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A Resolução nº 52/2011 e os direitos fundamentais do paciente obeso

Agenda 23/02/2015 às 08:51

Uma breve análise sobre a Resolução da ANVISA de nº 52/2011 que baniu do mercado os medicamentos anorexígenos utilizados como opção no tratamento da obesidade. Traz uma breve explanação acerca dos direitos fundamentais envolvidos.

1. INTRODUÇÃO

No dia 6 de outubro de 2011 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA editou a Resolução de nº 52, que proibiu a fabricação, importação, exportação, distribuição, manipulação, prescrição, dispensação, o aviamento, comércio e uso de medicamentos à base das substâncias anfepramona, femproporex e mazindol.

A norma baseou-se em nota técnica elaborada pela própria ANVISA sobre a eficácia e segurança dos medicamentos inibidores de apetite que, após a realização de estudos, concluiu que esses medicamentos reduzem o peso corporal apenas a curto prazo, não permanecendo o efeito desejado. Além disso, segundo a nota técnica, os medicamentos proibidos trazem mais riscos aos seus usuários do que benefícios, podendo causar doenças como hipertensão, diabetes, depressão, síndrome do pânico e outras diversas enfermidades.

Várias foram as reações da comunidade médica que apresentou opiniões quase unânimes no que se refere à eficácia e à segurança desses medicamentos. Destaca-se a posição da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) e da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), para as quais a decisão da ANVISA vai de encontro a toda a literatura médica e estudos práticos sobre o tema, além de extrapolar a competência da Agência Reguladora.

Além do debate médico que circunda a questão, surgiu então um debate jurídico a respeito do poder normativo das agências reguladoras, em especial, no que se refere ao poder da ANVISA de proibir medicamentos, estudo este que é proposto no presente trabalho.

2. A AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISa

2.1. Histórico

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma série de ações foi iniciada de modo a implementar os Direitos Sociais ali consagrados, o que resultou, num primeiro momento, na criação do SUS – Sistema Único de Saúde, pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.

No governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, no entanto, é que o modelo regulador foi plenamente difundido e estabelecido. Inicialmente, foram implementadas as reguladoras de setores monopolísticos, a saber: energia elétrica, telecomunicações e petróleo e gás. Assim, foram criadas a Aneel, a Anatel e a ANP.

Nos anos seguintes, entre 1999 e 2000 os setores sociais voltaram a ganhar prioridade, seguindo-se o que se chamou de regulação social, visando garantir uma melhor prestação do serviço constitucional da saúde ao cidadão. Neste contexto, foram criadas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e a ANS  - Agência Nacional de Saúde Complementar.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA foi instituída Medida Provisória nº 1.791, de 30 de dezembro de 1998, posteriormente convertida na Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, sob o regime jurídico de autarquia especial vinculada ao Ministério da Saúde, sendo dotada de independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.

Até então, a vigilância sanitária no Brasil era coordenada pela Secretaria de Vigilância Sanitária.

A criação da ANVISA ocorreu em um momento de grande instabilidade no setor. No período do governo Itamar Franco, nota-se uma situação de crise na Secretaria, marcada por denúncias de corrupção, ineficiência e ingerência política. Os anos que seguiram não trouxeram mudanças no setor e, quando José Serra assumiu o Ministério da Saúde, em 1998, o contexto era ainda pior, o que apontava para a necessidade de uma mudança radical no setor.

A partir de então iniciou-se toda a articulação para a criação de uma agência autarquia para a vigilância sanitária. Num primeiro momento, pensava-se em instituir uma agência executiva, entretanto, após vários embates políticos chegou-se ao modelo de agência reguladora instituído para a vigilância sanitária.

