CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho, várias conclusões parciais foram tomadas, e seria enfadonho e até improdutivo simplesmente repeti-las agora. Sem embargo, parece mais interessante sistematizar as ideias-chave, cotejando a relação entre elas estabelecida, de modo a robustecer a carga argumentativa.
Foi visto que o contrato é um instituto do direito privado. Trata-se do nome dado aos veículos introdutores de normas postas por dois ou mais indivíduos, com fundamento na autonomia da vontade.
Questionou-se se a categoria jurídica “contrato” seria compatível com regime jurídico administrativo. Foram trazidas à baila quatro posições da doutrina brasileira sobre o tema: (1) admite a existência de contratos administrativos, regidos pelo direito público, e contratos da Administração, regidos pelo direito privado; (2) não admite a existência de contratos administrativos, mas somente de contratos privados submetidos a certas regras especiais e atos unilaterais atrelados a contratos privados complementares; (3) sustenta que todos os contratos celebrados pela Administração são contratos administrativos, regidos pelo direito público; e (4) nega a existência tanto de “contratos da Administração” como de “contratos administrativos”, porque o contrato é uma categoria jurídica incompatível com regime de direito público; a rigor, o que existem são atos administrativos bilaterais, que se submetem a regime de direito público, ainda quando eventualmente admitem a aplicação de certas regras de direito privado.
Com efeito, nos filiamos a quarta corrente. Nos atos administrativos bilaterais ou plurilaterais, não somente a formação do vínculo, mas o próprio conteúdo da relação é resultado da reunião de duas ou mais vontades.
Anote-se que os atos administrativos bilaterais constituem aquilo que a doutrina tradicional designa por contratos administrativos. Mas a questão não envolve uma mera troca de rótulos: a figura dos tais contratos administrativos evoca a ideia, a nosso juízo equivocada, de que o regime de direito privado seria integral ou parcialmente aplicável nesta seara. Nada mais enganoso. Como já se disse alhures, o sistema repudia essa assertiva: o regime de direito público é sempre aplicável nas relações que envolvam o Estado. O direito administrativo é um direito estatutário. Isso não quer dizer, entretanto, que algumas regras do direito privado não possam ser aplicadas à Administração; isto é, os atos administrativos bilaterais comportam nova subdivisão: há atos administrativos bilaterais que se submetem exclusivamente a regras de direito público e há atos administrativos bilaterais que se submetem também a regras de direito privado. Sem embargo, isso não desnatura o regime estatutário da relação: em nenhum caso se tratará de aplicação pura e simples do direito privado, mas de submissão ao regime de direito público, com influxo de uma ou outra regra privada.
Verificou-se que a teoria dos atos administrativos poderia oferecer extraordinária utilidade no exame dos atos administrativos bilaterais ou plurilaterais. Daí o exame perfunctório de alguns conceitos básicos, como a discricionariedade e a vinculação, ato viciado e invalidade (originária e superveniente), formas de correção do vício (sanatória e eliminação), a retirada e a autorretirada, a invalidação, a caducidade ou decaimento, a cassação, a conversão, a redução a convalidação.
Esse aporte teórico serviu de base para o desenvolvimento da segunda parte do estudo, onde após discorrer sobre algumas notas fundamentais acerca das parcerias público-privadas (especialmente um esboço de conceito de PPPs e das suas modalidades – a concessão patrocinada e a concessão administrativa), abordou-se, finalmente, as hipóteses de extinção das parcerias público-privadas.
