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A adoção em famílias homoafetivas

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Agenda 08/03/2015 às 10:38

3 HOMOAFETIVIDADE NA ADOÇÃO

A questão da possibilidade da adoção por casal formado por pessoas do mesmo sexo gera muitos conflitos, ainda mais em função de que o legislador silenciou frente às uniões homoafetivas. Atualmente, a mídia tem tocado muito no assunto. Muitos profissionais das ciências humanas e sociais e psicólogos posicionam-se favoravelmente à educação de menores por homossexuais. De acordo com Maria Berenice Dias, “já estava mais do que na hora de a Justiça reconhecer que os homossexuais têm capacidade de constituir uma família e plenas condições de criar, educar, proteger e amar uma criança.”[137]

É certo que é uma evolução para a nossa sociedade e que não se muda a mentalidade cultural de uma hora para a outra. A família, nos moldes tradicionais e enquanto base de uma sociedade, ainda é vista sob o crivo de concepções bastante conservadoras.

Há muitos casais homossexuais que formam uniões estáveis, dispostos a adotarem, juridicamente um menor. No entanto, há crença de que a falta de referências comportamentais de ambos os sexos possa acarretar seqüelas de ordem psicológica e dificuldades na identificação sexual do adotado, havendo tendência a tornar-se um homossexual. É levantada, ainda, a questão da possibilidade do filho adotado ser alvo de gozações, ser censurado e distanciado do meio que freqüenta, podendo lhe acarretar perturbações psíquicas ou problemas de inserção social.

Maria Berenice Dias afirma que:

Essas preocupações são afastadas com segurança por quem se debruça no estudo das famílias homoafetivas com prole. As evidências apresentadas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao desenvolvimento moral ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano sequer potencial, ou risco ao sadio desenvolvimento dos vínculos afetivos. Igualmente nada comprova que a falta de modelo heterossexual acarretará perda de referenciais a tornar confusa a identidade de gênero. Diante de tais resultados, não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere patologias na prole. Assim, nada justifica a visão estereotipada de que a criança que vive em um lar homossexual será socialmente estigmatizada ou terá prejudicada a sua inserção social.[138]

Neste sentido, Andrade afirma que a orientação sexual não é o motivo determinante no desenvolvimento da criança:

A afirmação de que uma criança não deve conviver com um homossexual, sob acusação deste levar uma vida desregrada, diferente dos padrões normais impostos pela sociedade, e que essa convivência pode alterar o desenvolvimento psicológico e social da criança não deve prosperar, uma vez que se fundamenta em suposições preconceituosas. A orientação sexual não é causa determinante no desenvolvimento de uma criança, até porque, muitos heterossexuais têm vidas atribuladas e desregradas e seus filhos não adquirem tais características. [139]

Salienta-se que, mesmo assim, há pessoas que preferem deixar uma criança em total abandono, desamparadas nas ruas, à mercê de traficantes e da violência do que inseri-las em uma família, seja formada por pessoas de mesmo sexo ou por heterossexuais.A possibilidade da adoção por homossexuais auxilia a diminuir a quantidade de crianças e adolescentes abandonados, jogados à marginalidade, permitindo que esses adotados sejam educados com assistência material, moral, intelectual e afetiva.

Para  Santana:

Permitir a adoção por homossexuais ajudaria a minimizar o drama destas crianças e adolescentes, pois poderiam ser educados com toda a assistência material, moral e intelectual e receber afeto, amor carinho, para no futuro se tornarem adultos normais e aptos para uma vida como a de qualquer outra criança nascida e criada em um lar comum, em vez de serem relegadas ao abandono e à marginalidade.[140]

Quando um heterossexual ingressa com pedido de adoção, independentemente de seu estado civil, a autoridade judiciária competente determinará que tal pessoa se submeta ao método de seleção por assistentes sociais e psicólogos, que atestarão a conveniência de deferimento do pedido, por intermédio de estudo detalhado, incluindo visita domiciliar e avaliação psicológica, para perceber se a pessoa é apta para adotar, bem como se a criança sente-se confortável no ambiente familiar substituto. Este mesmo processo ocorre quando um homossexual entra com o pedido de adoção.[141]

