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Repercussões introduzidas pelo Indulto natalino de 2013: incidentes sobre a pena de multa

Agenda 17/08/2015 às 12:23

Portaria do Ministro da Fazenda é ato de caráter eminentemente tributário, atrelado finalísticamente às normas legais tributárias não suscetíveis de serem empregadas na seara penal, por falta de pertinência temática.

Sumário: 1 Introdução. 2. Inaplicabilidade de cláusula de limitativa para incidência do indulto de multa. 3. Conclusão. 4. Referências.

Resumo: O presente artigo aborda as implicações introduzidas pelo Decreto nº 8.172, de 24 de dezembro de 2013, em relação ao indulto de multa, sobretudo sob a ótica da legalidade.

Palavras chaves: indulto, crises de legalidade, ato infralegal, competência regulamentar.


1. Introdução:

 Há casos em que, a despeito da extinção da pena privativa de liberdade, remanesce a pena de multa imposta cumulativamente àquela. Assim, o apenado é instado a pagá-la, e o inadimplemento resulta no encaminhamento desta ao Fisco, seguindo, a partir daí, as regras da execução fiscal. Exaure-se, portanto, a jurisdição da execução penal, sem prejuízo deste juízo analisar a prescrição do crédito ou hipossuficiência do apenado como forma de extinguir a pena de multa e evitar o encaminhamento à Fazenda Pública de dívida ínfima que inviabiliza a sua execução.

Noutro passo, o inadimplemento da pena de multa cumulativa não pode importar na sua conversão em pena privativa, tampouco impede a extinção da punibilidade. Nesse sentido, é o precedente[i] do STJ:

“(...)        A jurisprudência desta Corte de Justiça firmou compreensão de que, transitada em julgado a condenação, a pena pecuniária se converte em dívida de valor, devendo ser cobrada por meio de execução fiscal, pela Fazenda Pública, nos casos de inadimplemento.

2.            Cumprida a pena privativa de liberdade, correta a decisão agravada em declarar a extinção da punibilidade do réu, independentemente do adimplemento da pena de multa (...)”.

Noutro passo, tem-se que o Decreto nº 8.172, de 24 de dezembro de 2013 inovou, quanto aos requisitos para se obter o perdão da pena de multa criminal. Senão, vejamos.

Dispõe o art. 1º, inciso X, do Decreto nº 8.172, de 24 de dezembro de 2013, in verbis:

X - condenadas a pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou juízo em que se encontre, aplicada cumulativamente com pena privativa de liberdade cumprida até 25 de dezembro de 2013, desde que não supere o valor mínimo para inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, e que não tenha capacidade econômica de quitá-la;

Nesse enfoque, a hipótese extintiva de punibilidade incide sobre as pessoas condenadas a pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou juízo em que se encontre, aplicada cumulativamente à pena privativa de liberdade cumprida até 25 de dezembro de 2013, desde que não supere o valor mínimo para inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, e que não tenha capacidade econômica de quitá-la. Vejamos o referido ato normativo:

“ Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012

(...) Art. 1º Determinar:

I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e;

II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

 § 1º Os limites estabelecidos no caput não se aplicam quando se tratar de débitos decorrentes de aplicação de multa criminal ...”.

A teor do art. 1º, parágrafo 1º, da Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, o valor mínimo atinente à inscrição da Dívida Ativa da União não se aplica às multas criminais.

Surge-se daí interessante problemática, isto é, a aplicação de indulto em relação às multas criminais quando a norma remetida, de forma expressa, nega sua aplicação nesses casos.


2. Inaplicabilidade de cláusula limitativa para incidência do indulto de multa

Como conciliar disposições antagônicas, sobretudo na seara penal, onde vige o primado da inocência e a dúvida é sempre sopesada em favor do acusado?

Assim, por óbvio, sob pena de fazer do indulto letra morta e consagrar a odiosa e proscrita interpretação em prejuízo do apenado, in malam partem, conclui-se que o indulto natalino de multa, ao condicionar a concessão da benesse ao preenchimento de requisitos constantes em ato normativo infralegal e este, por sua vez, expressamente, ao excluir a multa criminal de seu âmbito de incidência, torna-se forçoso reconhecer que não há limites para concessão da benesse, em se tratando de multas criminais, por ser este um entendimento que se amolda à interpretação in bonam partem, que veda a adoção de juízos em desfavor do apenado, na hipótese de dúvidas objetivas.

