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A jurisdição no Common Law

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Agenda 05/05/2015 às 08:22

A jurisprudência como fonte principal do direito gera a estabilidade e a previsibilidade das relações jurídicas, ponto primordial para o alcance da justiça social.

Resumo: O presente trabalho pretende demonstrar a origem e toda evolução histórica alcançada pelo sistema jurídico do common law, destacando o desenvolvimento e organização da jurisdição real como base do sistema anglo-saxão, bem como a importância da jurisdição inglesa na formação de um sistema de precedentes judiciais.

Palavras-chave: Direito Processual; common law; jurisdição real; Carta Magna; Direito costumeiro; Tribunais de Westminster.

Sumário: 1. Introdução; 2. Common law: Formação histórica inicial; 3. Common Law: Desenvolvimento, influência e organização da jurisdição real; 4. Common Law: Significado e Origem Histórica; 5. Carta Magna de 1.215: Marco histórico do Common Law; 6. A jurisdição da Equity e o Common Law; 7. Jurisdição do common law e a valorização do direito processual; 8. Common law: Concepção de justiça; 9. Sistemas de jurisdição propostos por Mirjan Damaska; 10. As teorias da jurisdição no Common Law; 11. Desenvolvimento das leis escritas e a organização atual da jurisdição inglesa; 12. Conclusão; 13. Referências bibliográficas.


1. Introdução:

A jurisdição do common law é um modelo de ordenamento jurídico quase milenar, sendo desenvolvido na Inglaterra a partir do século XII, chegando-se aos dias atuais como uma forma eficiente de resolução de conflitos.

As decisões judiciais relevantes, tomadas como base para a formação de um precedente que é utilizado em casos futuros, promovendo soluções iguais para casos iguais, é um método de proporcionar a efetividade do processo e da própria jurisdição. A jurisprudência como fonte principal do direito gera a estabilidade e a previsibilidade das relações jurídicas, ponto primordial para o alcance da justiça social.


2. Common Law: Formação histórica inicial:

A Inglaterra fez parte do Império Romano do século I ao V. O processo de romanização não foi significativo, não deixando muitos vestígios no direito e nas instituições jurídicas dos períodos posteriores.

Na época das invasões de povos como os Anglos, os Saxões, os Dinamarqueses, foram desenvolvidos reinos germânicos a partir do século VI. Eram redigidas leis bárbaras, textos de direito consuetudinário anglo-saxônico, mas enquanto no Continente eram escritos em latim, na Inglaterra eram redigidos em língua germânica.

Em 1.066, Guilherme, duque da Normandia, conquista a Inglaterra, e declara querer manter os direitos anglo-saxônicos. Os seus sucessores conseguem manter e desenvolver a sua autoridade real, tanto em face aos seus vassalos de origem normanda como aos antigos chefes anglo-saxônicos.

Dessa forma, no século XII, o costume permanece a única fonte do direito na Inglaterra: costumes locais anglo-saxônicos, costumes das cidades nascentes e costumes dos mercadores.


3. Common Law: Desenvolvimento, influência e organização da jurisdição real:

A autoridade dos reis da Inglaterra, desde o século XII, sempre foi imposta sobre o território ocupado pelo reino. As jurisdições reais se desenvolveram, com prejuízo para as jurisdições locais e dos senhores, as quais perderam grande parte de suas funções nos séculos XII e XIII.

Ressalta-se que antes da ocupação normanda, as relações sociais eram reguladas pelos costumes locais, aplicados pelas County Courts, tribunais regionais mantidos pelo High Sheriff ou administrador principal. Posteriormente, houve desenvolvimento e melhoria das funções judiciais com as jurisdições senhoriais, exercidas por tribunais descentralizados do período feudal como, por exemplo, as Courts Baron, a Court Leet e as Manorial Courts.

Em seguida, já na fase da dominação normanda, no século XIII, os Tribunais Reais de Justiça (Royal Courts of Justice) ou Tribunais de Westminster, na forma do Exchequer, do Common Pleas e do King´s Bench, produziram as teorias e doutrinas que formaram os fundamentos e regras primordiais do common law, formando-se, assim, um direito comum em toda Inglaterra, em oposição aos diversos costumes locais. O aumento progressivo da atuação dos Tribunais reais proporcionou uma maior concentração de poderes em favor da monarquia, difundindo ainda o conhecimento jurídico a todo o povo inglês.

