A problemática da fixação das taxas juros aplicáveis às relações entabuladas pelas instituições integrantes do sistema financeiro nacional sempre foi objeto de controvérsia no mundo jurídico, em razão das inúmeras alterações legislativas que a matéria sofreu, além da consequente insegurança jurídica gerada pelo debate inconclusivo dessas normas.
Não há consenso quanto ao tema nem mesmo nas cortes superiores. Além disso, tal discussão não é de interesse apenas dos grandes banqueiros. Do ponto de vista pragmático, o número exorbitante de demandas judiciais torna visível a atualidade e a importância do assunto.
O âmago do presente artigo se apresenta na questão dos juros incidentes nos contratos celebrados por instituições financeiras. A definição no léxico para juros é: “[...] 1. Importância cobrada pelo empréstimo de dinheiro. 2. Rendimento, interesse.” (FERREIRA, 2001, p. 441).
O termo anatocismo, ou capitalização de juros, expressa a contagem ou cobrança de juros sobre juros. Tal prática significa que o valor dos juros vencidos se soma ao capital, de modo que os juros futuros passem a incidir sobre o resultado dessa soma, e assim sucessivamente. O anatocismo, portanto, é a incorporação dos juros ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos.
Juros capitalizados são juros compostos. Embora a taxa nominal de juros possa estar adstrita ao limite de 12%, ocorrendo o anatocismo, o proveito econômico obtido pela instituição financeira pode ser substancialmente mais elevado. Na prática, essa espécie de juros é muito utilizada, apesar de nem sempre ser prevista expressamente nos contratos bancários. Essa omissão pode levar o contratante ao erro, fazendo-o suportar encargo superior ao efetivamente negociado entre as partes. Com efeito, em razão de sua grande repercussão, dedicamos este artigo ao estudo do fenômeno.
Inicialmente, deve-se ressaltar que há previsão legal para tal prática. A Medida Provisória nº 1.963/2000 (reeditada sob o nº 2.170-36/2001) autoriza em seu artigo 5º a cobrança de juros capitalizados em período inferior a um ano pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional.
Vale, por oportuno, transcrever o artigo 5º da MP nº. 2.170-36/2001:
Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. (BRASIL, 2001).
Então, resulta inequívoco que qualquer operação realizada com capitalização de juros por instituição financeira a partir de 31 de março de 2000, data de publicação da MP nº 1.963-17, é perfeitamente legal e de exigível cumprimento.
Outro não tem sido o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em reiterados pronunciamentos, admite a cobrança dos juros capitalizados com periodicidade inferior a 01 ano:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BANCÁRIO. CONTRATO FIRMADO APÓS A MP Nº 1.963-17/2000. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. PACTUAÇÃO EXPRESSA. POSSIBILIDADE.
1. A capitalização dos juros em periodicidade inferior a 1 (um) ano é admitida nos contratos bancários firmados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17, desde que pactuada de forma clara e expressa. Reconhecimento pelo acórdão de que houve pactuação expressa.
2. Agravo regimental não provido. (BRASIL, 2015, grifo nosso).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO. AÇÃO REVISIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DO MERCADO. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. POSSIBILIDADE. ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. INCONSTITUCIONALIDADE. MATÉRIA AFETA AO EG. STF. AGRAVO NÃO PROVIDO.
[...]
3. A jurisprudência desta eg. Corte pacificou-se no sentido de que a capitalização mensal de juros é admitida nos contratos bancários celebrados a partir da edição da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001, qual seja, 31/3/2000, desde que expressamente pactuada, o que ocorre quando a taxa anual de juros ultrapassa o duodécuplo da taxa mensal.
4. A matéria atinente à inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória 2.170-36/2001 é afeta exclusivamente à suprema instância, pois não é viável a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais, nesta via recursal, o que implicaria usurpação de competência constitucionalmente atribuída ao eg. Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102).
5. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2015a, grifo nosso).
Além disso, a legislação que proibia a cobrança dos juros capitalizados, qual seja, a Lei da Usura (Decreto 22.626/33), foi revogada no tocante às operações com Instituições de Crédito sob o controle do Conselho Monetário Nacional, ou seja, integrantes do Sistema Financeiro Nacional, com o advento da Lei de Reforma Bancária (Lei 4595/64).
Vide Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal (STF), a saber:
As disposições do Decreto-Lei 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional. (BRASIL, 1977).
O art. 4º, inciso IX, da Lei da Reforma Bancária determina que, quando verificado, in concreto, a ocorrência da prática de juros flagrantemente abusivos, é dada ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a sua limitação ao patamar estabelecido pelo mercado financeiro, referente aos negócios da mesma espécie. Essa concepção é também aplicada à hipótese de juros capitalizados/compostos, espécie legalmente permitida em nosso ordenamento.
Existe dispositivo expresso no Decreto-Lei 22.626/33 vedando a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, embora não seja mais aplicável às instituições financeiras:
Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano (BRASIL, 1933).
Cabe, assim, ao Conselho Monetário Nacional a formulação da política de moeda e crédito, bem como limitar as taxas de juros (simples ou compostos), comissões e outras formas de remuneração.
Com efeito, os contratos bancários possuem legislação específica, não se aplicando aos mesmos a limitação em relação aos juros, tampouco a vedação à capitalização em lapso temporal inferior a um ano (desde que previsto contratualmente), devendo-se respeitar os valores pactuados pelos negociantes.
Superada a questão anterior, importante se destacar que está sendo discutida na ADI 2316 a suposta inconstitucionalidade da Medida Provisória 2.170-36/2001. Ao tratar da possibilidade de capitalização de juros, esta norma teria invadido matéria reservada à Lei Complementar (art. 192, da Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB), o que é constitucionalmente vedado.
Entretanto, repise-se que, apesar de a Lei complementar a ser promulgada para regulamentar o Sistema Financeiro Nacional ainda não ter sido editada, conforme exige o art. 192 da CRFB, a Lei 4595/1964 foi recepcionada pela Constituição Federal e estabeleceu as competências normativas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil para regular a matéria.
Ademais, a Medida Provisória 2.170-36/2001 não foi editada com a finalidade de regulamentar o Sistema Financeiro Nacional, nos termos do artigo 192 da Constituição, limitando-se a regular tópico específico sobre contratos bancários. Logo, não sendo esta matéria reservada à Lei Complementar, é descabido o argumento no sentido da inconstitucionalidade da norma em testilha.
Por fim, em 04/02/2015, inobstante não tenha julgado a questão de fundo (possibilidade de capitalização de juros com periodicidade inferior a 01 ano), o STF decidiu que a MP 2.170/01, quando cotejada com o artigo 62 da CRFB, é constitucional, contando com os requisitos materiais necessários para sua edição, quais sejam, relevância e urgência:
CONSTITUCIONAL. ART. 5o DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência.
2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5o da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país.
3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados.
4. Recurso extraordinário provido. (BRASIL, 2015b, grifo nosso).
Assim, é patente a licitude da cobrança de juros, taxas e encargos, conforme dispõe a Lei 4595/64 e a Medida Provisória 2.170-36/2001, que se encontram em vigor e plenamente aplicadas pelos Tribunais superiores.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 455351/MS. Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Diário de Justiça, Brasília, 17 de abril de 2015.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 567110/MS. Relator Ministro Raul Araújo. Diário de Justiça, Brasília, 30 de março de 2015b.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 283. Diário de Justiça, Brasília, 13 maio 2004.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 382. Diário de Justiça, Brasília, 08 junho 2009.
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