Resumo: O artigo descreve uma breve explanação sobre a árdua evolução histórica da sociedade dando mais ênfase ao contexto punitivo e a defesa do indivíduo frente ao poder estatal por meio dos Direitos Humanos para que, posteriormente, seja possível relatar sobre o sentimento de insegurança e impunidade presente nos dias atuais, bem como sobre a onda de exercício arbitrário das próprias razões como meio de solução das controvérsias, fazendo algumas considerações ainda sobre as dificuldades enfrentadas e possíveis melhorias do quadro social atual.
Palavras-chave: Direito Penal. Direitos Humanos. Retrocesso. Estado de natureza. Justiça.
Sumário: 1. Notas Introdutórias; 2. A sociedade e a evolução das punições; 2.1. Surgimento do Estado; 2.2 Necessidade de punição – vingança privada; 2.2.1. Fase da vingança divina; 2.2.2. Fase da vingança pública; 2.3. Direito penal romano, germânico e canônico; 2.4. Período humanitário; 2.5. Direito penal brasileiro; 3. A evolução e importância dos direitos humanos; 3.1. A magna carta; 3.2. A revolução francesa; 3.3.As gerações/dimensões dos direitos humanos; 3.3.1. Direitos de primeira dimensão; 3.3.2. Direitos de segunda dimensão; 3.3.3. Direitos de terceira dimensão; 3.3.4. Direitos de quarta dimensão; 4. Percepção internacional da necessidade de punição aos violadores dos direitos humanos; 5. Análise do panorama atual diante da evolução da sociedade; 5.1. Justiça com as próprias mãos – um retrocesso desenfreado?; 5.2. Sentimento de impunidade e insegurança – dificuldades enfrentadas; 6. Notas conclusivas; Referencias bibliográficas.
1. Notas introdutórias
Tem se tornado corriqueiro casos em que indivíduos praticam a bárbara justiça feita com as próprias mãos, condutas que têm chocado a população e dividido opiniões, ainda mais nos quais a revolta liderada por um sentimento de impunidade e insegurança, devido à omissão estatal, vem propiciando ataques aos que cometem e até mesmo aos apenas suspeitos de um crime levando-os a morte.
Esta desumana forma de justiça confronta o Estado, único titular do “jus puniendi”, fazendo com que vivenciemos momentos de “estado de natureza” ao vermos indivíduos considerando-se no direito de julgar e punir outros com atitudes selvagens, afastando e desrespeitando toda sistemática processualista do devido processo legal e praticando o crime de exercício arbitrário das próprias razões previsto no art. 345 do Código Penal.
Casos como a de um adolescente de 15 anos que foi deixado nu, amarrado a um poste e posteriormente agredido por cerca de trinta pessoas por ser suspeito de roubar bicicletas, e o que falar então a respeito da mulher que foi violentamente espancada e morreu por se parecer com um retrato falado exposto em uma página na internet, sendo então considerada a possível sequestradora de crianças com o intuito de usá-las em rituais de magia negra, sem ao menos prova alguma ou até mesmo que tal sequestradora existe de fato. Muito chocante também o sequestro, tortura e morte de uma manicure, mãe de cinco filhos, por ter furtado um pacote de biscoitos, entre tantos outros crimes cometidos por “justiceiros”. A falta de confiança da população na justiça estatal juntamente com o sentimento de impunidade estaria fazendo com que voltássemos ao estado de natureza? Retrocesso desenfreado? E os Direitos Humanos, onde estão?