O que se vê, no caso em tela, é que o indulto, ao tentar impor um teto para a concessão da benesse fiscal, terminou mesmo por derrubar todas as barreiras dessa proibição, uma vez que, a vedação de aplicação do benefício fiscal constante da norma remetida não pode ser tido por inexorável a ponto de impedir a aplicação do indulto de 2013, sobretudo quando se vislumbra a presente questão sob uma ótica teleológica e sistêmica.

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Digo isto, pois a razão de ser do indulto é extinguir a pena daqueles que se enquadrem em suas disposições, é um perdão do "Rei".

A situação vertida é bem complexa, pois a norma referida (Portaria do Ministro da Fazenda) expressamente veda a aplicação da benesse fiscal às multas criminais.

Nesse caso, ou se nega totalmente a incidência do indulto, algo inconcebível, sobretudo quando se tem em vista a hierarquia normativa, qual seja, o indulto sobrepõe-se a uma Portaria, editada esta por um auxiliar do “Rei”, o que torna claro que não pode obstar norma superior de produzir seus efeitos. Ademais, o indulto é norma complementar direta da CF/88, a qual autorizou expressamente a sua elaboração sem interpolação normativa, sendo um verdadeiro mandado de extinção de pena criminal, em contraposição aos mandados de criminalização, que aquela, também, previu.

O conflito entre Lei e regulamento é um típico caso de crises de legalidade, em que se deve afastar a norma inferior, por inobservar preceito de norma superior ou por contradizê-lo. Não é demais ressaltar que uma norma de hierarquia superior não pode revogar norma inferior, pois há âmbitos de incidências diversos. Falta à norma regulamentadora pertinência temática, pois foi criada previamente à situação e não para regular situações criminais, tanto é que, expressamente, retirou sua incidência dos feitos criminais, não podendo, dessa forma, ser aplicada a casos penais.

Dito isto, torna-se claro que não se pode negar o direito ao apenado, pois este foi assegurado por norma de cunho superior. Igualmente, a concessão do benefício não pode estar limitada a um teto, pois a Portaria não prevê sua aplicação às multas criminais.

Discute-se, aqui, também, a possibilidade de um indulto ser complementado por outra norma, como se norma penal em branco fosse. Sabe-se que a norma penal em branco é uma forma do direito de acompanhar as constantes mudanças da vida. Em que pesem as críticas contra esse estilo normativo, por violação da legalidade, taxativamente, e reserva legal, tal estilo normativo tem sido aceito pelas Cortes Superiores.

A norma penal em branco é aquela em que seu conteúdo (ou essência, qual seja, parte do seu preceito primário) é oco e vazio sendo complementado por outra norma, oriunda da mesma fonte normativa ou de diversa. Explico. A norma prevê que determinada conduta é criminosa, porém as características desta conduta estão previstas em outra norma. Acontece que a elaboração de normas penais é de competência normativa da União, por meio do Congresso Nacional. O Poder Executivo Federal não detém a competência de elaborar norma penal stricto sensu.

Todavia, o indulto é norma penal em sentido amplo, por tratar de extinção de punibilidade, excepcionalmente elaborada pelo Poder Executivo, conforme franquia Constitucional.

Por sua vez, o “Decreto Perdoador” não poderia fazer remissão a outra norma infralegal para que esta completasse seu conteúdo, pois apenas lei em sentido estrito, isto é, aquelas elaboradas pelo Poder Legislativo poderiam ter seu conteúdo complementado por outras normas, sob pena de malferir preceito constitucional autorizativo. Ademais, essa remissão não poderia agravar a situação do apenado, por violação clara do princípio da legalidade e burla ao mandamento constitucional.