De forma original, o common law se preocupava apenas com grandes questões, como as financeiras, territoriais e criminais, firmando-se através de práticas processuais com validade geral, definidas durante séculos pelos tribunais. Assumindo posteriormente também o papel de apreciar questões menores de direito privado, foi substituindo gradativamente os costumes locais que eram julgados com base na moral e na religião.

Quanto à organização da jurisdição real, vejo que o rei julgava em seu próprio Tribunal (Curta Regis). Foram formadas secções especializadas de julgamento de determinadas matérias nos tribunais reais.

Temos o Tribunal do Tesouro (Scaccarium, Court of Exchequer), em que havia o julgamento das finanças e de litígios fiscais; o Tribunal das Queixas Comuns (Court of Common Pleas), com o julgamento dos processos entre particulares relativos à posse de terras; e finalmente o Tribunal do Banco do Rei (King´s Bench), onde os crimes contra a paz do reino eram julgados.

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O Tribunal do Tesouro e o Tribunal das Queixas Comuns tinham assento em Westminster, perto de Londres, e o Tribunal do Banco do Rei era um tribunal ambulante que seguia o rei em seus deslocamentos, e somente no século XV passou a ter sede em Westminster.

O processo técnico utilizado para requerer as jurisdições reais de Westminster proporcionou a extensão da competência de tais tribunais. Qualquer pessoa interessada em pedir justiça ao rei bastaria mover-lhe um pedido. O Chanceler, um dos principais colaboradores do rei, era quem examinava o pleito e, caso entendesse estar fundamentado, enviava uma ordem, chamada de writ a um xerife (agente local do rei) ou a um senhor, para ordenar ao réu que desse satisfação ao queixoso. Se o réu não desse tal satisfação, o fato era considerado uma desobediência a uma ordem real. Entretanto, o réu poderia explicar os motivos da desobediência.

Os writs da época do século XII eram adaptados a cada caso, tornando-se fórmulas estereotipadas que o Chanceler passa sem um exame aprofundado prévio e isso era uma forma de atrair o maior número de litígios para as jurisdições reais.

Em contrapartida, os senhores feudais tentaram conter o desenvolvimento dos writs. Através da Carta Magna de 1.215, conseguem reduzir o domínio das jurisdições reais sobre as dos barões ou grandes vassalos. Já pelas Provisões de Oxford de 1.258, obtém a proibição de criação de novos tipos de writs. Finalmente, pelo Statute of Westminster II, documento capital da história do common law, houve a conciliação dos interesses do rei com os dos barões, impondo o statu quo, de modo que o Chanceler não pode mais criar novos writs, podendo apenas passar writs em casos similares.

Portanto, a lista dos writs ficou limitada à que existia em meados do século XIII, mas incluíram-se inúmeros casos novos no quadro tradicional dos writs existentes, por aplicação do princípio da semelhança admitido pelo Statute of Westminster II.

O direito na Inglaterra se desenvolveu desde o século XIII, com base na lista dos writs, ou seja, das ações judiciais sob a forma de ordens do rei. Assim, em caso de litígio, era primordial achar o writ que era aplicável ao caso concreto. O common law formou-se com base no número limitado de formas processuais e não sobre regras relativas ao fundo do direito.


4. Common Law: Significado e Origem Histórica.

O sistema do common law é um sistema jurídico também conhecido como direito jurisprudencial, direito consuetudinário (costumeiro), em que o Direito é declarado pelo juiz (judge made law), sendo o precedente judicial a principal fonte jurídica.

É um sistema que se desenvolveu por meio de decisões dos tribunais e não mediante atos legislativos ou executivos. É uma família em que o direito é criado e aperfeiçoado pelos juízes, de modo que uma decisão a ser tomada depende das decisões adotadas em casos anteriores e se refere ao direito a ser aplicado em casos futuros. Quando não há um precedente, os juízes tem o poder de criar o direito, estabelecendo um precedente. O common law utiliza de um raciocínio em torno de casos ou casuísmo.

Quanto à origem, o common law surgiu na Inglaterra por volta de 1.154, época em que o Monarca Henrique II criou os juízes visitantes do rei, cujas decisões, as quais eram revistas pelas Cortes Reais, originaram todo um arcabouço de julgamentos uniformes, chamados de conjuntos de precedentes, que vincularam todos os magistrados a partir de 1.800.