A ANVISA foi instituída através de Medida Provisória, dada a urgência de uma resposta à sociedade acerca da crise no setor sanitário. A tramitação do processo de criação da ANVISA deu-se de forma rápida, se comparados com os trâmites para criação de outras agências reguladoras. Como dito, a grande crise no setor foi responsável por tamanha rapidez. No entanto, outros fatores colaboraram para que a tramitação fosse célere. Além da crise catalizadora da grande mudança então implementada, houve consenso político acerca da forma de solução do problema apresentado, o que possibilitou que a criação da agência fosse prioridade naquele momento.

2.2. Esfera de Atuação da ANVISA

A finalidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária vem estabelecida no art. 6º da Lei instituidora:

 Art. 6º  A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

Por sua vez, as suas atribuições gerais, previstas nos incisos II a VII do art. 2º da Lei abarcam a normatização, controle e fiscalização de substâncias e serviços de interesse para a saúde; além de diversas outras atribuições fiscalizatórias.[i]

A formulação, o acompanhamento e a avaliação da política nacional de vigilância sanitária e das diretrizes gerais do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária é realizada pelo Ministério da Saúde em conjunto com a ANVISA e demais órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, cujas áreas de atuação se relacionem com o sistema.

Visando implementar e executar suas atribuições, segundo o texto legal, cabe à ANVISA ainda uma série de ações que envolvem, primeiramente, a coordenação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.

De relevante ao estudo, cabe citar as seguintes atribuições da ANVISA: a realização de estudos e pesquisas no âmbito de suas atribuições; a criação de normas  e padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde; a concessão de registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação; a proibição de fabricação, importação, armazenamento, distribuição e comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde[ii];

O art. 8º  da legislação incumbe ainda à Agência, a regulamentação, controle e fiscalização de produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. Por sua vez, podem ser objeto de tal controle e fiscalização sanitária:

I - medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias;

II - alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários;

III - cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes;

IV - saneantes destinados à higienização, desinfecção ou desinfestação em ambientes domiciliares, hospitalares e coletivos;

V - conjuntos, reagentes e insumos destinados a diagnóstico;

VI - equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por      imagem;

VII - imunobiológicos e suas substâncias ativas, sangue e hemoderivados;

VIII - órgãos, tecidos humanos e veterinários para uso em transplantes ou reconstituições;

IX - radioisótopos para uso diagnóstico in vivo e radiofármacos e produtos radioativos utilizados em diagnóstico e terapia;

X - cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco;

XI - quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por engenharia genética, por outro procedimento ou ainda submetidos a fontes de radiação.[iii]

Já os serviços a serem fiscalizados são os “voltados para a atenção ambulatorial, seja de rotina ou de emergência, os realizados em regime de internação, os serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, bem como aqueles que impliquem a incorporação de novas tecnologias”. (BRASIL. Op. cit. art. 8º, § 2º)

Submetem-se ao regime de vigilância sanitária as instalações físicas, equipamentos, tecnologias, ambientes e procedimentos envolvidos em todas as fases dos processos de produção dos bens e produtos anteriormente citados, inclusive de seus resíduos.

A Lei prevê ainda a hipótese de regulamentação de outros produtos e serviços de acordo com a conveniência da agência, desde que sejam inerentes ao controle de riscos à saúde da população.

Demais disto, outras ações específicas são previstas na Lei, visando resguardar a saúde da população em ocorrência de situações específicas, como, por exemplo, diante da ocorrência de uma epidemia.

Nota-se de tudo isto, que a ANVISA tem uma atuação bastante abrangente, atuando desde a prevenção de danos e riscos até o efetivo controle sobre tais. Para tanto, atua tanto de maneira pedagógica, quanto repressiva, representando, desta forma, um importante instrumento para consecução dos direitos constitucionais da saúde e do próprio direito à vida.

