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Da estabilidade do servidor público em tempos de crise

Agenda 14/08/2015 às 09:10

Contém breves explanações sobre a possibilidade de rescisão de contrato de trabalho do servidor público estável em razão de adequação à Lei de Responsabilidade Orçamentária.

O Brasil, nas suas distintas esferas de poder, vem enfrentando uma feroz crise econômica. Este momento pode ser explicado por diversos motivos, por exemplo, quedas vertiginosas nas arrecadações das commodities (minério de ferro, soja, carne etc.), gestões amadoras da coisa pública, corrupção, pessimismo na economia mundial, gerando queda nas exportações, e tantas outras situações.

Nestes momentos de instabilidades, ocorre uma verdadeira corrida aos cargos públicos, almejando a tão sonhada estabilidade.

Mas, esta estabilidade é, de fato, inquebrável?

Ocorre que não.

A Constituição da República disciplina algumas situações em que o servidor público pode ser exonerado de suas funções. Abordaremos aqui estas previsões, senão vejamos:

Inicialmente, é necessário entendermos uma diferenciação de classificação dos diferentes tipos de servidor público. O Código Penal em seu art. 327 classifica o “funcionário público” como aquele que, ainda que transitoriamente, com ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Partindo dessa ideia, temos que todo cidadão que está envolvido na máquina pública é considerado um funcionário público. Nesse sentido, é funcionário público o mesário na época das eleições, o servidor de carreira aprovado em concurso público, assim como o Prefeito, o Governador ou o Presidente da República.

Entretanto, o conceito de funcionário publicou caiu em desuso, sendo chamado atualmente “servidor público” aquele que mantém contrato de trabalho com o Estado, quer seja com a União, com o Estado ou com a Prefeitura, por exemplo.

Este servidor público pode ser um servidor de carreira, aprovado em concurso público, ou um servidor comissionado, indicado por um agente político (Presidente, Ministro, Deputado, Prefeito, Vereador, etc.) para o exercício de uma função pública de confiança.

O que diferencia objetivamente as duas funções é justamente a estabilidade funcional. Enquanto o servidor de carreira é estável, o servidor comissionado tem a fragilidade em seu desfavor, podendo ser exonerado a qualquer momento dos quadros do serviço público.

Entretanto, nem tudo são flores na vida do servidor estável.

A Constituição, no art. 41, determina que a estabilidade funcional só é obtida “após três anos de efetivo exercício”.

Logo, até que se passem três anos de serviço público ininterrupto, o servidor é considerado em “estágio probatório”. Este termo decorre do fato que, no período de três anos, o servidor está em avaliação por seu empregador, constatando-se se o mesmo reúne aptidão física, mental e moral para permanecer no exercício do seu cargo.

Após decorridos esses três anos, o servidor público, nos termos do § 1º do artigo 41da Constituição:

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

Ou seja, o servidor só poderá perder o seu cargo se condenado em decisão definitiva (após todos os recursos), por exemplo, pela prática de um crime; por uma decisão proferida em um processo administrativo que apure uma falta grave, por exemplo, roubo, corrupção, etc.; ou ainda, se não tiver desempenho bom no exercício de suas funções, cujos quesitos para esta avaliação são fixados por lei.

Entretanto, há na legislação outras possibilidades para o servidor perder o seu cargo, vejamos:

A Constituição prevê em seu artigo 61, § 1º como uma função exclusiva do Presidente da República a criação de cargos do Poder Executivo Federal. Por simetria, incumbe também exclusivamente ao Governador, no âmbito do Estado e ao Prefeito, no âmbito dos Municípios, criarem um cargo na administração pública.

Em outras palavras, cabe somente ao Chefe do Executivo decidir se a Prefeitura, por exemplo, necessita de mais um médico, de um engenheiro, de um assistente administrativo, etc. Por óbvio, essa decisão não é tomada ao acaso, demandando estudos de viabilidade dos órgãos de Planejamento e Administração.

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Se há na mão do Chefe do Executivo o mecanismo de criação de um cargo, há na outra a espada que corta, já que também incumbe a ele, exclusivamente, a extinção de um cargo. Ou seja, pode o Chefe do Executivo definir que a Prefeitura, por exemplo, não precisa de tantos médicos, tantos engenheiros ou tantos assistentes administrativos.

Essa regra, entretanto, não se trata de um poder amplo e sem limites. O que a Constituição determina é que ao Chefe do Executivo compete exclusivamente decidir sobre a conveniência e oportunidade de criar ou extinguir um cargo da Administração. Sua decisão entretanto não se materializa por um Decreto (uma decisão legal de cunho administrativo), mas sim através de uma Lei, aprovada pelo Poder Legislativo (Câmara dos Deputados, Assembléia Legislativa ou Câmara dos Vereadores).

Quanto ao tema, veja o que dispõe a Lei 8.112/1990 que regulamenta o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, a qual é, em regra, copiada no âmbito dos Estados e dos Municípios:

Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

Até aqui temos a seguinte regra: o cargo público de carreira é acessado por concurso público.

Mas, e no caso de sua extinção?

Nessa situação em que o cargo deixa de existir, o servidor estável é posto emdisponibilidade na Administração Pública, devendo nesse caso, até ordem em contrário, simplesmente deixar de trabalhar, até que o Estado lhe arrume outra atividade. Esta disponibilidade não gera a perda do salário ao servidor.

Mas essa disponibilidade não é eterna, já que a própria lei determina que o servidor deverá obrigatoriamente aproveitado em função compatível àquela de origem.

Essa regra, entretanto, é reservada ao servidor estável.