Portanto, referido sistema jurídico foi elaborado na Inglaterra, a partir do século XII, pelas decisões das jurisdições reais, sendo mantido graças à autoridade reconhecida aos precedentes judiciais. O direito costumeiro foi efetivamente criado pelos juízes dos Tribunais reais de Westminster, já que eram juízes profissionais desde o século XIV e os que se dedicavam exclusivamente ao estudo do direito.

Pode-se dizer que os chamados common lawyers são os práticos, formados como litigantes (barristers, advogados), não sendo necessário ser formado em direito por uma universidade para vir a ser solicitor (solicitador), barrister ou judge. Eram aqueles que exerciam a jurisdição do common law.

Os precedentes judiciários são aqui formados e aplicados, sendo utilizados eficazmente pela defesa no sentido de lembrar os tribunais que já decidiram um caso semelhante anteriormente. Desde o ano de 1.290, as principais decisões dos Tribunais de Westminster eram registradas e conservadas nos Year Books. A partir do século XVI, as compilações impressas de jurisprudência, os chamados Law Reports, constituem a documentação mais importante dos advogados e juízes, e ainda é assim no século XX. Uma boa biblioteca de common lawyer compreende mais de 2.000 volumes de Law Reports.

A autoridade do precedente judicial sempre foi uma realidade no common law que é um sistema jurisprudencial, havendo a obrigação de o juiz decidir segundo as regras estabelecidas pelos precedentes, o que se designa por princípio de stare decisis.


5. Carta Magna de 1.215: Marco histórico do Common Law.

5.1. Contexto histórico da assinatura:

Na época de criação da Carta Magna, ocorria a transição da alta idade média para a baixa idade média, em que o modo de produção feudal começa a demonstrar seus primeiros sinais de desgaste.

Foi um período em que o rei Ricardo Coração de Leão, morto na 3ª cruzada, teve sua coroa sucedida por João Sem Terra, que ficou assim conhecido devido ao fato de não ter herdado nenhuma propriedade após a morte de seu pai, Henrique II.

João Sem Terra foi rei da Inglaterra de 1.199 a 1.216, tendo um reinado polêmico, uma vez que impôs uma política tributária bastante onerosa, cobrando dos súditos impostos cada vez maiores. Tal política autoritária teve o objetivo de cobrir gastos ocorridos com a guerra contra a França no ano de 1.204, em que João Sem Terra saiu vencido e perdeu as terras para a coroa francesa. João Sem Terra foi derrotado e perdeu suas terras do norte para a França. Assim, a Normandia passou para as mãos francesas.

João Sem Terra também não tinha uma relação boa com o alto clero (Igreja Católica), sendo até excomungado pelo Papa Inocêncio II, considerado o mais poderoso da história. Enfim, João Sem Terra se submeteu à hegemonia papal somente em 1.213.

No ano de 1.214, João Sem Terra entra em uma nova guerra contra a França para tentar reconquistar as terras perdidas. Porém, foi novamente vencido e seu reinado restou enfraquecido, exigindo ainda mais impostos.

Por todo o fracasso do rei, os barões ingleses se revoltaram, e em 10 de junho de 1.215 toma a cidade de Londres com o apoio do clero, fazendo com que João Sem Terra assinasse um documento que determinava a limitação dos poderes reais, com a garantia de que os impostos poderiam ser elevados e as leis criadas somente com a aprovação de um conselho formado por nobres. Este documento era a Carta Magna, que recebeu o selo real no dia 15 de junho de 1.215. Em troca da assinatura, os barões confirmaram sua fidelidade ao rei João Sem Terra.

Posteriormente, quando os barões saíram de Londres, João Sem Terra impugnou a Carta, gerando uma grande guerra civil na Inglaterra. Após a sua morte em 1.216, seu filho e sucessor Henrique III, validou a Carta, retirando apenas algumas cláusulas. Posteriormente, Henrique III reduziu a carta para 37 artigos, de modo que a Carta possuía 63 em seu texto original.

Com a morte de Henrique III, a Carta Magna já havia se incorporado ao direito inglês, tornando-se uma norma sólida. O filho de Henrique III a confirmou em 1.297, ratificando a versão curta em 1.225.

A carta de João Sem Terra foi, então, confirmada por diversos soberanos, de modo que alguns capítulos foram acrescentados e outros modificados ou suprimidos.