Neste sentindo, Maria Berenice Dias esclarece:

Tais situações, ao desaguarem no Judiciário, muitas vezes se confrontam com a ideologia do juiz, que hesita em identificar a melhor solução, deixando de atentar no prevalente interesse da criança. Mas não ver a realidade é usar o mecanismo da invisibilidade para negar direitos, postura que revela nítido caráter punitivo. Posturas pessoais ou convicções de ordem moral de caráter subjetivo não podem impedir que se reconheça que uma criança, sem pais nem lar, terá uma melhor formação se integrada a uma família, seja esta formada por pessoas de sexos distintos ou não.Não arrostar a realidade resulta numa triste seqüela: os filhos ficam à mercê da sorte, sem qualquer proteção jurídica. Deixar a criança no total desamparo é negar-lhe o direito à vida, livrando os pais da responsabilidade pela guarda, educação e sustento de quem é criado e tratado como filho.[142]

Não deve ser olvidado que grande parte das crianças que estão disponíveis para serem adotadas foram abandonadas pelos pais ou maltratadas por eles, salientando-se, ainda que, quanto mais idade a criança tem, menos chances de entrar numa família substituta ela terá.

O Brasil é um país onde há muita miséria, há milhões de analfabetos, há grandes índices de exploração infantil, prostituição infantil, há ainda excesso de mortalidade infantil visto que a população não possui condições higiênicas adequadas. Ocorre o abandono de bebês recém nascidos nas ruas, nas portas das casas, no lixo e até mesmo em rios. Não há uma estatística precisa destes crimes bárbaros, até porque muitos bebês não são encontrados.

Devemos levar em conta que as crianças levadas à adoção, na maioria das vezes, não são crianças amadas e bem cuidadas pelos pais. Grande parte são crianças que sofreram abusos sexuais, foram espancadas, maltratadas e, muitas vezes, abandonadas pelos seus pais. É importante salientar, que os pais que fizeram isso com essas crianças eram, na maioria das vezes,  heterossexuais.

A adoção, sendo ela em famílias homossexuais ou heterossexuais, oferece uma nova oportunidade para essas crianças, que terão um lar onde possam se alimentar corretamente, ter uma boa educação, serem amadas e respeitadas.

Para Vieira, a adoção de um menor dependerá das vantagens para este e dos motivos legítimos da adoção:

Cabe lembrar que a adoção será deferida quando apresentar vantagens reais para o adotando e fundar-se em motivos legítimos (art. 43 do ECA). Assim,a adoção dependerá da conduta do adotando, não importando se é hetero ou homossexual.[143]

De acordo com Maria Berenice, a adoção por homossexuais é rejeitada indisfarçavelmente pelo preconceito. Identificar os vínculos homoparentais como promíscuos gera a falsa idéia de que não se trata de um ambiente saudável para o bom desenvolvimento de uma criança.[144]  Assim, certamente, se há algum problema na homoafetividade dos pais substitutos dessas crianças, nem se compara ao já sofrido por elas anteriormente quando estavam abandonas ou até mesmo quando estavam na convivência de seus pais heterossexuais, os quais foram destituídos de seu pátrio poder.

Na realidade, não pode ser privilégio somente de heterossexuais constituir um ambiente familiar apropriado, proporcionando reais vantagens ao adotando, tanto material como psicologicamente, indo de encontro com o melhor interesse do  menor e de todos os seres humanos que estão, realmente, determinados e preparados para a maternidade ou paternidade.

 3.2 ADOÇÃO POR SOLTEIRO HOMOAFETIVO

Em nosso ordenamento jurídico não existem obstáculos para que um homossexual solteiro, feminino ou masculino, adote uma criança ou um adolescente. Sob o aspecto jurídico o juiz não deve indeferir a adoção só pelo fato do requerente ser homossexual. Os casos devem ser analisados individualmente, sem preconceito, com estudos minuciosos de  psicólogos e assistentes sociais, devendo o juiz levar em conta os interesses do menor ou adolescente, avaliando, se de fato, a pretensão do adotante se fundamenta em motivos legítimos. [145]No entanto, há divergências sobre esta questão. Parte da doutrina e jurisprudência apóiam sua possibilidade, porém, os estudiosos mais conservadores manifestam total repúdio.