No caso do servidor em estágio probatório, a mesma “sorte” não lhe acompanha. Justamente pelo fato de ainda não ser estável, havendo a extinção do seu cargo, pode a Administração Pública simplesmente deixar de disponibilizá-lo ou reaproveitá-lo, casos em que pode ser dispensado.

Vejamos um julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (Minas Gerais) acerca dessa peculiar situação:

SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. ESTÁGIO PROBATÓRIO. EXTINÇÃO DO EMPREGO PÚBLICO. É válida a rescisão do contrato de trabalho levada a efeito pela Administração Pública Direta, antes do término do estágio probatório, quando motivada pela efetiva extinção legal do emprego público. Nessa hipótese, contudo, não há que se falar em processo administrativo, não se cogitando de dispensa arbitrária, em face da motivação legal do ato, sendo inviável a reintegração ou disponibilidade, porquanto não se trata de servidor estável (art. 41, parágrafos 2o. E 3o., CR/88).(TRT da 3.ª Região; Processo: RO -17105/00; Data de Publicação: 28/11/2000, DJMG, Página 0; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator: Mauricio J. Godinho Delgado; Revisor: Paulo Mauricio R. Pires)

Nessa situação, inclusive, nem mesmo será necessário um processo administrativo para apuração de falta grave, sendo, portanto, uma decisão de pura conveniência do Chefe da Administração Pública.

O procedimento para a extinção e demissão do servidor em estágio probatório, portanto, seria: (i) Projeto de Lei do Chefe do Executivo determinando a extinção do cargo; (ii) Aprovação pelo Poder Legislativo do projeto, tornando- uma Lei; (iii) Decreto do Chefe do Executivo determinando a exoneração dos servidores em estágio probatório.

Tem-se que a extinção do cargo, como vimos, pode decorrer da conveniência do Chefe do Executivo, evitando-se assim a instauração ou o agravamento das finanças públicas.

Mas, e se a crise já estiver instaurada, essa extinção de cargo pode se tornar não mais uma conveniência, mas sim uma obrigação legal.

Todo Chefe do Executivo está vinculado, por determinação do art. 169, à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000).

Referida lei determina que seu artigo 19 o seguinte limite:

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

I - União: 50% (cinqüenta por cento);

II - Estados: 60% (sessenta por cento);

III - Municípios: 60% (sessenta por cento).

Este percentual de gastos com salários e remunerações dos servidores público é inclusive subdividido. No caso dos Municípios, por exemplo, o gasto com o pessoal é dividido em 54% (cinquenta e quatro por cento) do orçamento líquido na Administração Direta (Prefeitura) e outros 6% (seis por cento) para a Câmara dos Vereadores.

Ultrapassado o limite legal, poderá o Município ser punido com a suspensão dos repasses Estaduais e Federais de impostos e verbas.

Para evitar essa pena, a Constituição da República orienta os procedimentos a serem adotados pelo Chefe do Executivo.

Art. 169 A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:

I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;

II - exoneração dos servidores não estáveis.

Ou seja, em situações de crise, deve o Chefe do Executivo: (i) reduzir em pelo menos 20% (vinte por cento) os gastos com os funcionários comissionados ou em função de confiança; (ii) exonerar os servidores não estáveis.

Perceba que a Constituição não determina o esgotamento da primeira medida para se ultimar a segunda. Isto é, não precisa o Chefe do Executivo demitir todos os funcionários comissionados para demitir os servidores não estáveis.

Se as primeiras medidas não bastarem para retomar ao limite legal, prossegue a Constituição em outras recomendações:

§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. (Incluído pela EC 19/1998)

Portanto, não bastando as primeiras medidas, poderá o Chefe do Executivo, determinar a extinção de cargos dos servidores estáveis, desde de que de forma motivada.

A extinção do cargo de servidor estável gera para o Executivo o ônus de não poder criar cargo idêntico pelo prazo de 04 (quatro) anos.

§ 6º O cargo objeto da redução prevista nos parágrafos anteriores será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos.

Sendo insubsistentes os motivos da fundamentação que determinou a extinção do cargo (verificada que a crise não existia ou que o Município precisava do cargo, contratando um servidor comissionado para a mesma função, por exemplo), poderá o servidor exonerado requerer na justiça a sua recondução, observando, entretanto, o prazo prescricional de 05 (cinco) anos.

São essas, pois, as possibilidades do servidor perder o seu cargo.

E se eu for dispensado, que direitos eu tenho?

A dispensa nessa situação ensejará o rompimento do contrato de trabalho sem justa causa, devendo o Executivo arcar com a rescisão integral, pagando ao servidor:

O seguro-desemprego é tema controverso na jurisprudência, mas, a princípio o servidor público não teria direito a este benefício.

Afora isso, o servidor dispensado por corte de despesas e enquadramento à Lei de Responsabilidade Fiscal terá direito ainda a uma indenização assim prevista na Constituição:

§ 5º O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço.

São essas, pois, as formas mais comuns de modalidade de rescisão do contrato de trabalho dos servidores públicos.

Sobre o autor
Arthur de Araújo Soares

Advogado em Direito de Família, Sucessões, Trabalho, Sindical, Público e Administrativo. Trabalha como assessor na Procuradoria-Geral do Município de Nova Lima/MG. Trabalhou como assistente de juiz cível (geral) de primeira instância por 05 (cinco) anos, tendo realizado, além de projeto de despachos, decisões e sentenças nas diversas áreas do direito, mais de 1000 audiências de conciliação, especialmente em Direito de Família. E-mail: arthur555@gmail.com

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