2. A sociedade e evolução das punições
2.1. Surgimento do Estado
Segundo os contratualistas, a sociedade é uma criação humana e tem sua base firmada em um contrato, que pode ser alterado ou desfeito. Para Rousseau, ela surge com a principal tarefa de garantir igualdade entre todos, se guiando pela vontade geral, e não pelos interesses particulares. Hobbes afirmava que os homens viviam em uma guerra de todos contra todos na lei de sobrevivência do mais forte. Marcelo Ribeiro leciona em referência as teses contratualistas de Thomas Hobbes e John Locke que
[...] O primeiro afirma um suposto estágio de guerra geral, onde o homem se apresenta como algoz do semelhante e o império se constrói pela força. Nesse primitivo estado de natureza, no intuito de preservar a vida, o homem estaria disposto a transferir seus poderes para outrem, a fim de ver cessada a guerra de todos contra todos, despojando-se de direitos e possibilidades, em prol da segurança.1
O mundo tinha liberdade, mas era muito inseguro em meio à vingança privada. Diante de um pacto firmado entre todos garantiriam os direitos e as relações entre as pessoas, decidindo assim, entregar sua liberdade em detrimento de mais segurança. Criaram o leviatã, ou o Estado, o qual teria o poder de punir todos que não sigam as regras sociais. Desta maneira, passou-se a ser controlada a vingança privada, e o Estado ficara encarregado de solucionar os litígios dizendo de quem era o direito diante de uma sistemática processualística possuindo o poder de punir àqueles que violassem as normas impostas. Este acordo ficou denominado por Rousseau de “contrato social”, explicando em sua obra que “o que o homem perde pelo contrato social é a sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que o tenta e que ele pode alcançar. O que ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui”.2
2.2. Necessidade de punição – Fase da Vingança Privada
Desde os primórdios quando o homem já vivia em pequenos agrupamentos, crimes e castigos já existiam, sendo que as penas eram baseadas em tradições e o ser humano vivia preso às crenças. Tratando-se de suas relações, precisavam de um ordenamento coercitivo que garantisse a convivência harmoniosa passando assim a criarem proibições que basicamente acarretavam punições, a denominada fase da vingança privada, com finalidade, sobretudo da retaliação, a qual era geralmente desproporcional ao erro. Não obstante, os massacres passaram a ocorrer em grande escala e para por fim a estes, aceitaram o qual ficou conhecida como “lei de talião”, o famoso “olho por olho, dente por dente”, que foi adotada no Código de Hamurabi (Bailônia), trazendo por exemplo: "Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez ciclos pelo feto"; "Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele", também no Exôdo (povo hebraico) e na lei das XII Tábuas (Roma). Com tais avanços, posteriormente consagram a ideia da composição, onde o ofensor poderia pagar pelo dano, comprando, desta maneira, a sua liberdade, sendo então considerada a origem das indenizações do Direito Civil e da multa do Direito Penal.
2.2.1. Fase da Vingança Divina
A chamada fase da vingança divina era caracterizada pela aplicação de penas com a finalidade de pagar aos deuses pela ofensa praticada pelo indivíduo, sendo utilizadas no famoso Código de Manu. Eram aplicadas penas cruéis, severas e desumanas como forma de respeito à divindade, possuindo, desta maneira, caráter religioso, isto é, pode-se dizer que se confundia religião e direito. Tais princípios foram adotados também na Babilônia, no Egito, na China, na Pérsia e pelo povo de Israel. Geralmente, de tão horrendas, acarretavam a morte do indivíduo como forma de retribuição pelo desrespeito e mal praticado, pois acreditavam que se assim não fizessem, sofreriam grandes punições divinas.
2.2.2. Fase da Vingança Pública
A fase da vingança pública, na qual o Estado passava a receber maior estabilidade em sua construção, se caracterizando com o chefe da tribo aplicando a pena como sanção imposta pelo Estado em prol dos interesses da comunidade em geral. O soberano, exercendo seu poder em nome de Deus, cometia inúmeras arbitrariedades diante da sua hierarquia, tendo a pena de morte aplicada por motivos insignificantes e outras que poderiam atingir até mesmo a família do agente. Mesmo diante das enormes injustiças, significou um grande avanço, pois as penas não eram mais aplicadas por outros indivíduos, mas sim diante das ordens proferidas pela figura soberana que representava o Estado.