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Entretanto, cabe salientar que o art. 5° da Constituição Federal assegura que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. O ECA também não faz menção de que um homossexual não poderá adotar, porém, pode ser levado em conta o seu  art. 29[146], que não traz expressamente a possibilidade de adoção por pessoa homossexual, mas também não a veda. [147]

De acordo com Fernandes, este dispositivo traz uma fórmula ampla que permite a análise de cada caso de pedido de adoção por um homossexual solteiro.

A equipe técnica, o membro do Ministério Público e o juiz, diante do parâmetro legal do art. 29 do ECA, deverão verificar, concretamente, se o interessado preenche os requisitos, oferece ambiente familiar adequado. Em qualquer hipótese, tem de prevalecer o melhor interesse da criança ou do adolescente. E o preconceito, a prevenção quanto à orientação sexual do adotante, além de ser injusta, retrógrada e inconstitucional, não pode prevalecer diante das necessidades, expectativas e proteção do adotado. Portanto, o caso concreto deve ser estudado para se concluir se a adoção é conveniente ou não.[148]

Neste sentido, Bandeira expõe:

Destarte, cada caso deve ser analisado per si , sem preconceito e com o auxílio imprescindível da equipe interprofissional, através de estudos minuciosos de psicólogos e assistentes sociais, devendo o juiz perscrutar os interesses superiores da criança ou adolescente,a ferindo, se de fato, a pretensão do adotante se funda em motivos legítimos.A despeito da opção sexual do homossexual solteiro, deve ser aferida a sua conduta social nos diversos grupos integrantes da sociedade, a sua reputação, o seu comportamento extravagante ou discreto observando-se o eventual desvio de conduta que possa efetivamente comprometer a formação moral do adotado.[149]

De acordo com o Código Civil de 2002, as pessoas maiores de 18 anos poderão adotar um menor ou adolescente, independentemente de seu estado civil. No mesmo entendimento, Silva Junior afirma:

Como princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, em matéria de adoção, volta-se mais à estrutura emocional e ao comportamento sócio-ético-moral dos adotantes do que às suas orientações sexuais, são despiciendas as celeumas sobre a possibilidade de adoção por homossexual solteiro; preconceituosas as opiniões contrárias e justa a construção doutrinária que a defenda, uma vez ser muito clara a legislação pátria a esse respeito.[150]

Ainda neste sentido, o promotor José Luiz Mônaco da Silva se manifesta:

Nem o Código Civil, nem o Estatuto da Criança e do Adolescente, nem outro diploma legal regulam a possibilidade de um homossexual pleitear a guarda de uma criança ou de um adolescente. Em contrapartida, não há nenhum preceito legal vedando, expressa ou implicitamente, o deferimento da medida a homossexuais.[151]

Para Flavia Ferreira Pinto:

O entendimento de que não há impedimento legal para a adoção por homossexuais é admitida mesmo por aqueles que se manifestam contrariamente à colocação em família substituta nesses casos. Assim sendo, impossível o indeferimento do pedido de adoção efetuado por homossexuais com base unicamente em fundamentos legais.[152]

Por outro lado, há, ainda, os doutrinadores que possuem um enorme preconceito e resistência, alegando que pode haver um dano potencial ao menor, o que traria, no futuro, seqüelas de ordem psicológica nas crianças ou até mesmo em adolescentes. Dentre os doutrinadores que seguem esta linha de entendimento menciona-se Brito:

Muito embora não haja nenhum impedimento legal, entendemos que esta adoção não deveria ser possível, pois o adotado teria um referencial desvirtuado de mãe e pai, além de problemas sociais de convivência em razão do preconceito, condenação e represália por parte de terceiros, acarretando um risco ao bem-estar psicológico do adotado que não se pode ignorar.[153]