3. O CONTROLE ESTATAL X DIREITOS DO PACIENTE NO ENFRENTAMENTO DA OBESIDADe

3.1. A OBESIDADE COMO DOENÇA

A Wikipedia define a obesidade como sendo:

uma condição médica na qual se verifica acumulação de tecido adiposo em excesso ao ponto de poder ter impacto negativo na saúde, o que leva à redução da esperança de vida e/ou aumento dos problemas de saúde. Uma pessoa é considerada obesa quando o seu índice de massa corporal (IMC) é superior a 30 kg/m2. Este valor é obtido dividindo o peso da pessoa pelo quadrado da sua altura.[iv]

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A obesidade está catalogada no Código Internacional de Doenças (CID 10) com o código E66 e está associada a várias comorbidades como diabetes mellitus tipo 2, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, apneia do sono, problemas psicossociais, doenças ortopédicas e diversos tipos de câncer.

A doença tem como causa fatores genéticos aliados a fatores comportamentais. Ano após ano são identificados novos genes e regiões cromossômicas associados com a obesidade.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2015 o mundo terá 2,3 bilhões de pessoas com excesso de peso e 700 milhões de obesos, o que indica um aumento de 75% dos casos de obesidade em relação à pesquisa de 2005.

Para H. F. BISCHOFF, a obesidade é uma doença poderosa, e passível apenas de  controle, e não de cura. Para BISCHOFF:

Na verdade, o paciente obeso não tem o conhecimento que o seu comportamento está determinado pela doença.  Aquilo que ele acredita que é seu estilo de vida é repetido pela grande maioria da população obesa. Esse paciente está realizando diariamente o comportamento imposto pela doença compulsiva. Ao aprofundarmo-nos mais nesse determinismo pré-estabelecido constatamos, muitas vezes, que nosso paciente, ao nos pedir ajuda para emagrecer, está pedindo uma ajuda temporária, enquanto suas forças lhe permitem mudar de estilo de vida, até que o processo de recaída mine suas forças e ele passe a abandonar o tratamento paulatinamente.  Parece que a “doença permite” a esse paciente, temporariamente, diminuir seus problemas relacionados à obesidade até que ele possa, novamente, voltar ao seu ato compulsivo de comer sem que isso lhe gere sentimento de culpa.[v]

Após inúmeros estudos, BISCHOFF traça um perfil psicológico que, segundo ele, é encontrado em todos os obesos. Da mesma forma, observa um comportamento compulsivo que se repete diariamente no período que compreende as 16 às 21 horas estritamente no ambiente doméstico. Tal processo compulsivo é marcado por diversos lanches e petiscos que, por sua vez, alimentam ainda mais o comportamento compulsivo.

A obesidade, além de afetar os indivíduos fisicamente, também traz grandes prejuízos psicológicos e sociais.

Isso porque, o descontrole traz uma sensação de frustração e o paciente não se sente motivado para iniciar um tratamento. A baixa autoestima dificulta os relacionamentos sociais e interferem no comportamento sexual.

Finalmente, ressalta-se que a redução de 5% a 10% do peso corporal já é suficiente para reduzir os riscos de aparecimento de doenças associadas à obesidade, dando início a um processo de emagrecimento, que, segundo a unanimidade dos médicos que tratam a doença, deve ser acompanhado por profissionais de diversas áreas do início até o fim, sendo necessário, inclusive, um período próprio de consolidação do novo peso, sob pena de o obeso voltar a engordar, posto que tende a repetir seu comportamento compulsivo indefinidamente.

3.2 TRATAMENTO COM SUBSTÂNCIAS ANOREXÍGENAS  - PRÓS E CONTRAS

Primeiramente, necessário ressaltar que os medicamentos objeto da proibição contida na Resolução nº 52/2011 da ANVISA, a saber: Anfepramona ou dietilpropiona e femproporex são anfetamínicos, isto é, derivam do grupo das anfetaminas, mas não são anfetaminas.

Os medicamentos foram proibidos com base em Nota Técnica emitida pela própria ANVISA, onde, se concluiu pela sua ineficácia e falta de segurança.

