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Direito de inerência:

a proteção dada aos pontos comerciais nos contratos de locação

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Agenda 07/09/2015 às 16:45

RESUMO: Comumente empresas e comerciantes exercem suas atividade em imóveis locados. Ao desenvolverem suas atividades nesses locais, as empresas crescem e formam uma significativa clientela nestes locais alugados, valorizando assim o ponto comercial. Sendo assim, o imóvel locado acaba se tornando primordial para o desenvolvimento das atividades empresariais e comerciais. Por este motivo, preocupou-se o direito em dar-lhe a devida proteção jurídica, para que o locatário não veja prejudicado seu empreendimento por simples desmandos do locador.

Palavras-chave: Contrato, locação, imóvel, renovação, inerência, direito.


1  INTRODUÇÃO

Ao resolver iniciar um empreendimento empresarial, uma das principais questões com que deve o empresário se preocupar é o local em que irá estabelecer seu negócio. Ao tomar esta decisão, devem ser levados em consideração diversos fatores, tais como: localização, facilidade de acesso ao local, o tipo de clientela que deseja atrair, dentre outros.

Esse local, denominado Ponto Empresarial, possui demasiada importância para o empresário, pois será providencial para a realização com sucesso dos seus interesses. Entretanto, muitas vezes o empresário interessado em iniciar seu negócio não dispõe de recursos suficientes para constituir o patrimônio imobiliário necessário para a formação de seu ponto, sendo necessário que recorra ao aluguel de bens de terceiros.

Ao alugar um imóvel, antes de começar a desenvolver sua atividade, é realizada uma série de investimentos, que poderiam se tornar arriscados para o empresário, pois uma simples alteração contratual significaria toda a perda desses investimentos.

Com a finalidade de minimizar esses riscos, preocupou-se o direito em dar a devida proteção a esse empresário locatário, podendo essa proteção afetar o próprio dono do imóvel que loca o seu ponto para o empresário.


2 PONTO COMERCIAL

Para Fábio Ulhôa (2011, vl. 1, p. 118) “O ponto – também chamado de propriedade comercial – é o local em que o empresário se estabelece. É um dos fatores decisivos para o sucesso do seu empreendimento”.

Vale ressaltar que o Ponto Empresarial é pertencente à pessoa que explora a atividade, e não ao dono do imóvel. O Ponto não existe por si só, ele depende do exercício e da exploração da empresa e é fruto dela, resultado do trabalho desenvolvido.

O empresário exerce seu direito ao ponto por meio do que é denominado Direito de Inerência ao Ponto. Isto se dá quando o imóvel é utilizado pelo empresário por força de um contrato de locação. Fábio Ulhôa conceitua Direito de Inerência ao Ponto o interesse, juridicamente protegido, do empresário relativo à permanência de sua atividade no local onde se encontra estabelecido.

O direito de inerência ao ponto do locatário passou a gozar de proteção do direito brasileiro no ano de 1934 por meio de uma lei conhecida como Lei de Luvas. Na vigência dessa lei, o comerciante e o industrial que locasse o imóvel para exploração de uma atividade empresarial, por prazo determinado de no mínimo 05 (cinco) anos, e não mudado de ramo pelo período de 03 (três) anos, era-lhe facultado o direito da renovação compulsória do vínculo locatício. Estando presentes esses requisitos, renovado era esse contrato, ainda que essa não fosse a vontade do locador. A Lei de Locação vigente, lei n. 8.245/91 manteve tal instituto, estendendo esse benefício às pessoas jurídicas com fins lucrativos de atividade civis.

A Lei de Locação estabelece alguns requisitos a serem cumpridos para o pleno exercício do direito de inerência ao ponto que estão previstos no artigo 51 da referida lei.  A presença desses requisitos define se a locação é empresarial, dando assim direito a renovação compulsória do contrato de locação.

O primeiro requisito a ser preenchido é o requisito formal, pois esse contrato deverá ter sido celebrado por escrito e o prazo a ser cumprido deve ser determinado. Não é considerada a locação como empresarial quando o contrato é formalizado oralmente ou com prazo indeterminado.