De acordo, entendendo que se o requerente é homossexual, a adoção não deverá ser deferida, expõe Carvalho:

Da relação homossexual pode resultar satisfação afetiva e sexual, sem relevância, no entanto para o Poder Público, porque dali não são gerados filhos. Isso porque,se filhos houver, receberão tutela do Direito de Família, mas a relação da qual se originaram será formada entre uma das patês e um terceiro, e não aquela homossexual, por razões fisiológicas. Nem poderá ter por mãe homossexual do sexo masculino a criança adotada, em face do necessário estabelecimento de papéis para a formação psíquica da criança, como largamente é tratado o tema pela psicologia.[154]

Porém, de acordo com Fernandes:

Argumenta-se, para combater a adoção por homossexuais, que a mesma representa uma forte influência na orientação sexual do adotado, que tenderia a ser também homossexual. Isto não procede!Não há estudo sério que indique que os filhos têm de seguir as preferências sexuais dos pais, e aprova maior disso é que há muitos filhos homossexuais de casais heterossexuais.[155]

Pode ser verificado, portanto, que os juristas reconhecem a inexistência de impedimento legal para a adoção por homossexuais solteiros. Porém, alegam seu posicionamento contrário em questões relacionadas à moral e ao que julgam ser melhor para o desenvolvimento psicológico do adotando.No entanto, grande parte da doutrina e até jurisprudência, manifestam-se favoravelmente a adoção por homossexual solteiro, posto que a adoção por pessoa de orientação sexual diferente da convencional não representa, por si só, uma espécie de atentado à integridade moral do menor.Neste mesmo pensamento, tem-se a decisão do Desembargador Jorge Magalhães do Rio de Janeiro:

Adoção cumulada com destituição do pátrio poder. Alegação de ser homossexual o adotante. Deferimento do pedido. Recurso do Ministério Público. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos sente agora orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação de homossexualidade do adotado, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido.[156]

Ainda, neste sentido, há outras decisões:

ADOÇÃO - Pedido efetuado por pessoa solteira com a concordância da mãe natural - Possibilidade - Hipótese onde os relatórios social e psicológico comprovam condições morais e materiais da requerente para assumir o mister, a despeito de ser homossexual - Circunstância que, por si só, não impede a adoção que, no caso presente, constitui medida que atende aos superiores interesses da criança, que já se encontra sob os cuidados da adotante - Recurso não provido.[157]

Nessa linha, é entendido que não há impedimento legal, nem razão alguma para se desaprovar a possibilidade jurídica de adoção por um homossexual solteiro, uma vez que a capacidade para adoção não deve ser relacionado com a sexualidade do adotante. Portanto,  o Estatuto da Criança e Adolescente não faz qualquer referência à orientação sexual do adotante. Por conseguinte, as mulheres solteiras, casadas, divorciadas, ou até mesmo homossexuais poderão adotar. Da mesma forma, os homens solteiros, casados, divorciados ou homossexuais poderão adotar um menor ou adolescente, desde que preencham os requisitos estabelecidos tanto pelo ECA, bem como pelo Código Civil, sendo que o requisito mais relevante é de que a colocação, em família substituta, somente deve ser deferida se houver reais vantagens para o adotando e que seja fundada em motivos legítimos. Todavia, quando se trata de adoção  por casal homoafetivo a situação muda de abordagem.

3.3 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

A adoção por alguém que mantenha uma união estável homossexual é mais complexa, pois a legislação não permite que os dois membros do casal constem como pais ou mães da criança adotada[158], já que a união entre homossexuais não é tida como união estável propriamente dita, e por não possuírem direito ao casamento. Na prática, o que se passa é o pleito da adoção por apenas um dos companheiros, com o intuito de constituir uma família monoparental, que na realidade não existirá.[159]

Há muitas crianças e adolescentes que estão inseridos em famílias homossexuais compostas por dois pais ou duas mães, porém, em função da dificuldade que um casal homoafetivo tem de obter a adoção, apenas um deles  pleiteia a adoção, e o menor acaba sendo adotado por apenas um dos membros do casal. Este menor fica desprotegido juridicamente, para com uma série de direitos, que teria caso fosse filho, legalmente, das duas pessoas.

