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A educação como promotora dos direitos humanos na atividade policial militar

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Agenda 06/04/2015 às 16:50

3. A Promoção dos Direitos Humanos na Atividade Policial através da Educação

Há anos atrás, não havia carros nas ruas, luz elétrica nas casas, fábricas eram movidas por operários, a agricultura não possuía sementes de genética alterada, e as técnicas de medicinas eram ultrapassadas. No entanto, a procura insaciável da sociedade global requereu um avanço em todas as áreas, implementando tecnologias inimagináveis, obrigando as pessoas a modernizarem-se para desenvolvê-las.36

As empresas na busca de aumentar a eficiência na produção dos bens que necessitavam para sobreviver,37 exercia sobre seus operários “idéias de sobrevivência dos mais hábeis ou mais adaptáveis,”38 capacitando seus funcionários, pois as máquinas manuais que operavam antes haviam sido descartadas e ao invés de usar as mãos para operá-las era preciso usar os dedos, para mover as máquinas digitais.39

“O Brasil começou pelo trabalhador escravo usando a força de seus braços. Bastava descer do navio, receber uma enxada e o africano tinha o conhecimento necessário para desempenhar seu trabalho.” 40O que não foi diferente com policiais militares, bastava ser forte e robusto, e estava pronto apto para os exercícios das suas funções.

“Hoje, o trabalhador não terá emprego moderno e bem remunerado sem formação especializada que o transforme de operário em operador.” 41Na mesma proporção que a sociedade não terá segurança, se seus defensores (protetores) não modernizarem-se e não adaptarem-se ao exercício da cidadania. Porque, até mesmo os criminosos evoluem, nenhum após roubar um banco foge em automóvel de tecnologia atrasada, é o contrário.

Deste modo, o policial deve reconsiderar que o seu instrumento principal para o exercício da cidadania não são mais seus dedos que disparam sua arma em momento de conflitos, e sim seu comportamento. Mas, para isso não basta ser adepto e respeitar as normas de direitos humanos, é fundamental propagá-las.

E, considerando que há um abismo entre a violência e direitos humanos, só transponível pela educação, sendo que se tem pela “primeira vez”, “além de poder de emancipar, temos os recursos e a capacidade técnica de escolher o caminho a seguir. Falta-nos, talvez, a capacidade política de aglutinar as forças necessárias para escolher o caminho certo.” 42

Nesse sentido que Balesletri, assenta seus pensamentos para um novo e desafiador paradigma, expondo:

ao falarmos em “protagonismo policial” queremos dizer simplesmente: para nós, tão somente pedir que a policia respeite os direitos humanos é calcar o discurso numa perspectiva muito pobre, sugerido, inclusive, falta de reconhecimento da importância social da mesma. Não queremos que a polícia apenas respeite, mas queremos que ela promova os Direitos Humanos.43 (grifo próprio)

Parece um pouco desalinhada as idéias do autor, vistas há alguns anos, principalmente quando à época que publicou sua obra, era um integrante da Anistia Internacional, uma organização de direitos humanos com um milhão e cem mil membros,44 ou, mais estranho ainda, ao se pensar a dificuldade já existente de fazer um policial respeitar os direitos humanos, então quer o autor que ele os promova?

Mas, logo se esclarece que a idéia parte da própria Anistia e com elevado reconhecimento, pois:

se a mudança do mundo passa pela educação, é preciso escolher estrategicamente alguns setores chaves para catalisar esse processo. A Anistia escolheu aqueles que considera irrecusávelmente educacionais. Quais são? Alguns já citados. Médicos e profissionais da saúde; religiosos de maneira geral; juízes, advogados, promotores, defensores públicos; estudantes, porque ainda são muito suscetíveis aos ideais; professores, naturalmente; jornalistas; líderes profissionais e comunitários; policiais. 45

Remonta ainda que a escolha no Brasil implicou em particular de dois públicos: os professores e os policiais46. Por entenderem serem os mais estratégicos. Resgata a obviedade da escolha, uma vez que:

na sociedade brasileira e em outras sociedades de Terceiro Mundo em função de desvios de conduta de maus policiais e de desvios históricos da função, a estima social e mesmo a auto-estima das polícias vêm sofrendo poderosos desgastes. No entanto, nem por isso a polícia deixou de ser um serviço imprescindível. Quem precisa dela? Precisamos todos nós, que somos cidadãos. Vivemos em um mundo urbano e complexo, e, nesse mundo, a sociedade tem a necessidade simbólica de uma autoridade que a ajude na autolimitação. Assim, o que é a polícia? Muito simplesmente, a polícia é um segmento da sociedade, da cidadania, instituído por esta para autobalizar-se.47