2.3. Direito Penal Romano, Germânico e Canônico
No Direito Penal Romano direito e religião se confundiam, sendo a pena utilizada para suavizar a ira dos deuses, período denominado Régio que durou até 509 a.C. No período Republicano, entre 509 a.C. e 27 a.C, houve a separação da religião e do Estado, como também um maior afastamento da vingança privada para um maior controle penal estatal. Já no período Monárquico (284 d.C a 565 d.C), a criação do Corpus Juris Civilis pelo imperador Justiniano mostrou-se como uma importante inovação, trazendo ensinamentos sobre o erro, culpa, dolo, legitima defesa, entre outros. No Direito Penal Germânico as leis possuíam natureza consuetudinária, sendo a pena com base religiosa e crime sujeito à vingança ou à composição familiar. Com a invasão de Roma e aumento do poder do Estado, surgem às leis bárbaras caracterizadas pela composição ou, para aqueles que não pudessem pagar, eram submetidos a penas corporais, diferenciando então do Direito Romano, logo, o agente era punido sem considerar o dolo, culpa ou fato fortuito, possuindo como processo as ordálias e os duelos onde o vencedor era proclamado inocente. No Direito Penal Canônico, século IX, houve a luta da Igreja para impor leis ao Estado em nome de Deus, surgindo então o chamado “Corpus Juris Canonici”. Procuravam aceitar a igualdade entre todas as pessoas trazendo a justa retribuição em consonância com o arrependimento mediante as penas impostas. Ainda significaram um grande avanço combatendo as ordálias e introduzindo as penas privativas de liberdade, sendo então idealizada a penitenciaria para que o réu pagasse a pena e ao mesmo tempo melhorasse sua conduta. A Igreja ainda defendia a mitigação da pena, não costumando aplicar a pena capital, no entanto, a tortura era comumente utilizada, sendo dispensada pelo processo inquisitório até mesmo a prévia acusação.
2.4. Período Humanitário
O chamado Período Humanitário ocorre durante 1750 e 1850, sendo marcado pela contestação dos ideais absolutistas pelos grandes pensadores e sendo a principal influência do Iluminismo ou “Filosofia das Luzes”. Cesare Bonesana, o marquês de Beccaria, considerado o primeiro daquela época a divulgar suas ideias contra a tradição jurídica e a legislação penal vigente, em 1764, com 25 anos, publica sua famosa obra estudada até hoje na área jurídica, a renomada “Dei delitti e delle pene” (dos delitos e das penas), tendo como objetivo tratar em análises críticas sobre questões referentes ao sistema penal do antigo regime, a qual exerceu enorme influência nas reformulações das legislações. Com suas ideias iluministas e visão frente há seu tempo, expõe que é impossível prevenir completamente todas as desordens causadas pelas paixões humanas e explica que “os crimes serão menos frequentes conforme os códigos da lei forem mais universalmente lidos e compreendidos, pois não há dúvida que a eloquência dos interesses é, sobretudo, assistida pela ignorância e incerteza das punições.”3 A obra exerceu enorme influência nas reformulações das legislações, pois trata sobre diversos aspectos penais, como a proporção entre os crimes e as penas, hoje chamada de princípio da proporcionalidade, relatando também, dentre outras, a ineficácia da tortura como forma de obtenção das confissões e provas do crime. Defendendo que o método mais seguro de prevenir crimes é aperfeiçoar o sistema educacional. Cumpre destaque que, para ele, não seria o rigor das penas que preveniriam o crime, logo, a severidade das penas deve ser proporcional ao estado da nação e determinada a menor possível aplicável ao caso, terá maior eficácia quando proporcional ao delito, imediata e prevista em lei, pois a prevenção ocorre com maior eficiência quando de fato há a certeza da punição.
2.5. Direito Penal Brasileiro
Em análise especificamente ao Brasil, podemos resumir a história do Direito Penal em três principais fases: Período Colonial, Código Criminal do Império e Período Republicano. O primeiro diz respeito à civilização primitiva, na qual adotavam a vingança privada e fora considerada um dos períodos mais cruéis e violentos da História da Humanidade em todos os continentes. A lei penal que deveria ser aplicada era as contidas nos 143 títulos do Livro V das Ordenações Filipinas que foram promulgadas por Felipe II em 1603. Como leciona Bitencourt,
orientavam-se no sentido de uma ampla e generalizada criminalização, com severas punições. Além do predomínio da pena de morte, utilizava outras sanções cruéis, como açoite, amputação de membros, as galés, degredo etc. Não se adotava o princípio da legalidade ficando ao arbítrio do julgador a escolha aplicável. Esta rigorosa legislação regeu a vida brasileira por mais de dois séculos4.