Se o adotado está convivendo ou vai conviver, efetivamente, com duas pessoas que se amam e que oferecem uma estabilidade material e afetiva para lhe educar, não há porque não ser permitida a adoção pelo casal, independente ser heterossexual ou homossexual.

Silva Júnior avança nessa discussão ao afirmar:

Pela evolução das inegáveis aberturas jurisprudenciais e doutrinárias, bem como atendendo aos reclames sociais de minorias excluídas (homossexuais e milhões de crianças e adolescentes abandonados), haver-se-á por justo o reconhecimento da estabilidade ou solidez da união homossexual, no que tange à possibilidade de adoção, respeitando os sentimentos de maternidade e de paternidade dos companheiros do mesmo sexo, as suas orientações sexuais e, principalmente, verificando a predominância do melhor interesse do adotando (o que amplia a segurança jurídica do menor, no que concerne aos benefícios oriundos de uma filiação mais plena- alimentos e um duplo patrimônio,por exemplo). Assim, as reais vantagens de ser juridicamente filho de dois pais ou de duas mães, com o devido amparo legal, confronta-se com a realidade social de exclusão e de marginalidade que o filho adotado,por apenas um dos conviventes está exposto, quando do rompimento da relação ou da morte de um desses.[160]

À medida que o menor vive em uma família formada por casal homoafetivo e é adotado por apenas um dos companheiros, não pode desfrutar de qualquer direito com relação àquele que também reconhece como seu pai ou sua mãe. Caso ocorra a separação do par ou a morte do que não é legalmente o adotante, de nenhum benefício o adotando poderá usufruir. Este não poderá buscar qualquer direito a  alimentos nem benefícios de cunho previdenciário ou sucessório. Sequer o direito de visitas é regulamentado, mesmo que detenha a posse de estado de filho, acarretando prejuízos ao adotando. [161]

Neste sentido, Mônaco afirma:

Seja como for, há de se registrar aqui,ainda, a hipocrisia a que esta criança poderá estar submetida pela legislação, muito embora já se tenham avançado alguns progressos jurisprudenciais no sentido de contornar, do ponto de vista afetivo ao menos, tais situações. Refere-se à loteria a que se submete a criança nestes moldes adotadas não apenas no que respeita aos aspectos patrimoniais decorrentes principalmente da morte da pessoa que não o adotou, mas que pode também se verificar com o rompimento da relação mantida por seu(a) adotante com aquela pessoa que, de certa forma, o assumiu. È que a totalidade do patrimônio daquele que não constar de seu registro civil, não terá a criança qualquer direito, salvo se, no caso da morte, existir um testamento e inexistirem herdeiros necessários do(a) falecido(a). Por outro lado, a morte do(a) adotante pode representar um rompimento forçado da relação afetivo-familiar estabelecida entre a criança e o convivente homossexual sobrevivo, sempre que se negar a guarda da criança a este(a), [...][162]

Sobre o mesmo tema, para Maria Berenice Dias:

Caberia questionar se, ao menos, não é invocável a filiação socioafetiva, instituto que cada vez mais é reconhecido como gerador de vínculo parental. Diante dessas circunstâncias, é imperioso concluir que, de forma paradoxal, o intuito de resguardar e preservar a criança ou o adolescente resta por subtrair-lhe a possibilidade de usufruir direitos que de fato possui. Às claras essa limitação acarreta injustificável prejuízo e afronta a própria finalidade protetiva a quem a Constituição outorga especial atenção. [163]

É equivocada a alegação conservadora e preconceituosa de que os menores que são adotados por casais homossexuais serão discriminados pela sociedade, tendo prejudicado o seu desenvolvimento ou tornando confusa a sua identidade.  Isto porque são alegações fundamentadas unicamente em meras suposições preconceituosas, pois presumem que todos os homossexuais são promíscuos, que fazem de suas casas uma zona de libertinagem.