Vários pontos da referida nota técnica são questionados pela classe médica, que consideram o documento tendencioso e seletivo, visto que utilizou dados convenientes ao resultado final que se esperava obter, ou seja, de que as substâncias não seriam eficazes.

Segundo o relatório preparado pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, verifica-se logo de pronto a distorção de alguns dados informados na nota técnica, dentre eles o uso de anoréticos pelo mundo. Na nota, a ANVISA afirma que os países europeus não utilizam os medicamentos anfepramona, femproporex e mazindol, objeto do estudo, desde 1999 e, nos EUA, os medicamentos nunca foram registrados.

Para a SBEM, tais comentários são superficiais, em se tratando de uma nota técnica e nem de longe dão a dimensão do uso dos anoréticos pelo mundo. A Sociedade rebate esse ponto da nota técnica citando várias fontes de pesquisa, destacando que o consumo permanece nas Américas, especialmente nos EUA e na Argentina, sendo que a droga mais consumida em 2008 foi a fentermina (67%) seguida pelo femproporex (18%). Ressalta ainda que em 2008, os EUA, seguido da Argentina, foi o país com maior consumo per capita dos medicamentos anorexígenos, respondendo por 58% do consumo global. Além disso, o consumo aumentou na África e Oceania em 2008, data do último relatório até então emitido pela Convenção das Nações Unidas.

O relatório continua, argumentando ponto por ponto a Nota ténica da ANVISA, mencionando, em síntese, que as fontes utilizadas nos estudos não são confiáveis, posto que as pesquisas citadas não envolveram o arsenal terapêutico disponível para o tratamento da obesidade, dentre os quais destacam-se os medicamentos responsáveis por contrabalancear alguns dos efeitos colaterais das drogas.

A esse respeito, cita-se Paumgartten (2011), para quem os anorexígenos causam modesta redução do peso corporal, cuja manutenção não subsiste com o final do uso do fármaco. O professor cita ainda os efeitos adversos centrais e cardiovasculares observados com a sibutramina, femproporex, mazindol e anfepramona, que, segundo entende, tornam insustentável a manutenção desses medicamentos no mercado.

De acordo com Mariz (2004), o femproporex, especificamente, causa alterações neurológicas, inclusive comportamentais e cardiovasculares, como arritmia cardíaca e até colapso cardiovascular.

A literatura médica mais frequente aponta unanimemente aos medicamentos femproporex, anfepramona e mazindol, efeitos colaterais como boca seca, euforia, irritabilidade, inquietação, delírios e até mesmo surtos de esquizofrenia paranoide.

Para Alfredo Halpern, fundador da Associação Brasileira para o Estudo de Obesidade (ABESO), e uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, os efeitos colaterais são uma possibilidade em qualquer medicação ao passo que, no caso dos anoréticos, os benefícios a eles se sobrepõem.

HALPERN, afirma, em carta enviada à ANVISA em 2010, que:

A obesidade é doença complexa, multifatorial e que a convicção de que só dieta e atividade física podem resolver o problema é inconsistente, não só na minha opinião como na opinião de estudiosos do assunto de nível nacional e internacional.  Neste contexto, boa parte dos pacientes obesos, sobretudo os que têm graves consequência advindas da obesidade (como diabetes, hipertensão, infarto, derrame, câncer, apneia do sono, etc) necessitam de outros recursos, além da tentativa de mudança de estilo de vida, para emagrecer e poder ter melhora destas complicações.[vi]

Rosana Radominski, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia afirma que:

Os pilares do tratamento da obesidade são  adoção de mudanças  de estilo de vida, com orientação dietoterápica e aumento da atividade física. No entanto, apenas 30% a 40% dosobesos conseguem bons resultados com as medidas conservadoras. Precisam de medicamentos. É importante ressaltar que o uso destes fármacos controla a doença, melhora a aderência às medidas comportamentais, mas não cura a obesidade.[vii]