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O requisito temporal deve ser preenchido para que se garanta o direito a ingressar com a ação renovatória. Ele se refere ao prazo da relação locatícia, onde o somatório dos contratos escritos deverá ser de no mínimo cinco anos. Na contagem desse tempo, é levado em consideração o período de vários contratos escritos de menor duração, na condição de que eles sejam sucessivos e que a somatória de todos eles tenha duração ao período exigido na Lei de locação.

Pode acontecer, entretanto, que durante a formalização de dois contratos escritos decorra um pequeno período de tempo sem um instrumento escrito, período esse em que se realizam as tratativas da renovação do vínculo contratual. Durante esse lapso de tempo as obrigações não deixam de ser cumpridas. A questão que enseja discussão é se esse período sem contrato escrito descaracteriza a locação empresarial. A Lei de locação vigente exige que esses prazos contratuais sejam ininterruptos, sendo, entretanto controvertível a questão. Pronunciamentos jurisprudenciais admitem a soma de prazos, a despeito do intervalo sem instrumento escrito. Segundo essas jurisprudências, a aceitação da renovação tem o objetivo de coibir eventual tentativa do locador de frustrar os direitos do locatário.

Merece destaque que a exigência de contrato escrito para a renovação é válida para todos os contratos a serem somados para compor os cinco anos, mas não existe a obrigatoriedade de todos esses contratos serem com prazo determinado, essa exigência é tida unicamente em relação ao último contrato que será renovado.

Por fim, deve ser atendido o requisito material, onde o empresário tem que explorar a mesma atividade pelo período mínimo de três anos. Assim assevera Fábio Ulhôa (2011, vl. 1, p. 123):

Este requisito de caracterização da locação empresarial está relacionado com o sobrevalor agregado ao imóvel, em razão da exploração de uma atividade econômica no local, de sorte a transformá-lo em referência para os consumidores. Ora, esse sobrevalor só existe após uma certa permanência da atividade no ponto, que foi estimada pelo legislador em 3 anos. De acordo com a regra estabelecida, sem a exploração de uma mesma atividade no prédio locado, pelo prazo em questão, o empresário locatário não cria, com o seu estabelecimento, nenhuma referência aos consumidores digna de tutela jurídica. O seu fundo de empresa não merece proteção do direito porque não transcorreu um tempo considerado mínimo, pela lei, para a consolidação de uma clientela.

Esse requisito material deve ser atendido à data do ajuizamento da ação renovatória.

Segundo jurisprudência do STJ abaixo transcrita, ao sublocador não é dado o direito à Ação Renovatória:

 “LOCAÇÃO. DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETRÓLEO. SUBLOCAÇÃO TOTAL AO REVENDEDOR VAREJISTA. ILEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO RENOVATÓRIA. LEI 8.245/91. CARÁTER EMINENTEMENTE PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A distribuidora de petróleo, legalmente impedida de comercializar diretamente seus produtos, que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação. Precedentes.

2. A Lei 8.245/91 possui caráter eminentemente processual, tendo, portanto, aplicação imediata. O art. 76 da referida norma excluiu de sua égide apenas os processos que já estavam em curso quando da sua entrada em vigor.

3. Agravo Regimental desprovido.”(STJ - Processo: AgRg no Ag 1132115 PR 2008/0282989-5, Julgamento: 05/10/2010, Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, Publicação: DJe 03/11/2010,  acesso em 02.11.12, disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17389938/agravo-regimental-no-agravo-de-instrumento-agrg-no-ag-1132115-pr-2008-0282989-5-stj/inteiro-teor)

Existe ainda outro requisito a ser observado para a interposição da Ação Renovatória, devendo ser essa ação interposta no período entre um ano e seis meses anteriores ao término do contrato a ser renovado. Durante esse prazo, que é decadencial, ocorrerão as negociações para a renovação do contrato. Ocorrendo assim, qualquer situação que sinalize para a impossibilidade dessa renovação, autorizará o empresário a interpor a Ação Renovatória. Esse prazo é decadencial, que se descumprido impossibilitará o ajuizamento da referida ação.