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Destarte, o mundo urbano distancia-se no mundo rural, não sendo mais facilmente administrável pelas tradições. “Vivemos no mundo de massas, onde seria absolutamente impensável a garantia dos direitos democráticos sem o poder de polícia. Não há país que não a tenha”.48

Nesse sentido, não se pode mais separar polícia de sociedade, “desde Confúcio até os pensadores contemporâneos, os orientais sempre apreciaram e perseguiram o ideal de um “mundo unido e harmonioso” 49 e por que os ocidentais também não podem fundir-se a esses ideais? Pois, a “polícia existe para proteger o cidadão”, não se pode mais referenciar o “período militar que “pedalou” a porta dos fundos da polícia, gerou muitas das mazelas que até hoje carrega a atividade policial”. ”50

Hodiernamente, “qualquer sociedade humana retira a sua coesão de um conjunto de atividades e projetos comuns, mas também, de valores partilhados, que constituem outros tantos aspectos da vontade de viver juntos.”51 “A polícia é importante para a manutenção da ordem, evidentemente é importante para a defesa dos direitos. A ideologia é diferente daquela que tínhamos no período autoritário, onde todo cidadão era um inimigo interno em potencial.”52Sociedade e polícia já aprenderam a viver juntas, desenvolvem atividades e projetos em comum.

Nesse enlace do policial promover os direitos humanos, que Balestreri abarca:

o agente de segurança pública é, contudo, um cidadão qualificado: emblematiza o Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de “porta voz” popular do conjunto de autoridades de diversas áreas do poder.53 (grifo próprio)

Além, do policial ser uma figura marcante, tem-se que reconhecer que é mais provável que se encontre a figura do policial na rua do que a do presidente, logo representa o Estado, é o Estado, além disso, “o impacto exercido por esse cidadão qualificado é, pois, sempre um impacto extremado e simbolicamente referencial para o bem ou para mal-estar da sociedade.” 54Nas suas atitudes comportamentais não há mornitude, são dois pólos, ou quente, ou frio. Certo ou errado. Sua forma de agir deve sempre ser consciente.

Por certo, tem-se no agir policial uma dimensão pedagógica que “como em outras profissões de suporte público, antecede as próprias especificidades de sua especialidade.” O policial é um pedagogo pela sua própria natureza e pode valer-se disso como solução aos problemas. O problema da ausência de promotores de direitos humanos, que estejam presentes no cotidiano das pessoas, mas “a educação deve encarar este problema, pois, na perspectiva do parto doloroso de uma sociedade mundial, ela se situa no coração do desenvolvimento tanto da pessoa humana como das comunidades.” 55É preciso educar o policial para visualizar a capacidade da sua profissão em expandir o bem.

Amplamente Malhotra aflora que “a realização dos direitos humanos exige um esforço contínuo por parte dos encarregados da proteção e promoção dos direitos, assim como dos demandantes, para que exijam esses direitos.” 56 No entanto, para que seja possível essa transformação “é necessário capacitar os promotores de direitos humanos a partir de uma perspectiva de uma metodologia e de ferramentas específicas” 57

Ao assistir que “em todo mundo, a educação, sob as suas diversas formas, tem por missão criar, entre as pessoas, vínculos sociais que tenham a sua origem em referências comuns.” 58 O que constitucionalmente possui o policial é a proteção dos cidadãos, e “pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais marcante promotor dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e qualificando-se como um personagem central da democracia.59

Mas, para que seja possível, Malhotra, remonta:

a implementação dos direitos humanos nos exige um foco contínuo em um processo que os promova e proteja. Exige uma contínua avaliação dos esforços realizados por aqueles que têm o dever de promovê-los para honrar suas obrigações, sejam relacionadas à promoção ou proteção de um direito.”60

Longo, Sangari expõe que “se a violência, em suas diversas formas, tem impacto negativo na educação, também é verdade que a educação pode ter impacto positivo no enfrentamento da violência.” 61 E, principalmente se está partir do policial.