Acerca dos efeitos colaterais, a especialista salienta que:

Não existe droga totalmente segura. O que existe é aquela cujos benefícios são maiores que os riscos.  Eu sou favorável à manutenção dos medicamentos anorexígenos no mercado. O que vai acontecer se aAnvisa suspender estes medicamentos? Haverá uma corrida para o mercado negro, para o uso de substâncias milagrosas e mesmo para o uso de medicações que não tem indicação formal no tratamento da obesidade como o topiramato e a bupropiona. Hoje, já se observa o uso indiscriminado do mais recente lançamento para o tratamento do diabetes tipo 2, o liraglutide, um medicamento injetável, que já está sendo largamente utilizado no tratamento de obesos não obesos.  É um excelente medicamento, mas ainda não está aprovado para o uso em obesos não diabéticos.[viii]

Cita-se ainda o posicionamento do Dr. Amélio de Godoy-Matos, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia:

A proibição dos remédios em nada ajuda a resolver o problema. O tratamento da obesidade sempre será baseado nas mudanças de estilo de vida, principalmente na orientação alimentar. Mas, todos os estudos, com qualquer droga, comparada a dieta e exercícios, mostram que as drogas são superiores a dieta e exercício isoladamente. Nas diretrizes da ABESO, demonstramos claramente que esses são os fatos. Droga segura? As drogas para obesidade são seguras! A dificuldade em reconhecer isso parte de uma tremenda falta de conhecimentos básicos da medicina baseada em evidência. E de uma dose extrema de preconceito. Os remédios em geral trazem riscos à saúde. Os da obesidade não são piores. Quer exemplos? Um anticoncepcional oral aumenta em 250 vezes o risco de uma mulher jovem sofrer um acidente vascular cerebral. Os anti-inflamatórios aumentam em até 3 vezes ( ou risco relativo de 300%) o risco de infarto em pessoas saudáveis e mais ainda naqueles que já têm doença coronariana. A aspirina aumenta o risco de hemorragia digestiva e de sangramento no cérebro. Em estudos nos EUA, mostrou-se que atendimentos em serviços de emergência por eventos associados a drogas tem a digoxina e a warfarina como os primeiros lugares. Mas, drogas como amoxicilina e outros antibióticos estão nos primeiros lugares. Logo, sejamos coerentes,  o médico que prescreve tem de conhecer os riscos dos remédios para emagrecer, mas esses riscos não são maiores do que outros que usamos mesmo sem receita, como acetaminofen.[ix]

O estudo realizado por HALPERN, e publicado no International Journal of Obesity avaliou a eficácia e segurança da dietilpropiona por um ano, com ênfase na segurança cardiovascular e psiquiátrica. Após avaliar a utilização do medicamento dietilpropiona 50 mg (anfepramona) duas vezes ao dia em 69 pacientes obesos por seis meses, seguido de uma fase de extensão de mais seis meses, onde todos os pacientes passaram a receber dietilpropiona numa fase aberta na mesma dose, a conclusão foi a seguinte:

Os pacientes realizaram avaliação bioquímica, eletrocardiograma e ecocardiograma no início do estudo e após seis e 12 meses. A cada três meses os pacientes foram avaliados por psiquiatras experientes que aplicaram as escalas de Hamilton para ansiedade e depressão. Como resultado, observamos que o grupo que recebeu dietilpropiona perdeu uma média de 9,8% do peso corporal vs. 3,2% no grupo placebo (p<0,0001). Ao final de 12 meses, o grupo que recebeu dietilpropiona desde o início do estudo perdeu 10,6% do peso, indicando que a dietilpropiona foi eficaz na perda de peso e manutenção em longo prazo. Não houve diferença no nível de pressão arterial, frequência cardíaca, parâmetros eletrocardiográficos e avaliação psiquiátrica entre os grupos. Boca seca e insônia foram os eventos adversos mais frequentes no grupo ativo, porém sem diferença significativa após três meses de tratamento. Nossos achados reforçam que a dietilpropiona produz perda de peso sustentada e clinicamente significativa e parece ser segura do ponto de vista psiquiátrico e cardiovascular. Entretanto, é importante salientar que a população do estudo tinha baixo risco cardiovascular e era saudável do ponto de vista psiquiátrico. Nosso estudo confirma que o uso ético e criterioso dos anorexígenos, escolhendo o paciente adequado, utilizando doses preconizadas na literatura médica, pode ser seguro e efetivo para o tratamento da obesidade.[x]