[...] muitos homossexuais levam vidas inteiramente ajustadas, completamente fora dos padrões estereotipados que se tenta generalizar, sem que sua preferência sexual tenha influência negativa determinante no adotando, ao contrário do que, eventualmente, pode ser observado em alguns heterossexuais que, mesmo enquadrados na visão normal da maioria, podem influenciar negativamente aquele a quem adotou, especificamente em função de sua conduta sexual. Ex.: mulher ninfomaníaca e/ou de vida sexual promíscua, recebendo diversos homens em sua residência, na qual convive uma adolescente a quem adotou; homem que costuma trocar de parceiras, trazendo-as para o interior do lar; que agride sexualmente suas empregadas domésticas.[164]

Ainda, neste ponto de vista, para Flávia Ferreira Pinto se o homossexual possui uma vida promíscua, desregrada, não terá condições de pleitear adoção de uma criança ou adolescente, porém, se obter boa conduta não há porque ser recusado seu pedido de adoção, conforme o transcrito abaixo:

Se o requerente, homossexual ou não, leva para sua residência pessoas de conduta moral duvidosa, entrega-se a uma vida dissoluta, utiliza substâncias entorpecentes, enfim, não se comporta de maneira a gerar um bom exemplo para aqueles que o rodeiam, torna-se impossível deferir o pedido de adoção.

Mas se o adotante é cumpridor de seus deveres e apresenta virtudes desejáveis em qualquer cidadão, não é por ser homossexual que há de se recusar a colocação em família substituta.[165]

 Em uma entrevista para a Revista Justilex, Maria Berenice Dias, ao ser questionada sobre a existência do perigo de uma criança, ao conviver em uma família homoafetiva, tornar-se homossexual também, afirma:

Segundo uma pesquisa realizada sobre o assunto, nenhum pai homossexual quer que seu filho o seja também. Não existe registro de abuso sexual de crianças por casais homossexuais. Em compensação, entre os pais heterossexuais, o índice é assustador: 23% das meninas brasileiras são abusadas sexualmente por pais e padrastos. Se formos olhar estatisticamente, os homossexuais são melhores pais que os heterossexuais. [166]

Quanto aos impedimentos jurisdicional, Pereira afirma:

No tocante à possibilidade jurídica de adoção de filho por casal homossexual, entendemos não haver impedimento no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n° 8.069/90, de 13.7.90), visto que a capacidade de adoção nada tem a ver com a sexualidade do adotante que preenche os requisitos dos arts. 39 e seguintes daquele Estatuto, especialmente o seu art. 42 [...].[167]

Por outro lado, Renata Vilela afirma que tem que ser realizado um estudo social, para que não se cause danos psíquicos à criança:

Se por um lado, o direito à adoção em conjunto pelo casal homossexual tem seu fundamento nos princípios da igualdade e da não-discriminação positivados no texto constitucional, por outro lado, torna-se imprescindível a ponderação desse direito frente aos interesses do adotado, evitando-se de qualquer medida que possa vir causar algum risco à integridade psíquica do menor, levando-se em  consideração o contexto histórico – cultural no qual a criança está inserida e ao qual se refere.[168]

Apesar dos argumentos estarem favoráveis à possibilidade de um homossexual vir a adotar uma criança ou adolescente, procura-se demonstrar que há doutrinas brasileiras que entendem que, se  o peticionário for homossexual, a adoção não poderá ser deferida, como entende Carvalho:

Da relação homossexual pode resultar satisfação afetiva e sexual, sem relevância, no entanto para o Poder Público, porque dali não são gerados filhos. Isso porque, se filhos houver, receberão tutela do Direito de Família, mas a relação da qual se originaram será formada entre uma das partes e um terceiro, e não aquela homossexual, por razões fisiológicas. Nem poderá ter por mãe homossexual do sexo masculino a criança adotada, em face do necessário estabelecimento de ‘papéis’ para a formação psíquica da criança, como largamente é tratado o tema pela psicologia[169].