Esse direito à renovação é transferível aos cessionários ou aos sucessores da locação.

Entretanto, esses direitos conferidos ao empresário locatário não podem ser exercidos de forma ilimitada, pois se assim fosse, estaria sendo tolhido o direito de propriedade do locador. Nesse sentido, Fábio Ulhôa (2011, vl. 1, p. 124):

“Não é qualquer hipótese de desacolhimento da ação renovatória que dá ensejo à indenização em favor do locatário. Apenas se a improcedência decorre do atendimento à exceção de retomada apresentada pelo locador, terá o empresário o ressarcimento pela perda do ponto. As duas outras hipóteses de mérito de contestação — desatendimento dos requisitos da locação empresarial ou perda do prazo para a proprositura da ação —, se acolhidas, não importam o dever de indenizar.”


3 AÇÃO DE RETOMADA

O direito de propriedade é um direito garantido constitucionalmente, estando entre os direitos fundamentais, devendo ter um tratamento superior em relação a outros direitos assegurados por Lei Ordinária.  Em razão dessa superioridade que os artigos 52 e 72 da lei nº 8.245/91 preveem casos em que ainda que preenchidos os requisitos necessários para a interposição da Ação Renovatória, poderá o locador utilizar seu direito conhecido como Direito de Retomada.

Essas hipóteses são meramente exemplificativas, pois se sobrevirem casos que importem a impossibilidade do locador exercer com plenitude o seu direito de propriedade, ainda que inexista essa hipótese contemplada na lei como fator impeditivo da renovação, esta não ocorrerá, porque o contrário estaria desobedecendo a diploma constitucional, conforme decisão abaixo transcrita do STJ:

DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. AÇÃO RENOVATÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. PRAZO PARA DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL. FIXAÇÃO. SENTENÇA EXTRA PETITA. NÃO-OCORRÊNCIA. PEDIDO IMPLÍCITO NA CONTESTAÇÃO. REQUISITOS DA RENOVATÓRIA. AFERIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO-OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ACÓRDÃOS CONFRONTADOS. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. Julgada improcedente a ação renovatória, havendo na contestação pedido do locador, deverá o juiz fixar o prazo de até seis meses para a desocupação do imóvel, contados a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença. Inteligência dos arts. 52, 72, IV, II, e 74 da Lei 8.245/91.

2. O pedido pode estar expresso na inicial ou ser extraído de seus termos por interpretação lógico-sistemática. Assim, não há como considerar extra petita a decisão que, julgando improcedente o pedido formulado na ação renovatória, fixa prazo para devolução do imóvel locado, se da contestação consta tal pedido, ainda que formulado de forma genérica.

(...) (REsp 996.621/BA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5.ª Turma, j. 18.11.2008, DJe 09.12.2008, acesso em 02.11.2011, disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurusprudencia/busca?q=titulo:REsp%20996.621/BA&s)

A primeira hipótese prevista no artigo 72, inciso II é a de o locatário fazer uma proposta insuficiente para a renovação do contrato de aluguel, devendo o locador apresentar em contraproposta, as condições de locação que repute compatíveis com o valor do imóvel. Nesse sentido, já decidiu o STJ o seguinte:

3. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou a compreensão segundo a qual não poderá o magistrado apoiar-se em resultado pericial para arbitrar aluguel superior (na ação de majoração, proposta pelo locador) ou inferior (na ação de redução, proposta pelo locatário) àquele pretendido pela parte e explicitamente indicado em sua petição inicial, sob pena de prolatar sentença ultra petita. Precedentes. (...) (REsp 767.300/MG,  Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, j. 15.03.2003, DJ 23.04.2007, p. 296, acesso em 02.11.12, disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18134144/apelacao-apl-9087519452009826-sp-9087519-4520098260000-tjsp)

Pode também o locador se recusar a renovar o contrato de locação quando terceiro fizer proposta em melhores condições que a proposta do locatário. Exige-se nesse caso, que o locador junte prova documental da proposta do terceiro, subscrita por ele e por duas testemunhas indicando o ramo a ser explorado, que não poderá ser o mesmo do locatário. Nessa hipótese, deverá o locador indenizar o locatário pela perda do ponto.