A respeito da eficácia das substâncias anorexígenas, GEBRIM e GEBRIM destacam que a obesidade é uma doença crônica (CID - E66) e como tal, é passível de controle e não de cura. O tratamento inclui, além da administração de medicamentos, atividades físicas, acompanhamento nutricional e psicológico, sendo imperativo o auxílio dos medicamentos emagrecedores se constatadas doenças metabólicas associadas ao sobrepeso. Reforçam ainda que:

Voltamos a dizer que a obesidade não tem cura, mesmo com o advento das cirurgias Bariátricas, que quando bem orientadas e executadas, trazem benefícios ao obeso, não curam a obesidade, havendo um alto índice de recidiva da doença. Na realidade há um desconhecimento e abuso de prescrições destes fármacos, somados a uma gama de mitos e associações mirabolantes, com dietas de puro modismo e pouco profissionalismo, ilustrando, assim, a dificuldade do tratamento (sempre dizemos controle, pois inexiste ainda, um tratamento) da obesidade. A prima prova de que tais medicações são eficazes é a de que quando se para de ingeri-las, volta-se a ganhar peso, e a baixa da autoestima, característico sintoma nos obesos, impedem de manterem as outras atividades que os induzam a perda (e manter) seu novo peso.[xi]

GEBRIM E GEBRIM traçam um paralelo entre a obesidade e outras doenças, questionando se poderia um paciente portador de Diabetes Mellitus tipo I (insulino dependente) parar de tomar sua insulina mesmo estando com níveis glicêmicos aceitáveis e hemoglobina sem desequilíbrio recente. A resposta é negativa. Da mesma forma conclui que um paciente com alterações alimentares deve ser tratado com medicamentos e estes não devem ser bruscamente retirados ainda que alcançado o peso desejado.

4. A RESOLUÇÃO Nº 52/2011 E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM CHOQUE

Os direitos fundamentais possuem significado ímpar na Constituição Federal, onde foram escritos em setenta e sete incisos e dois parágrafos.

Para José Afonso da Silva “a expressão direitos fundamentais do homem são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana”[xii]

São direitos de aplicação imediata, conforme definido expressamente pela Constituição, em seu art. 5º, § 1º, e possuem as características de: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade.

A Constituição Federal agrupa os direitos fundamentais com base no critério de seu conteúdo. Assim, tem-se: 1) direitos individuais (art. 5º); 2) direitos à nacionalidade (art. 12); 3) direitos políticos (arts. 14 a 17); 4) direitos sociais (arts 6º e 193 e ss.); 5) direitos coletivos (art. 5º); e 6) direitos solidários (arts. 3º e 225).

O direito à saúde é um dos direitos sociais e vem disciplinado no art. 196 e seguintes da Constituição Federal. O texto constitucional diz que:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Em seguida, no art. 197, a Carta Constitucional define como de relevância pública as ações e serviços de saúde, “cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

Nota-se, pois, a natureza positiva do direito à saúde, sendo o Estado responsável por garantir a implementação desse direito social. A respeito já decidiu o STF:

PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito Público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.[xiii]

Como visto, o Direito à Saúde é corolário do Direito à Vida e edifica-se mediante uma série de ações positivas do Estado. Contudo, é possível destacar ainda a sua natureza negativa, de onde se extrai a abstenção, pelo Estado e por terceiros, de atos que prejudiquem o direito garantido.

