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Cláusula de tolerância em contrato de compromisso de venda e compra de imóvel na planta e a interpretação dos tribunais sobre o assunto

Agenda 26/05/2016 às 15:03

Motivo de inconformismo de muitos compradores de imóvel na planta, a odiada cláusula de tolerância é alvo de debates dos mais acalorados em nossos tribunais, especialmente quando há atraso na entrega do empreendimento.

Antes de adentrarmos o mérito do assunto, vale informar que a legislação aplicável em uma compra e venda de imóvel na planta, via de regra, é o Código de Defesa do Consumidor, não existindo distinção se o comprador é pessoa física ou pessoa jurídica, desde que seja o destinatário final do bem adquirido.

As pessoas perguntam se todos os Contratos de Compromisso de Venda e Compra de imóvel na planta têm a famosa cláusula de tolerância de 180 dias corridos para a entrega do imóvel, fora o prazo inicialmente destacado no Quadro Resumo.

A resposta é não. De fato, não são todos os Contratos de Compromisso de Venda e Compra de imóvel na planta que possuem a cláusula de tolerância em benefício exclusivo da incorporadora.

Há alguns (e poucos!) contratos que não apresentam essa possibilidade de tolerância e, nesses raros casos, a incorporadora terá somente um prazo de entrega, sem nenhuma possibilidade de tolerância.

Por outro lado, podemos estimar um universo em que aproximadamente 95% dos Contratos de Compromisso de Venda e Compra de imóvel na planta têm essa cláusula, em nítido desfavor do consumidor.

Todos os Contratos confeccionados por grandes incorporadoras têm essa cláusula.

O que deve ficar claro ao leitor é que ainda não existe Lei alguma que determine a existência de uma tolerância para as incorporadoras/construtoras, seja ela de 90, 180 ou 250 dias.

O que realmente existe é uma regra no mercado imobiliário, imposta por quase todas as incorporadoras no sentido de estabelecer exclusivamente para si um prazo adicional de 180 dias corridos para a entrega do imóvel ao comprador.

É absolutamente comum em contratos dessa natureza a incorporadora/construtora informar o prazo de entrega do imóvel no documento chamado Quadro Resumo, que são aquelas cinco a sete primeiras páginas do Contrato, sem menção alguma à existência de qualquer tolerância adicional.

Não raras vezes, após ter assinado o Contrato, o comprador sai do estande de vendas com a certeza de que a incorporadora terá apenas um único prazo para a entrega do imóvel.

Porém, nas chamadas cláusulas ou condições gerais do Contrato é que a promitente-vendedora insere a famosa cláusula de tolerância, através da qual terá um prazo adicional para entregar o imóvel, somando-se essa tolerância logo após o término do prazo inicialmente apresentado no Quadro Resumo.

Também é absolutamente comum as incorporadoras destacarem que a tal tolerância não será aplicada em casos denominados como sendo de força maior ou caso fortuito, hipóteses na quais a vendedora não terá responsabilidade alguma para a entrega do imóvel, sendo essa cláusula nitidamente abusiva e entendida como nula por nossos Tribunais.

As incorporadoras entendem por caso fortuito ou de força maior situações de:

- greves de funcionários federais, estaduais ou municipais, bem como de órgãos relacionados com a administração pública ou da indústria da construção civil, que possam afetar a execução das obras e obtenção dos autos de conclusão de obra ou “habite-se”;

- guerra ou perturbação da ordem pública;

- chuvas em excesso que impeçam a execução das obras;

- incêndios e explosões que impeçam os trabalhos;

- falta de material na construção civil e mão de obra qualificada;

- condições de constituição do solo não reveladas nas sondagens iniciais realizadas pela incorporadora no terreno do futuro empreendimento e que possam atrasar o início das obras.

As situações acima são meramente exemplificativas, podendo comportar outros casos, dependendo da incorporadora.

Contudo, o Poder Judiciário NÃO admite um atraso por parte da incorporadora em período superior ao da cláusula de tolerância de 180 dias, mesmo que a vendedora venha a alegar em sua defesa algum dos itens acima mencionados.