A terceira hipótese é a de o locador precisar fazer uma reforma substancial no imóvel locado, seja por determinação do Poder Público ou para fazer modificações que agregue valor ao imóvel.

Pode também não mais interessar o locador a renovação do contrato de locação quando este necessitar do imóvel para uso próprio ou quando precisar do imóvel para transferência de estabelecimento empresarial existente há mais de um ano cuja maioria do capital seja de sua titularidade ou de seu cônjuge, ascendente ou descendente.

Nessas duas situações, ao realizar a exceção de retomada do imóvel, este não poderá ser utilizado para uso do mesmo ramo do locatário, salvo naqueles casos em que o aluguel também envolvia o próprio estabelecimento empresarial, com as instalações e pertences necessários ao uso da atividade.

Como regra, será cabível indenização se o locador não iniciar a execução do destino que afirmou que daria ao imóvel em pelo menos 3 (três) meses contados da sua entrega. Esse é o posicionamento que vem sendo confirmado pelo STJ, conforme disposição abaixo transcrita:

“DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO COMERCIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RETOMADA DO IMÓVEL COMERCIAL PARA USO PRÓPRIO. RENOVAÇÃO DO CONTRATO NEGADA. DESTINAÇÃO DO BEM DIVERSA DA ALEGADA. INDENIZAÇÃO DO ART. 52, INCISO II, DA LEI N.º 8.245/91. CABIMENTO. CUMULAÇÃO COM A MULTA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 44. INVIABILIDADE. HIPÓTESE DOS AUTOS QUE NÃO SE SUBSUME ÀS PREVISTAS NO ART. 44. 1.

Ocorrendo a destinação diversa da alegada, para o imóvel retomado para uso próprio, nos termos do art. 52, inciso II, da Lei de Locações, tem o Locatário direito à indenização prevista no § 3.º do mencionado artigo. 2. É inviável a cumulação da indenização do § 3.º do art. 52 da Lei n.º 8.245/91 com a multa do art. 44, parágrafo único, da mesma lei, quando o Locador, a despeito de negar a renovação do contrato locatício com fundamento no uso próprio do imóvel, lhe dá destinação diversa, na medida em que esse caso não se subsume a nenhuma das hipóteses previstas nos incisos do referido art. 44. 3. Recurso especial desprovido.”

(STJ - Processo: REsp 969995 PR 2007/0170059-9, Julgamento: 26/08/2010, Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, Publicação: DJe 13/09/2010, acesso em 02.11.2012, disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16388346/recurso-especial-resp-969995-pr-2007-0170059-9-stj/inteiro-teor)

Além das hipóteses previstas em lei, é possível que seja devida indenização pela perda do ponto quando decorra de alguma violação da boa-fé contratual.

Essa indenização será arbitrada pelo juiz para ressarcir os prejuízos e os lucros cessantes que o locatário tiver de arcar pela mudança decorrente da retomada.


4  CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito de permanecer no ponto no qual fez relevantes investimentos é uma importante ferramenta de garantia do empresário e, quando utilizada em conformidade e harmonia com o direito de propriedade do locador, pode representar um forte mecanismo na defesa de interesses das partes envolvidas, promovendo o desenvolvimento de todo o empreendimento, gerando assim, benefícios para as duas partes do contrato locatício.


REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1, 15ª ed. 2ª tiragem São Paulo: Saraiva, 2011.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 2ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Método, 2011.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEVERO, Daniela Adriane. Direito de inerência:: a proteção dada aos pontos comerciais nos contratos de locação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4450, 7 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41517. Acesso em: 22 dez. 2024.

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