O Código Criminal do Império fora determinado diante da Constituição de 1824, pois era de extrema necessidade a sua elaboração diante das bases sólidas de justiça e equidade. Fora adotado o projeto de código de Bernardo Pereira Vasconcelhos, sendo sancionado em 1830 pelo imperador D. Pedro I e considerado como um dos mais bem elaborados da época chegando a influenciar outros Códigos por sua clareza, precisão e outras tantas qualidades, além de ter consagrado em seu art. 55 o sistema dias-multa. Surgiu também logo em seguida, em 1832, o de Processo Criminal. Já no Período Republicano, o Código Penal aprovado e publicado em 1980 foi elaborado por Batista Pereira, no entanto, fora considerado o pior da história, pois apresentava graves defeitos e ignorou alguns avanços doutrinários. O mesmo ainda ficou vigente entre 1890 e 1932, mesmo com muitos outros pretendendo substituí-lo. Foi só em 1937 durante o Estado Novo que Alcântara Machado apresentou um projeto que fora apreciado por uma Comissão Revisora e sancionado por decreto 1940, passando a vigorar desde 1942 até os dias atuais, evidentemente com várias reformas.
3. A evolução e importância dos Direitos Humanos
3.1. A Magna Carta
Em referência a essa evolução baseada principalmente em árduas conquistas, não se pode deixar de relatar sobre a importante e tão citada “Magna Carta”. O Constitucionalismo foi um movimento jurídico, político, social e ideológico que procurou limitar o poder do Estado por meio de uma Constituição tentando garantir o bem público e os interesses da sociedade. Os seus antecedentes são bastante remotos, logo, os primeiros modos de proteção individual surgem no antigo Egito e Mesopotâmia, unido ao Código de Hamurabi, todavia, é outorgada no século XIII a chamada “Magna Carta”, de 21 de junho de 1215, sendo peça básica de todo o Constitucionalismo, na qual o rei João sem Terra reconhece uma série de direitos do povo inglês. Apesar de tal conduta, o rei só assinou esse documento porque fora pressionado e obrigado pelos barões apoiados pelos burgueses, fazendo assim com que ela tivesse mais importância histórica do que prática, já que ele se recusava a aplicá-la de fato. Entretanto, a partir do século XVII, ela passou a ter mais concretização, quando alguns documentos e legislações reafirmaram valores já expostos. Na realidade, a consagração normativa dos direitos humanos fundamentais coube à França, sendo considerado o principal documento da evolução dos direitos fundamentais e consagração dos econômicos e sociais.