Em choque aos interesses defendidos pela ANVISA, quando da Resolução objeto do presente estudo, cita-se o direito à escolha de tratamento como prerrogativa médica, além do próprio direito à saúde, posto que, conforme afirma a unanimidade de médicos endocrinologistas e nutrólogos, os pacientes antes tratados com femproporex, anfepramona e mazindol ficaram sem opção de tratamento, haja vista não responderem bem à única opção de medicamento que lhes restou, a saber: a sibutramina.

A respeito, Marcio C. Mancini, Membro do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO) afirma que:

Há dezenas de doenças associadas à obesidade. Seria enfadonho enumerá-las. Alguns remédios para hipertensão e diabetes fornecidos gratuitamente representam uma gota d’água no oceano do arsenal de remédios imprescindíveis para as complicações inerentes ao excesso de peso. Além deles, seriam necessários aparelhos para apnéia do sono, próteses ortopédicas, aparelhos de videolaparoscopia, e aumento do número de leitos hospitalares para internação das complicações cardio e cerebrovasculares e dos cânceres associados à obesidade. Problemas psicológicos e sociais vão desde a redução da auto-estima, passam pelo bullying na idade escolar e na idade adulta e culminam no aumento do absenteísmo, caracterizado pelas licenças médicas, pela aposentadoria mais precoce e pelas faltas ao emprego devido à obesidade. Abandonar o tratamento da obesidade, ou restringi-lo às mudanças comportamentais (que os profissionais de saúde já incentivam e promovem) significa assumir a responsabilidade pelas comorbidezes associadas a esta grave doença crônica chamada obesidade. Serão graves as consequências da retirada desses medicamentos para os pacientes que os vêm utilizando com sucesso (os bons respondedores nos estudos clínicos). Mais grave ainda será para a população obesa mais pobre (camada socioeconômica onde a obesidade vem crescendo de forma alarmante), que terá como alternativa para auxílio medicamentoso, apenas um medicamento, o orlistate, com o custo mensal de mais de duzentos reais.[xiv]

Em contrapartida, a ANVISA permanece afirmando que agiu em defesa do interesse comum, visando preservar a saúde da população.

5. CONCLUSÃO

Ao término desta breve análise, conclui-se, primeiramente que os medicamentos derivados das anfetaminas e que foram objeto da proibição contida na Resolução nº 52/2011, da ANVISA, possuem benefícios que superam seus riscos, não havendo, pois, qualquer embasamento técnico capaz de dar suporte à decisão contida na Resolução objeto do estudo.

Os pacientes obesos tratados com as substâncias anorexígenas tiveram uma interrupção brusca em seus tratamentos, não havendo no mercado farmacêutico nenhum medicamento que possa substituir os que foram proibidos com igual eficácia. Verifica-se, pois, juridicamente, uma limitação do Direito à Saúde, garantido constitucionalmente, e que abarca o direito pelo tratamento mais adequado.

Salienta-se que, por tratamento mais adequado, entende-se aquele prescrito por médico especialista de confiança do paciente, após a análise do caso concreto.

Nota-se, pois, um choque de interesses, ainda que fundados no mesmo fato gerador. De um lado, a classe médica segue sustentando que a proibição trazida pela norma objeto do estudo fere o direito à saúde dos pacientes tratados com tais substâncias, o que, como já dito, restou concluído no presente estudo. De outro lado, a ANVISA segue defendendo que a proibição é resultado de uma atuação que visou resguardar exatamente o direito à saúde da população, que, segundo entende, estaria ameaçado pelo uso indiscriminado das substâncias anorexígenas.

É ainda a conclusão no sentido de afirmar que a ANVISA, ao editar a Resolução analisada, extrapolou os limites de seu poder normativo, ao passo que inovou na ordem jurídica, criando restrições a direito fundamental assegurado aos administrados, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.

