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Competência para instruir e julgar crime de falso sequestro

Agenda 14/07/2015 às 16:21

Aborda-se recente decisão do STF sobre conflito de atribuição do MP quanto ao crime de "falso sequestro".

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu a atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) para apurar fatos relativos a um “falso sequestro” aplicado a partir de um telefonema feito em Tremembé (SP) para uma vítima em Campos dos Goytacazes (RJ). A decisão se deu na Ação Cível Originária 2451, na qual o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) suscitou conflito negativo de atribuição. Segundo o ministro Barroso, o crime de extorsão (artigo 158 do Código Penal) exige apenas o constrangimento mediante violência ou grave ameaça para sua consumação, que ocorre no local do constrangimento ilegal.

No caso examinado, a vítima recebeu telefonema, afirmando que seu marido fora sequestrado e exigindo um depósito de R$ 5 mil, a ser feito em uma agência bancária em Campos dos Goytacazes. O MP-SP afirmou que o crime seria de competência do MP-RJ, enquanto o MP-RJ sustentava que o caso se enquadra na descrição do tipo de extorsão, que se consuma independentemente de obtenção de vantagem ilícita, o que afastaria sua atribuição para atuar no feito.

O ministro Roberto Barroso citou parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no sentido de que a extorsão se consuma no local do constrangimento ilegal e não no da obtenção da vantagem indevida. Segundo Janot, nesse tipo de crime “a vítima não age iludida, pois sua ação ou omissão é motivada pelo constrangimento a que é submetida, de modo que a entrega do bem ocorre de forma involuntária, em razão de uma grave ameaça”. Dessa forma, tratando-se de crime formal, a consumação do delito não exige a redução do patrimônio da vítima.

De acordo com esse entendimento, o delito foi consumado em Tremembé, razão pela qual se firmou a competência do juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Taubaté – cabendo, portanto, ao MP-SP a atribuição de apurá-lo.

Há a competência ratione loci, em que se aplica o artigo 70 do Código de Processo Penal, que dispõe que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração ou, no caso de  tentativa, no lugar em que for praticado o último ato de execução.

O critério territorial de fixação da competência é relativo, visa o interesse das partes, ao contrário do critério de competência absoluta ou constitucional. Mas, uma ou outra podem ser declaradas de ofício. Na incompetência relativa, a defesa deve apresentá-la no prazo da apresentação de sua defesa preliminar, sob pena de preclusão, pois o prazo é peremptório. O Supremo Tribunal Federal entende que a nulidade em face da incompetência absoluta implica nulidade dos atos decisórios e que a incompetência relativa não importa em nulidade de qualquer ato praticado. No Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EDcl no REsp 355.099/PR, Relatora Ministra Denise Arruda, Relator para o acórdão o Ministro José Augusto Delgado, Dj de 18 de agosto de 2008, entendeu-se que, em se tratando de incompetência territorial, caso de natureza relativa, não há que falar em anulação de atos processuais decisórios e não decisórios, pois o juiz declarado competente receberá os autos para prosseguir com os demais atos processuais, reconhecendo-se válidos todos os anteriores praticados pelo juiz reconhecido como relativamente incompetente.

Identificamos 3 (três) teorias para o critério territorial:

a)      Teoria do resultado: O juízo territorialmente competente é aquele do local onde se operou a consumação do delito. É a chamada teoria prevalente, que ganha relevância, importância, em caso de delitos plurilocais, que são aqueles em que os atos executórios ocorrem em local distinto do resultado, no território nacional;

b)      Teoria da atividade: A competência será fixada pelo local da ação ou da omissão, sendo adotada nos crimes tentados e nos Juizados Especiais Criminais (artigo 63 da Lei 9.099/95);

c)       Teoria da ubiquidade (mista): A competência territorial é determinada tanto pelo local da ação quanto pelo do resultado, desde que um ou outro aqui ocorram.