3.2. A revolução Francesa
A Revolução Francesa foi sustentada pelo povo, este manipulado pela burguesia que defendia seus próprios valores, como por exemplo, a expansão da propriedade privada, a exoneração dos privilégios que tinham a nobreza e o clero, etc., logo, como o poder estava concentrado nas mãos dos chamados primeiro (nobreza) e segundo (clero) estados, aos demais estavam reservados apenas deveres. Sieyès, deputado eleito pelo Terceiro Estado, em sua obra “O que é o terceiro estado”, mostra as dificuldades que enfrentavam nesse período histórico relatando: “[...] Assim, o que é o Terceiro Estado? Tudo, mas um tudo entravado e oprimido. O que seria ele sem as ordens de privilégios? Tudo, mas um tudo livre e florescente. Nada pode funcionar sem ele, as coisas iriam infinitamente melhor sem os outros.”5 Desta maneira, Sieyès defendia que o Terceiro Estado é de extrema importância para o bem estar da sociedade, no entanto, tem sido alvo de exclusão e limites determinados, arcando com os serviços mais difíceis e não sendo honrados pelo mesmo, pois para suprir os cargos superiores só são considerados aptos os privilegiados, alimentando assim as desigualdades. Diante de tudo, considerava-os até mais competente para votar pelo clero e nobreza, quanto estas duas são para fazê-lo pelo povo. Portanto, não deve ficar esperando o arbítrio dos demais para gozarem dos seus direitos, mas sim enfrentá-los. Com isso passará de nada para tudo, logo, como relatava Sieyès, “o Terceiro Estado não teve, até agora, verdadeiros representantes nos Estados Gerais. Desse modo, seus direitos políticos são nulos.”6
A base teórica dessa revolução foi cunhada pelo filósofo e pensador suíço Jean-Jacques Rousseau, falecido em 1778, ou seja, foi inspirada dos ideais iluministas. Para que pudessem reivindicar seus direitos de uma forma mais eficaz, criaram o chamado terceiro estado, composto pela grande maioria da população, e não usando apenas a força bruta, mas um discurso que a legitimou no poder. Assim, se contrapondo ao poder centralizado no monarca, é também na Revolução Francesa que são estabelecidas as bases de um Estado de Direito e caracterizando a ideia de separação dos poderes. Foi Montesquieu que sistematizou o princípio com profunda intuição e ganhou muita ênfase na Revolução, tendo assim tanta importância que fora declarado que a sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não têm Constituição. Desta forma, esse princípio foi à essência da doutrina exposta no Federalist, da contenção do poder pelo poder, o chamado sistema de freios e contrapesos. Tendo como inspiração as ideias iluministas e a Revolução Americana, serviu de modelo para outras no período. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão deve ser vista por a sua importância histórica tendo como elemento essencial à isonomia, marco importantíssimo para evolução das legislações dos Estados. Como se observa,
[...] olhando para trás, a Declaração ratifica a abolição dos privilégios, adotada em 4 de agosto, mas, encarando o futuro, estabelece a uniformidade do direito aplicável a todos os homens. Está nisto, sem dúvida, uma das principais revoluções da Revolução Francesa7
Nesse período, após longos anos de opressão pelo regime absolutista e com a tomada do poder pela burguesia, havia certo temor de retorno à situação anterior. Foi o começo da “era dos códigos”, marcada pelo Código de Napoleão, o qual acreditava possuir resposta pronta e acabada para a resolução de todos os conflitos jurídicos, e o Código Civil Francês de 1804. A não admissão de qualquer tipo de brechas que pudessem levar os magistrados a aplicar o direito em desconformidade à norma legal até então estabelecida, e a redução do direito à lei foi um forte fundamento da Escola Exegética que se firmou após a Revolução. O próprio Beccaria se mostrava contra as incertezas que a hermenêutica poderia trazer relatando que “nada é mais perigoso do que o popular provérbio de que é necessário consultar o espírito da lei. Adotá-lo é abrir-se a uma torrente de opiniões [...]”8. Segundo Perelman, nesse sistema, o papel dos juízes era insignificante, logo, percebe-se que o Direito era acentuadamente reduzido às leis escritas. Era a ideia que o código tinha solução para todos os problemas. Os Diegestos (Pandectas), que eram a compilação das decisões dos antigos jurisconsultos, e o Código foram às compilações feitas por ordem do Imperador Justiniano. Em contrapartida, a Escola Histórica Alemã do Direito rebelou-se contra e existência de um Direito Natural permanente e imutável. Para Savigny, ao invés de um direito geral e universal, cada povo, em cada época, deveria possuir o seu, expressão natural de sua evolução histórica, de seu uso, costumes e tradições de todas as épocas passadas.
3.3. As gerações/dimensões dos Direitos Humanos
Os Direitos Humanos nos apresenta uma grande controvérsia em como é denominado, pois alguns autores criticam essa expressão defendendo que, quando se fala em gerações, a posterior fará com que a anterior deixe de existir, o que de fato não acontece com os direitos humanos. Desta maneira, alguns acreditam que a melhor nomenclatura para tratar-se sobre o tema seja: dimensões dos direitos humanos, sobre estas, há de se relatar quatro que serão tratadas no decorrer deste tópico.