Cada monarca, até o século XV, prometera o respeito pelo texto, somente sendo ignorado pelos reis da dinastia Tudors, do ano de 1.485 a 1.603, que transformaram a Inglaterra num Estado nacional pelo rompimento com os domínios franceses, pelo enfraquecimento do feudalismo e pela aspiração da pequena nobreza e da burguesia por um poder centralizado.

5.2. Conteúdo de normas basilares da Carta Magna:

De início, devemos ressaltar que o documento britânico representou um dos princípios essenciais de institutos da democracia moderna, como o devido processo legal, o habeas-corpus, tribunal do júri e a vedação do confisco na tributação, que limitaram os poderes do monarca.

Conforme afirma Pontes de Miranda, o pacto de 1.215 não foi uma lei de reforma, já que iniciava um período novo, sendo resultado de uma conquista libertária, consistindo, ainda, na confirmação do velho direito saxônico.

Podemos enumerar as principais normas contidas na Carta Magna:

  1. Liberdade religiosa: há a garantia de liberdade da igreja da Inglaterra;
  2. Liberdade dos homens livres do reino;
  3. Limitação para a imposição e ampliação de taxas, impostos e tributos pelo rei;
  4. Existência de privilégios para a classe burguesa;
  5. Devido processo legal: é a mais importante norma jurídica extraída da Carta a partir da disposição de que os homens livres devem ser julgados pelos seus pares e de acordo com a lei da terra. Há também a determinação de que nenhum homem livre seria preso ou punido sem antes a questão ser avaliada pelo sistema jurídico. Posteriormente, a expressão “homem livre” foi substituída por “ninguém”. Do costume feudal de se proceder conforme a lei da terra, chega-se ao devido processo legal, de modo que cada homem tem o direito de ser julgado de acordo com as normas previamente estabelecidas e conhecidas, restando assegurada a defesa contra acusações aleatórias ou arbitrárias;
  6. A garantia da criação do júri: ao prever o julgamento dos cidadãos pelos seus pares em perfeita harmonia com a lei do país. Tal garantia fortaleceu a instituição já existente à época, permitindo um alcance maior até o século XX, tanto no civil como no penal, surgindo esta ampla garantia do processo diante do júri, e paulatinamente ampliada a todos os homens;
  7. Garantia do livre acesso à justiça: a Carta também garante o livre acesso à justiça, dispondo o direito de todos a uma justiça plena, livre e rápida;
  8. O direito à imparcialidade: Ao mencionar que somente seriam nomeados juízes, oficiais de justiça, xerifes ou bailios os que conheçam a lei do reino e se disponham a observá-la fielmente;
  9. O direito à obtenção de um mandado de investigação: o sistema dos writs é anterior e data do século XII. O writ é obrigatório e com ausência de custos;
  10. Paralelismo entre delitos e penas: as penalidades devem ser proporcionais aos crimes cometidos;
  11. Vedação ao confisco: os bens dos ingleses estavam protegidos contra apreensões e requisições ilegais por parte dos agentes do rei;
  12. Estabelecimento de regras para a prestação de serviços: previsão de regras nos contratos de vassalagem, no sentido de que as obrigações são impostas conforme previsão contratual;
  13. Declaração de intenções: reconhecimento formal do rei referente à limitação dos atos do governo em respeito aos direitos invioláveis e pertencentes a toda à comunidade. Assim, não há mais poder absoluto do rei.

5.3. Influência da Carta Magna no desenvolvimento do direito inglês:

O Carta de 1.215 foi um marco histórico do sistema do common law, uma vez que representou um novo começo do estado das coisas para a Inglaterra, para o estados por ela colonizados e para os direitos fundamentais. É um documento fundamental da história inglesa, influindo até no destino de outros países.

A Carta permitiu a viabilidade do direito compatível com épocas diferentes, já que seu significado foi o mesmo para os barões de 1.215 e para os colonos americanos do século XVII.

A Carta serviu como base para toda norma constitucional da Inglaterra, sendo o marco das liberdades, estando acima da vontade do soberano. Foi o primeiro documento escrito que disciplinava a limitação dos poderes do governo. Antes dela apenas vigorava o absolutismo do monarca, como os imperadores romanos e demais reis da antiguidade ou a limitação imposta por convenções da época feudal.

Portanto, o texto de 1.215 serviu como ponto referencial para a sociedade, sendo exemplo para os Estados que pretendiam se desenvolver com respeito aos direitos do indivíduo.