Tem-se que “a grandeza do humano consiste especialmente naquilo que faz de si, para além do que lhe é natural, para além do que lhe é instintivo. Tudo o que acrescenta à sua natureza é o que denominamos de humanização”.62

Soma Brutscher, que:

a educação é um direito fundamental dos humanos. É uma espécie de condição de possibilidade para a efetivação tanto do direito a dizer a própria palavra quanto do direito a ser. A educação se constitui, ao mesmo tempo, num direito em si mesmo e num meio indispensável para conquistar outros direitos. ”63

Desta forma, conclui-se que garantida à devida educação de direitos humanos ao policial militar, se concretiza dois ideais comuns, o primeiro é a formação de um promotor da cidadania no exercício dos seus deveres, efetivando as políticas de segurança pública em prol de todos. A segunda e mais idealizada, um promotor de direitos humanos, que dissemine por meio da sua pedagogia natural, os direitos humanos, na qual ambas somente são possíveis pelo caminho da educação e pela consciência coletiva.


Considerações finais

O passado deixou na história uma ruptura entre sociedade e atividade policial, para unificá-las, é preciso apontar caminhos, desafiar. Promover novos mecanismos que colaborem com a consolidação de todos - Estado e sociedade – perpetuando direitos.

As perspectivas atuais demonstram-se oportunas, prontas para ampliar a conceituação de direitos humanos, darem um novo rumo à história. Encerrar o capítulo e virar a página. Dar a sociedade às garantias constitucionais, dos direitos individuais até à segurança pública, não que estes não o sejam.

Mas, para tanto é fundamental viver o novo, resgatar a democracia, aquela, que a vontade vem do povo, dar um novo sentido a cidadania como: dever de todos. Trazer do passado só as coisas boas, como Moisés queria, justiça a todos. Mas, não que essa justiça seja somente a de Deus e sim também a do homem, muitas vezes falha.

Logo, é preciso buscar um sentido para esse resgate cultural e social, traçar uma nova cultura onde políticas públicas se realizem; ir ao encontro das necessidades da comunidade. Nessa esfera, que o desafio aqui imposto surge da educação, como um propósito a ser alcançado.

E, nada mais lógico que promovê-lo por quem tem o dever de protegê-lo, entretanto os esforços devem ser mútuos, pois um bom pedagogo tem que ter a consciência do seu trabalho.

Nesse viés, que a ambição de transpor as barreiras entre polícia e sociedade, parte de inserir o policial como integrante desta, pois ainda está presente uma divisão de sociedades, uma civil e outra militar, inclusive por parte do judiciário. Daí que surge a proposta governamental de incluir programas de conscientização, como o Programa Nacional de Direitos Humanos, que capacita o policial e lhe transfere os conhecimentos para uma agir consciente.

No mesmo sentido, que surge a Polícia Comunitária, onde a preocupação do agente não deixa de ser o final do crime e sim onde foi seu início. Tenta-se de forma preventiva, junto com a comunidade, reconhecê-lo, cortando na sua raiz as divisões sociais. Nota-se que já existe um agir mútuo, demonstrando que é possível esse crescimento unilateral.

Porém, não basta que comunidade e policial modernizem-se na busca do ideal comum, é preciso que as instituições transportem essas mesmas ideologias e permitam reformular seus métodos formadores. Que formem cidadãos, profissionais técnicos e não adestrem pessoas, gerando seqüelas e profissionais desqualificados para enfrentar as adversidades do mundo complexo, tão pouco se criem futuros agressores, deturpadores de direitos humanos, ao contrário, luta-se para tornar os profissionais da segurança, verdadeiros promotores dos direitos humanos e garantias fundamentais.

Nesse contexto final, que se conclui que a incursão dos Direitos Humanos na atividade policial militar é possível por meio da educação, e com ela, será possível prevenir a violência e promover direitos. No entanto, esta educação depende de uma reformulação dos currículos das Academias de Polícia, priorizando formar e capacitar um policial cidadão e não mais se utilizar de formações de treinamento de guerra, onde o cidadão era visto como “inimigo”. Somente com a correta formação será possível desenvolver um ser humano capaz e humanizado, ou seja, um verdadeiro promotor da cidadania e dos direitos humanos.

Sobre a autora
Michele da Silva Vargas

Bacharel em Direito na UNISC. Bacharel em Ciências Militares pela Academia de Polícia Militar do Rio Grande do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado a partir da monografia de conclusão de curso apresentada no primeiro semestre de 2010.

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