Finalmente, necessário ressaltar o quão prejudicial vem sendo a manutenção, no mundo jurídico,  da norma em estudo, posto que, conforme verificado após o estudo multidisciplinar, a atuação da ANVISA deixou milhões de doentes à mercê do mercado negro para venda de anorexígenos, além do uso de medicamentos off label (criados para tratar outras doenças), e de cirurgias bariátricas, sendo todas estas alternativas capazes de colocar em risco a vida dos doentes. Em contrapartida, aqueles que não se submetem às práticas citadas, veem sua saúde se perder em razão do descontrole da doença, com o surgimento de diversas comorbidades associadas à obesidade.

Felizmente, o poder normativo das agências reguladoras não é ilimitado, podendo ser inclusive objeto de controle por qualquer dos três poderes, o que pode ocorrer ainda neste ano, caso seja aprovado pelo Senado o Decreto Legislativo nº 52/2014, de Autoria do Deputado Federal Beto Albuquerque, que susta a Resolução nº 52/2011, da ANVISA.


[i] BRASIL. Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999:

Art. 2º  Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária:

[...]

II - definir o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária;

III - normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde;

IV - exercer a vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras, podendo essa atribuição ser supletivamente exercida pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios;

V - acompanhar e coordenar as ações estaduais, distrital e municipais de vigilância sanitária;

VI - prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;

VII - atuar em circunstâncias especiais de risco à saúde;

[ii] BRASIL. Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Art. 7º, incisos I, II, IV e XV.

[iii] BRASIL. Op. cit. art. 8º, §1º,  I a XI.

[iv]Dicionário Online. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Obesidade.> Acesso em Jul 2014.

[v] BISCHOFF, Henri. Aspectos Psicológicos  da obesidade. Out 2012. Disponível em <www.henribischoff.com> Acesso em  17 de agosto de 2014.

[vi] HALPERN, Alfredo. Disponível em <http://m.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/878003-em-carta-medico-rebate-argumentos-contra-emagrecedores.html>. Acesso em 13 de julho de 2014.

[vii] RADOMINSKI, Rosana. Disponível em <http://www.endocrino.org.br/anorexigenos-reportagem-o-globo/> Acesso em 13 de julho de 2014.

[viii] RADOMINSKI, Rosana. Disponível em http://www.endocrino.org.br/anorexigenos-reportagem-o-globo/>  Acesso em 13 de julho de 2014.

[ix]GODOY-MATOS, Amelio. Disponível em <http://www.endocrino.org.br/anorexigenos-reportagem-o-globo/> Acesso em 13 de julho de 2014.

[x] Cercato C, Roizenblatt VA, Leança CC, Segal A, Lopes Filho AP, Mancini MC, Halpern A. A randomized doubleblind placebo-controlled study of the long-term efficacy and safety of diethylpropion in the treatment of obese subjects. Int J Obes (Lond).2009 Aug; 33(8):857-65. Disponível em <http://www.abeso.org.br/pagina/282/anorexigenos.shtml> Acesso em 19 de agosto de 2014.

[xi] GEBRIM, Victor de Castro. GEBRIM, José Humberto. Proibição dos Emagrecedores. Disponível em <http://www.senado.gov.br/senado/portaldoservidor/jornal/Jornal129/Imagens/Emagrecedores/PROIBI%C3%87%C3%83O%20DOS%20EMAGRECEDORES.pdf> Acesso em 13 de julho de 2014.

[xii] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 179.

[xiii] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271286, da 2ª Turma. Brasília, DF, 12.09.2000. www.stf.jus.br, 26.08.2014.

[xiv] MANCINI, Marcio C. A visão distorcida e o preconceito em relação a remédios para emagrecer. Disponível em  http://www.abeso.org.br/pdf/Artigo%20-%20Preconceito%20com%20anorexigenos.pdf> Acesso em 19 de agosto de 2014.

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