Fala-se ainda que a  competência será determinada pelo domicílio ou residência do réu, nos casos onde for desconhecido o local da consumação (artigo 72, caput, do Código de Processo Penal) ou, ainda, nas ações penais privadas, quando o querelante optar por ajuizar ação no domicílio do réu ou sua residência (artigo 73 do Código de Processo Penal).

Se, além de desconhecido o local da consumação, for desconhecido o domicílio ou a residência do réu, que são conceitos de direito civil, aplica-se o artigo 72, parágrafo segundo do Código de Processo Penal, sendo competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.

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É vítima aquele que é sujeito à violência ou a ameaça, o que deixa de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa, e, ainda, o que sofre o prejuízo jurídico.

Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição, pág. 306) a ação incriminada é, fundamentalmente, um constrangimento ilegal, que se pratica com o fim de se obter indevida vantagem econômica. Consiste em constranger alguém a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Diz ele que o processo executivo da extorsão deverá ser a violência ou grave ameaça. Ora, são precisamente os meios de execução que distinguem este crime do estelionato, pois, neste último, a vantagem indevida se obtém mediante fraude, pois o agente induz o lesado a erro, levando-o, assim, a praticar a ação que pretende.

Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VII, pág. 69 e 70) que “uma das mais frequentes formas de extorsão é a praticada mediante ameaça de revelação de fatos escandalosos ou difamatórios, para coagir o ameaçado a comprar o silêncio do ameaçador. É a chantagem, dos franceses, ou blackmail dos ingleses”.

Certamente, o constrangimento deve ser praticado com o propósito de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica. A questão do momento consumativo deste crime, perante a lei brasileira, levou a Magalhães Noronha (Crimes contra o patrimônio, I, 224) entender ser necessário a consumação, assim como algumas decisões (RF 181/343), para que o agente obtenha efetiva vantagem patrimonial. Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VII, pág. 71) e Oscar Stevenson (Direito penal, 1948, 36) entenderam de ser o crime formal, consumando-se com o resultado do constrangimento, sendo, para isso, irrelevante que o agente venha ou não a conseguir a vantagem pretendida.

Para Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 307) não se exige que o agente tenha conseguido o proveito que pretendia. O crime se consuma com o resultado do constrangimento, com a ação ou omissão que a vítima é constrangida a fazer, omitir ou tolerar que se faça, sendo um crime de perigo.

Sendo assim, o Código Penal brasileiro ficou longe do modelo adotado nos Códigos Penais da Suíça e da Itália e inspirou-se no antigo §253 do CP alemão, que foi modificado por lei de 29 de maio de 1943. Para essa corrente, o momento consumativo independia da obtenção da vantagem pretendida.

Porém, a nova redação dada ao §253 passou a exigir que surja a vantagem patrimonial, para que o crime se consume, orientação que é a mesma na Itália. A tendência seria considerar a extorsão um crime material cuja consumação dependeria do efetivo dano ao patrimônio.

No Brasil, há jurisprudência no sentido de que é irrelevante que o agente obtenha a vantagem indevida, bastando para a configuração do crime a simples atividade ou omissão da vítima (RT 447/394, 462/393, 513/412, dentre outros). O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 96, em que se diz que: “crime de extorsão consuma-se independentemente de obtenção da vantagem indevida”.

Mesmo formal, é possível se pensar na hipótese de tentativa, uma vez que o crime não se perfaz em ato único. Ocorre a tentativa quando a ameaça não chega ao conhecimento da vítima (RT 338/103), quando esta não se intimida (RT 525/432) ou quando o agente não consegue que ela faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa (RT 481/363, 498/357, dentre outros).

O ato juridicamente nulo, que nenhum benefício de ordem econômica pode produzir, não configura o crime de extorsão. Haverá um crime impossível, sendo o agente punido por constrangimento ilegal. Bem alerta Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume II, 25ª edição, pág. 235) que pode-se figurar a hipótese de que o agente obtenha uma vantagem econômica pela prática de ato nulo (o pai resgata um documento em que há confissão da dívida de filho menor, que foi coagido a assiná-la, para honrar o nome da família).

