendo em vista as privações e necessidades humanas contemporâneas.

Fernandes (2006) explica que com mais de 70% da população da América Latina vivendo em cidades e, mais especificamente no Brasil, com mais de 80% da população residindo em centros urbanos, a preocupação com os problemas enfrentados pelo processo de urbanização tem se intensificado. A razão é que o crescimento urbano tem sido acompanhado de exclusão social, crise habitacional, violência urbana, dentre outros, cuja solução depende de uma reforma urbana, desencadeada por uma reforma jurídica. Como é cediço no ordenamento jurídico pátrio, o Estatuto da Cidade prevê diversos instrumentos jurídicos e tributários, alguns dos quais não muito utilizados, que poderiam incentivar e ordenar o crescimento urbano com a proposta de evitar ou resolver estes efeitos do crescimento desorganizado, incluindo os incentivos e benefícios fiscais; contribuição de melhoria; concessão de direito real de uso; concessão de uso especial para fins de moradia; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir; operações urbanas consorciadas; e assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos.

O que chama a atenção é que grande parte destes instrumentos, ainda assim, podem, balizados pela doutrina ética utilitarista, garantir o máximo de bens para a maioria da população. O resultado é conhecido: a parcela da população mais carente fica privada do mínimo de bens para sobreviver.

Nesse diapasão, os princípios de justiça de Rawls aplicados ao planejamento urbano, é uma alternativa viável para salvaguardar o direito à moradia digna de todos.           


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Notas

[1] Rawls se ocupa, inicialmente, do utilitarismo clássico formulado por Sidwick e, posteriormente, por Mills, mas termina afirmando que as suas críticas servem para qualquer vertente do utilitarismo (RAWLS, 2008, p. 27-32).

[2] Rawls (2008, p. 12) diferencia o conceito de justiça da concepção de justiça: “Nessas observações preliminares, distingui o conceito de justiça, que se refere a um equilíbrio apropriado entre exigências conflitantes, de uma concepção de justiça, entendida como um conjunto de princípios correlacionados que objetiva identificar as considerações relevantes que determinam esse equilíbrio. [...] Acredito que o conceito de justiça é definido, então, pelo papel de seus princípios na atribuição de direitos e deveres e na definição da divisão apropriada das vantagens sociais. A concepção da justiça é uma interpretação desse papel.”

[3] Não se ignora as contribuições dadas por autores comunitaristas como WALZER (2003) que realça a importância dos grupos e da comunidade, ou de outros liberais de princípio como DWORKIN (2005) que distribui recursos em um leilão hipotético e consegue perceber as diferenças entre grupos vulneráveis, ou ainda SEN (2001), que acrescenta outro fator na distribuição, como a capacidade de cada um utilizar os recursos ou bens.

[4] Artigo XII. Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XXV, item 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

[5] Artigo 11, §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medida apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

Sobre o autor
Gabriel Moraes de Outeiro

Doutor em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pela UFPA. Doutorando em Direito pela UFPA. Mestre em Direito pela UFPA. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Professor e pesquisador da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OUTEIRO, Gabriel Moraes. Direito à moradia sob a ótica da Justiça como equidade de John Rawls. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4251, 20 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36462. Acesso em: 22 nov. 2024.

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