A normas penais, por dizerem respeito ao direito de locomoção dos indivíduos, devem obedecer a legalidade estrita. Assim, nem mesmo o Poder Legislativo pode elaborar norma penal mediante ato infralegal, com dispositivos sem complementação, remetendo o aplicador a normas infralegais para fins de colmatação, em clara infração ao princípio da legalidade (taxatividade, certeza e clareza).

 É cristalino que o Executivo não pode agravar a situação do apenado, tampouco pode estabelecer requisitos para extinção da pena com remissão a ato normativo infralegal que havia sido elaborado para regulamentar outro normativo, pois seria uma verdadeira teratologia jurídica. A Portaria do Ministro da Fazenda é ato de caráter eminentemente tributário, atrelado finalísticamente às normas legais tributárias não suscetíveis de serem empregadas na seara penal, por falta de pertinência temática.

Esta norma regulamentar não possui pertinência temática com o indulto que visa regular, devendo ser afastada aplicando-se, assim, o indulto sem qualquer remissão a esta norma, e, portanto, limites pecuniários. As normas regulamentares de lei material penal devem guardar pertinência temática, se é que é possível admissão dessas. Assim, como o indulto não pode versar sobre requisitos do título de crédito, é inviável norma regulamentar de leis tributárias ser aplicada para regulamentar lei penal, a qual demanda norma específica e pertinência temática, em obséquio ao princípio da legalidade.

Ademais, ainda conforme a Portaria acima citada, há uma distinção entre valor para inscrição e valor para execução. Ocorre que este pressupõe o primeiro. Ou seja, é inviável a execução fiscal, mesmo havendo valor inscrito, se for inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Dessa forma, o juízo da execução penal, ao analisar a multa imposta, deve verificar se esta excede o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), pois, se for inferior, será inútil a remessa da multa à esfera da Fazenda Pública, pois esta não poderia ser executada, devendo a decisão amoldar-se à razoabilidade, efetividade e praticidade da atuação jurisdicional, conforme prevê o indulto.          

Outra questão bastante relevante é atinente à competência de juízo estadual para apreciar questão que envolve ato normativo Federal. Ao analisar a legalidade ou constitucionalidade de Portaria federal, este juízo estaria usurpando competência de outro órgão judicial, pois envolveria interesse direto da União, dívida ativa da União, caso a multa fosse destinada ao Fundo Nacional Penitenciário.


 3.Conclusão

Desse modo, quando o Judiciário atua como legislador positivo, viola o princípio da separação de Poderes, que assegura o monopólio da produção normativa ao Legislativo.

Destarte, não é dado ao juiz elaborar a norma e aplicá-la, arbitrariamente, pois termina por violar o equilíbrio entre os Poderes. Não pode o magistrado dizer que aplica o indulto, mas limitado a um teto, quando este limite máximo está fixado para dívidas de natureza não criminal, não podendo servir de parâmetro às multas criminais.

Dessa forma, por todo o exposto, não há outra solução, senão a aplicação do indulto, sem levar em consideração qualquer redutor, de forma a consagrar as interpretações sistemática e teleológica, que rechaçam quaisquer entendimentos violadores dos princípios da razoabilidade, isonomia material e ressocialização.

A dúvida normativa ou eventual atecnia do legislador não podem ser consideradas em prejuízo do apenado, que nada contribuiu para a confusão normativa. Este, na verdade, está sendo cerceado de gozar de um direito que lhe fora concedido pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, sendo um odioso bis in idem, pois está sendo duplamente punido.

Portanto, é de se esposar que, na dúvida, indulta-se, pois, noutro sentido, deve-se, desde já, decretar a falência do referido inciso, pois este é manifestamente inaplicável, caso não seja feita uma interpretação consentânea com a literalidade na norma.


4. Referências

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NOTA

[i] Brasil. STJ. AgRg no REsp 1457589 / SP. Relator(a) Ministro GURGEL DE FARIA. Data do Julgamento19/05/2015.

Sobre o autor
Bruno Joviniano de Santana Silva

Defensor Público. Ex Advogado da Petrobrás. Ex Analista Judiciário do TJDFT. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Joviniano Santana. Repercussões introduzidas pelo Indulto natalino de 2013: incidentes sobre a pena de multa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4429, 17 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41788. Acesso em: 22 dez. 2024.

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