3.3.1. Direitos de primeira dimensão
A primeira dimensão se refere às liberdades públicas, onde temos os direitos políticos básicos que surgiram com a Magna Carta. Ela se opõe a tamanha atuação estatal, defendendo um indivíduo independente do Estado e foi consumado, como já citado, na Declaração de 1789, nos 17 artigos que relatavam os princípios da liberdade, igualdade formal, propriedade e legalidade e as garantias individuais liberais em uma concepção individualista, ora, era ao que já se referia o famoso lema da Revolução: “Liberdade, igualdade e fraternidade”.
3.3.2. Direitos de segunda dimensão
A segunda relata sobre os direitos sociais, culturais e econômicos, os quais alguns autores afirmam que eles nasceram no século XIX com a Revolução Industrial, mas a sua real positivação só foi surgir com a Constituição Mexicana 1917 e a Alemã de 1919, também chamada de Constituição de Weimar. Tal Constituição fora muito importante para a história, pois esse modelo prevendo direitos e deveres fundamentais dos alemães serviram de base para outras que se editaram, como a própria Carta de 1934 brasileira. Consistiu um grande marco, encontrando-se na importante Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de dezembro de 1948.
3.3.3. Direitos de terceira dimensão
A terceira dimensão trata sobre os direitos de solidariedade ou fraternidade são aqueles difusos ou coletivos orientados para o progresso da humanidade, sendo considerados direitos indeterminados e indivisíveis, pois não pertencem a ninguém particularmente, isto é, é de todos e de ninguém, são vinculados, por exemplo, ao desenvolvimento, à paz internacional, ao meio ambiente saudável, a comunicação, etc., que surgiram pós Segunda Guerra Mundial. Vale relatar então sobre o Neoconstitucionalismo, o qual teve como marco filosófico o pós-positivismo, e foi marcado pela força normativa da constituição e tem objetivo assegurar uma maior eficácia da constituição e concretização dos principais direitos fundamentais, logo, a sua eficácia andava muito reduzida pelos regimes ditatoriais. Há várias consequências, como a Hermenêutica Constitucional, transformações no Estado de Direito, entre outros. Cumpre destacar que a teoria da norma pós-positivista teve como principal fundamento a normatividade dos princípios, eles seriam o “coração da constituição” tanto é que nossa Constituição no seu Título I já se refere aos princípios fundamentais, pois é considerado que toda regra quanto princípio proíbe, permite ou obriga algo. Não obstante, apesar de tais aspectos, alguns autores defendem que o mesmo não tem nada de novo, o que há de fato é novos “rótulos” acompanhados de prefixos que significam basicamente a mesma coisa que já havia sido exposta, devendo então ser usada à terminologia apenas no sentido de constitucionalismo contemporâneo. “É, portanto, o constitucionalismo contemporâneo com outro nome. E nada mais.”9 Sobre a Hermenêutica, relata Marcelo Ribeiro que
[...] a atividade intelectual do hermeneuta seria capaz de extrair do texto ou de uma decisão, tudo o que nela se contém. Interpretar a lei, portanto, remete o aplicador do direito a uma busca pela verdadeira essência do Direito ou do texto normativo, de sorte a lhe identificar os valores consagrados pelo legislador.10
3.3.4. – Direitos de quarta dimensão
Quando nos referimos à quarta dimensão, estamos falando sobre os direitos dos povos, são aqueles que têm por objetivo a preservação do ser humano, estes são: biossegurança, biodireito, a inclusão digital, a proteção contra uma globalização desenfreada, acontecimentos ligados à engenharia genética, etc. os quais surgiram há aproximadamente 20 anos. Alguns autores ainda acrescentam outras dimensões, Bulos, por exemplo, cita ainda os de quinta geração, direito à paz, e os de sexta geração, o direito à democracia, à informação e ao pluralismo jurídico.