A fim de sistematizar o estudo, pode-se dividir as hipóteses de extinção das concessões em dois grandes grupos: (I) a extinção normal do ato administrativo bilateral, dá-se pelo advento do “termo contratual”; (II) os demais casos, consistem em hipóteses de extinção anormal (antecipado) do ato administrativo bilateral. Nesse grupo se inserem as seguintes hipóteses: (a) por ato administrativo, fundado em autorização específica, de encampação (ou, como preferimos, “caducidade ou decaimento”), que consiste na modalidade de retirada em que a extinção da concessão é exigida por motivos de interesse público, em decorrência de uma invalidade superveniente, resultante da alteração das circunstâncias fáticas ou jurídicas presentes no momento da instituição do vínculo entre as partes; (b) por ato administrativo de “caducidade ou decadência” (ou, como preferimos, cassação) que consiste no ato de retirada por invalidade superveniente, em razão do descumprimento, pelo particular, de exigências que lhe são impostas pela ordem jurídica para a manutenção do ato; (c) rescisão judicial por decisão transitada em julgado; (d) por anulação da concessão (ou, como preferimos, em relação aos atos administrativos, por invalidação), que consiste na modalidade de extinção, por ato do poder concedente ou do Poder Judiciário, em razão de uma invalidade originária, presente já no momento da edição do ato, contra a qual o direito exige correção; (e) por falência ou extinção da concessionária, que consiste numa variante da hipótese de “caducidade ou decadência” (rectius: cassação), porque nela se verifica a presença de um ato de retirada em razão do descumprimento, pelo particular, de exigências que lhe são impostas pela ordem jurídica para a manutenção do ato. No caso de falência ou extinção do concessionário, desapareceria um requisito de habilitação (a constituição da pessoa jurídica). Todavia, ressalvou-se que essa modalidade de extinção não se aplica às parcerias público-privadas, quando a Administração Pública participe, como acionista minoritária, da Sociedade de Propósito Específico que vai gerir a PPP, haja vista que, dado de regime de indisponibilidade, os bens públicos são considerados res extra commercium. Assim, no regime da parceria público-privada, somente se aplicaria a hipótese vertente em caso da extinção da SPE, porque esta acarretaria no desaparecimento superveniente de condição para a manutenção da concessão. Todavia, difícil imaginar como isso sucederia; (f) a extinção por caso fortuito ou força maior; e (g) a extinção por desaparecimento do objeto. Por fim, cogitou-se da hipótese de extinção por “distrato”, consistente na extinção pela retirada consensual do ato. Parece-nos, porém, que essa hipótese não seja possível: o Poder Público não pode demitir-se de exigir o cumprimento das obrigações assumidas pelo concessionário ou de impor as sanções correspondentes. O interesse público não pode ficar à mercê do interesse do concessionário (ou do parceiro privado) em desistir dos encargos que assumiu.
Em cada uma das hipóteses mencionadas, foram examinados aspectos gerais, com especial ênfase a possibilidade ou de não de indenização ao concessionário. Em geral, tem todos os casos o concessionário deve ser indenizado pelos investimentos ainda não amortizados por ocasião da extinção; ressalte-se, ainda, que na encampação e na rescisão judicial, o concessionário será indenizado pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes.
Ademais, examinou-se os efeitos comuns a todas as modalidades de extinção, quais sejam: (a) a retomada pelo poder concedente do serviço cuja prestação havia sido outorgada ao concessionário; (b) o direito da Administração de ocupar as instalações que estavam afetadas ao desempenho da concessão; (c) a reversão de bens afetados à execução da PPP; e (d) o cessamento das garantias inicialmente prestadas pelas partes.
Por fim, trouxe à baila a teoria dos princípios, a qual ilumina de modo particularmente útil a compreensão do regime jurídico dos atos administrativos bilaterais ou plurilaterais: trata-se de atos submetidos a regime de direito público, caracterizados pela bilateralidade ou plurilateralidade, isto é, a assunção da vontade do(s) administrado(s) não apenas como pressuposto para edição do ato, mas como pressuposto para configuração do conteúdo da relação jurídica. Essa nota característica implica no reconhecimento de um argumento a favor da manutenção destes atos, isto é, o agente público deve, diante do caso concreto, sopesar razões jurídicas favoráveis a não extinção do ajuste e as razões favoráveis à alteração. Por assim dizer: a celebração do “contrato administrativo” gera, por si, uma razão contrária prima facie à alteração do vínculo.
Considerou-se que é a ponderação das circunstâncias fáticas e jurídicas que indicará se é o caso de alterar unilateralmente o “contrato” (hipótese de saneamento do vício de invalidade superveniente) ou de extingui-lo unilateralmente (hipótese de retirada do ato do sistema, pelas modalidades de cassação, caducidade ou decaimento ou invalidação) ou, finalmente, de deixar tudo como está (v.g., estabilização do vício).
Sublinhou-se porém, importante ressalva, verdadeira regra de ouro: assim a edição de um ato de caducidade (seja a retirada em virtude da alteração das circunstâncias fáticas, seja a retirada em decorrência da modificação da ordem jurídica) ou de cassação devem respeitar os direitos adquiridos, por força do disposto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.
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