Crime impossível, como disse Fernando Capez (Curso de Direito Penal, volume I, 11ª edição, pág. 256) é “aquele que, pela ineficácia total do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material é impossível de se consumar”. Lembre-se que, na doutrina, há denominação para o crime impossível de quase-crime, tentativa inadequada ou inidônea.

Adota-se, no Brasil, a chamada teoria objetiva temperada ou moderada, que exige que o meio empregado pelo agente e o objeto sobre o qual recai a conduta sejam absolutamente inidôneos para produzir a finalidade e o resultado buscado. Haverá, pois: delito impossível por ineficácia absoluta do meio; delito impossível por impropriedade absoluta do objeto material; crime impossível por obra do agente provocador.

A vantagem obtida no crime de extorsão há de ser indevida, pois se o agente tivesse direito, haveria configuração de um crime de exercício arbitrário das próprias razões (RT 422/300, 467/391, 586/380). De toda sorte, deve a conduta visar a uma vantagem econômica injusta.

Aplica-se o artigo 70 do Código Penal de modo que competente para instruir e julgar o crime é a Comarca de Rio Verde/GO, onde a consumação ocorreu.

Sabe-se que o crime de extorsão é de natureza formal e consuma-se no local em que ocorre o constrangimento para que se faça ou se deixe de fazer alguma coisa. A vítima, no caso, foi coagida a efetuar o depósito, mediante ameaça proferida por telefone, quando estava em seu consultório, em Rio Verde/GO. Ora, independentemente da efetivação do depósito ou do local onde se situa a agência da conta bancária beneficiada, foi ali que teria se consumado o delito.

Incide a Súmula 96 do Superior Tribunal de Justiça de modo que a extorsão, sendo crime formal, se perfaz com o efetivo constrangimento de alguém a fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça algo, não dependendo da obtenção de vantagem econômica para a sua consumação.

Em  importante precedente, no julgamento do Conflito de Competência nº 40.569/SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 5 de abril de 2004, em hipótese em que houve o momento consumativo perpetrado pelo agente ao praticar o ato de constrangimento (envio dos e-mails de conteúdo extorsivo), e o das vítimas que se sentiram ameaçadas e intimidadas com o ato constrangedor, o que ocasionou a busca da Justiça, entendeu-se que consumou-se o crime no lugar do recebimento das mensagens eletrônicas, uma vez que se trata de crime formal e o momento consumativo se apresentou na presença dos elementos constitutivos do tipo, sendo o local, repita-se, o do recebimento dos e-mails.

Em parecer para o caso aludido, o Procurador-Geral da República destacou que “o crime de extorsão consuma-se no local do constrangimento ilegal, e não no local da obtenção da vantagem indevida”.

O certo é que no crime de extorsão a vítima não age iludida, pois sua ação ou omissão é motivada pelo constrangimento a que é submetida, de modo que a entrega do bem ocorre de forma involuntária, em razão de uma grave ameaça.

Em sendo crime formal a extorsão, não exige uma redução do patrimônio da vítima, mas tão somente o constrangimento mediante violência ou grave ameaça.

Em sendo caso de “falso sequestro”, em que a vítima recebeu ligação telefônica na qual o interlocutor afirmou que seu marido foi sequestrado e, em razão disso, constrangida em sua liberdade pela grave ameaça, a vítima efetuou depósito a título de resgate em conta pertencente à agência bancária localizada em Campos, destaca-se que a consumação do crime ocorreu em Tremembé/SP, razão pela qual foi firmada a competência do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Taubaté e, consequentemente, a atribuição do órgão ministerial oficiante junto a ele.  

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Competência para instruir e julgar crime de falso sequestro . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4395, 14 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40592. Acesso em: 22 dez. 2024.

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