De acordo, expõe Spengler:

A vedação, ou melhor, a omissão legal sobre o tema da adoção por  homossexuais solteiros ou casais do mesmo sexo se dá pelo fato de ter o legislador grande preocupação com o bem-estar da criança ou adolescente que vai ser colocado em família substituta. Assim, a possibilidade de que o adotando venha a sofrer más influencias de seus pais ou mães adotivos quanto ao seu desenvolvimento psicoemocional é a deixa para que esse tipo de situação jurídica não seja admitido. Veicula-se, também, a possibilidade de o adotado sofrer discriminação, abalo moral e psicológico ao ser conhecido na escola ou no clube que freqüenta como filho de duas pessoas cuja opção sexual não se enquadra dentro dos padrões considerados “normais” para a sociedade.[170]

Já, para Blum:

A discriminação é algo que preocupa  muito quem é adepto dessa idéia. Pois é minuciosamente analisado o que essa criança sofreria, seja na escola, na rua, onde fosse. O fato de seus pais serem diferentes daquilo que a nossa sociedade considerada como normal  humilharia essa criança, poderia traumatizá-la deixando graves conseqüências para sua vida adulta.  Pois a criança não tem o discernimento para entender porque só os pais dela são diferentes e com isso, a tendência seria ela se fechar, prejudicando não só seu desenvolvimento escolar quanto sua relação com o mundo.[171]

No entanto, Rios afirma que é nula a improcedência da adoção fundada apenas na homossexualidade do adotante, por ferir o princípio da igualdade e por não haver fundamentação racional:

Exposto o estágio atual do debate científico a respeito da homossexualidade, não há como justificar vedação, em princípio, da adoção de crianças por homossexuais. Isto porque, enquanto modalidade de orientação sexual, não serve de caracteres de doença, morbidez, desvio ou anormalidade em si mesma, não autorizando, portanto, a sustentação de um regra geral impeditiva da adoção.

Conclui-se,portanto, que a proibição de adoção fundada exclusivamente na homossexualidade revela ausência de fundamentação racional suficiente para a imposição de um critério discriminatório, proceder que afronta, gravemente, o princípio constitucional de igualdade.

Com efeito, as discriminações verificadas em matéria de adoção, fundadas tão somente na orientação sexual do adotante, por constituírem preconceito infundado, revelam-se arbitrárias e sujeitam-se à decretação de nulidade jurídica, por ofenderem diretamente o princípio constitucional da igualdade.[172]

Neste pensamento, há entendimento jurisprudencial:

EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.[173]

Não se pode olvidar que os menores em questão são crianças carentes, que possuem o sonho de sentirem-se amados e protegidos, de saberem como é ser parte de uma família, pois jamais vivenciaram tal situação, tendo que conviver no meio de outros tantos sofredores que partilham suas lágrimas em abrigos, sem receber atenção individualizada, nem obter manifestações de afeto. Isso, sem contar o trauma da crueldade ou rejeição da família biológica, que obviamente deixou profundas marcas em suas personalidades.

Por outro lado, quem pleiteia a adoção, independentemente da sua sexualidade, são pessoas com imenso desejo de ter um filho, para amá-lo, educá-lo, mas que, muitas vezes, não podem o ter de forma biológica.Além disso, o deferimento da adoção não pode estar condicionado apenas à preferência sexual do adotante, sob pena de infringir o princípio da dignidade humana, que se resume no princípio da igualdade e na vedação de tratamento discriminatório de qualquer ordem. Assim, a dificuldade de indeferir adoções somente em função da orientação sexual dos pretendentes acaba impedindo que significativo número de crianças sejam tiradas da marginalidade. Não se pode esquecer da nossa realidade social, com um grande número de menores abandonados ou em situação irregular, quando poderiam ter uma vida cercada de carinho e atenção.

Sobre a autora
Rossana Rostirolla

Bacharel de Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio do Sinos – UNISINOS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSTIROLLA, Rossana. A adoção em famílias homoafetivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4267, 8 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36967. Acesso em: 23 dez. 2024.

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