Eventuais disposições contratuais em sentido da possibilidade do prazo de conclusão da construção ser indeterminado são angularmente contrárias ao sistema definido pelo Código de Defesa do Consumidor, principalmente quando considerado o artigo 51, §1º.

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Ora, se a cláusula de tolerância não está prevista em Lei, por que o Poder Judiciário a admite como válida?

A resposta é complexa e nem sempre de fácil compreensão.

De fato, a Lei não prevê a existência de tolerância para as incorporadoras e o Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre a facilitação da defesa dos interesses do consumidor, além de estipular que nas relações de consumo existe o chamado princípio do equilibro contratual, de modo que uma das partes não pode estar sujeita exclusivamente ao poder ou imposição da outra, especialmente quando se está diante de cláusula restritiva de direitos para o consumidor.

O problema é que nosso ordenamento jurídico (todo ele!) apresenta uma lacuna, ou seja, a Lei não diz categoricamente que as incorporadoras têm ou não a seu favor uma tolerância após o término do primeiro prazo previsto para a entrega do imóvel.

Quando o sistema legal apresenta uma lacuna, aplicam-se os costumes e, nesse aspecto, deve-se considerar que, na prática, quase todos os Contratos de Compromisso de Venda e Compra de imóvel na planta têm uma cláusula de tolerância de 180 dias corridos para a entrega do imóvel e isso ocorre há muitos anos.

É nesse aspecto que o Poder Judiciário vem admitindo a validade da cláusula de tolerância, ou seja, por uma questão de costume, nos vários julgamentos que emite rotineiramente em ações de indenização por danos materiais e morais por atraso na entrega de imóvel na planta.

O Poder Judiciário valida a existência dessa cláusula por também entender que a incorporadora, por mais organizada que seja, logística e administrativamente falando, não teria condições de precisar que naquele exato mês entregará o empreendimento, podendo estar sujeita a problemas oriundos do mercado da construção civil por ela exaustivamente explorado, tais como: excesso de chuvas; falta de material ou mão de obra; problemas com a administração pública na expedição de licenças e alvarás técnicos etc.

Em que pese realmente existirem muitos juízes que pensam dessa forma, tal posicionamento não é unânime.

Existem julgados isolados em que determinado julgador afirmou a nulidade de pleno direito da cláusula de tolerância, por entender que representa uma afronta ao princípio do equilíbrio contratual existente no Código de Defesa do Consumidor, na medida em que a tolerância só existe em benefício da vendedora, bem como por colocar o comprador diante de uma situação dúbia e onerosa.

Há também entendimento na jurisprudência no sentido de somente ser aceito como válido o prazo de tolerância se a incorporadora demonstrar materialmente a existência de fatos não imputáveis ao empreendedor que justifiquem o atraso, de maneira que a cláusula de tolerância não configura uma carta branca para a incorporadora ou construtora atrasar a entrega do imóvel, consistindo, na verdade, em uma hipótese de prorrogação do prazo que só deve ser invocada quando houver um justo motivo devidamente provado.

Sobre o autor
Ivan Mercadante Boscardin

OAB/SP 228.082Advogado especialista em Direito Imobiliário e Consumidor • São Paulo (SP). Advogado atuante há mais de dez anos no Estado de São Paulo Formado pela Universidade São Judas Tadeu Especialista em: Direito Civil com ênfase em Direito Empresarial (IASP) Direito Processual Civil (PUC SP) Direito Imobiliário e Registral (EPD) Arbitragem nacional e estrangeira (USA/UK) Autor do livro: Aspectos Gerais da Lei de Arbitragem no Brasil Idiomas: Português e Inglês. E-mail: mercadante@mercadanteadvocacia.comSite: www.mercadanteadvocacia.com - Telefones: 11-4123-0337 e 11-9.4190-3774 (cel. Vivo) - perfil também visualizado em: ivanmercadante.jusbrasil.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOSCARDIN, Ivan Mercadante. Cláusula de tolerância em contrato de compromisso de venda e compra de imóvel na planta e a interpretação dos tribunais sobre o assunto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4712, 26 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37057. Acesso em: 18 nov. 2024.

Mais informações

O texto compõe a obra do autor intitulada: “Artigos Jurídicos sobre Direito Imobiliário”.

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