Dentre as disposições da carta, temos aquelas que possuem vigência até hoje, influenciando, definitivamente, na construção e no desenvolvimento do direito inglês, como é o caso da determinação de privilégios da Igreja; aquelas que confirmam os benefícios da cidade de Londres; as que consideram o direito do indivíduo de ser julgado por seus pares; e aquelas que limitam os atos do governo.


6. A jurisdição da Equity e o Common Law:

De início, destaca-se que o sistema do common law tornou-se mais técnico nos séculos XIV e XV. Restou limitado ao quadro restrito e rígido do processo dos writs e pela rotina dos juízes, acarretando a incapacidade de dar solução satisfatória a numerosos litígios. Os juízes do common law, apesar de nomeados pelo rei, tornaram-se relativamente independentes.

A ideia de novo recurso ao rei (e ao seu Chanceler), fonte de toda a justiça, fez nascer no século XV uma nova jurisdição e um novo processo: o Chanceler decidia com base na equidade sem levar em conta as regras do processo. O Chanceler muitas vezes julgava segundo princípios extraídos do direito romano. Os reis da Inglaterra do século XVI ampliaram as jurisdições do equity que eram mais favoráveis ao desenvolvimento de seu poder no sentido do absolutismo, em detrimento às jurisdições de common law, consideradas arcaicas e obsoletas.

Portanto, paralelamente aos Tribunais de Westminster, funcionava o Tribunal de Chancelaria como instância recursal, exercendo uma jurisdição de equidade, com prejuízo às normas da common law. O grande formalismo fazia com que as jurisdições reais possuíssem uma competência restrita, impondo, às vezes, uma solução injusta ao caso concreto. Tal injustiça acionou a autoridade real, representada pelo Chanceler, a quem o vencido ou aqueles que não eram admitidos a litigar perante os tribunais reais interpunham recurso. Era formado então o sistema de recurso direto ao rei, fonte de toda a justiça e generosidade.

Por tudo, o sistema judicial de equity representou um risco à utilidade prática das regras estáticas do common law aplicadas pelos tribunais ordinários. O recurso poderia se institucionalizar, tornando-se uma forma vulgar de revisar as decisões dos tribunais. Assim, ocorreu uma objetivação da jurisdição do equity, no sentido de que as decisões do Chanceler, tomadas com base na equidade, tornaram-se sistemáticas, aplicando-se como forma de correção aos princípios jurídicos do common law aplicados pelos tribunais reais. Isso significou um enfraquecimento do direito inglês ante a influência da família de direitos da Europa continental. A substituição por esta nova versão inspirada no direito romano-germânico tornou-se real.

No confronto entre o Rei e o parlamento no século XVII, os common lawyers (tribunais reais) contaram com o apoio do parlamento na resistência ao absolutismo, conseguindo conter o avanço da jurisdição da equidade, aprovando uma espécie de entendimento tácito, colocando as atribuições de ambos. A partir de 1621, a Câmara de Lordes passou a controlar as decisões do Tribunal de Chancelaria e, em 1641, houve a queda da Câmara Estrelada (órgão que representava a prerrogativa real utilizada na dinastia Tudor, com destaque em matéria criminal).

Portanto, de fato permitiu-se um compromisso entre os dois sistemas de jurisdição que tornou viável a existência de um sistema dualista de direito: common law e equity, dois tipos de jurisdições, de processos e de regras de fundo. Os chanceleres passaram a utilizar os precedentes em seus julgamentos e os tribunais do common law (tribunais de Westminster) passaram a aceitar as intervenções do equity na forma da jurisdição direta do rei ou chanceler. As regras do common law de base consuetudinária, produto de construção e consolidação da jurisprudência dos tribunais reais do século XIII, foram corrigidas e complementadas pela aplicação de doutrinas de equity, produto da jurisdição pessoal do rei ou chanceler nos séculos XV e XVI.

A fusão dos dois sistemas de jurisdições ocorreu em 1873 e 1875 (Judicature Acts) por uma reforma da organização judiciária, e as regras de equity foram integradas ao common law.

Sobre o autor
Nelmo Versiani

Mestre em Direito pela UFSC; Tetra Especialista em Direito pela PUCMG/Damásio Floripa/UGF-Rio; Oficial de Justiça Avaliador do TJSC; Professor de Direito Processual; Pesquisador Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERSIANI, Nelmo. A jurisdição no Common Law . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4325, 5 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38748. Acesso em: 22 dez. 2024.

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