SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Modulação dos efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE nº 709.212/DF e a alteração da redação da súmula nº 362 do TST – 3. Críticas proferidas por parte da doutrina em relação ao novel entendimento jurisprudencial – 4. Da insubsistência das críticas – 5. Considerações finais - Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por escopo analisar a alteração ocorrida na súmula nº 362 do Tribunal Superior do Trabalho - TST, que se fez necessária em virtude da recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal - STF nos autos do Recurso Extraordinário com Agravo - ARE nº 709.212/DF, julgado sob a sistemática da repercussão geral.
No aludido julgado, a Suprema Corte firmou posicionamento no sentido de que os valores devidos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS[1] apresentam natureza trabalhista.
Com efeito, salientou o STF que o FGTS tem assento constitucional[2], consubstanciando-se em direito social dos trabalhadores.
Nessa senda, cumpre trazer à colação excerto do voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, relator do ARE nº 709.212/DF:
Não há dúvida de que os valores devidos ao FGTS são “créditos resultantes das relações de trabalho”, na medida em que, conforme salientado anteriormente, o FGTS é um direito de índole social e trabalhista, que decorre diretamente da relação de trabalho (conceito, repita-se, mais amplo do que o da mera relação de emprego).
Com efeito, aduziu o Pretório Excelso que o FGTS se trata de direito social de índole trabalhista, razão pela qual a ele deveria ser aplicado o prazo prescricional quinquenal constante previsto no inciso XXIX[3] do art. 7º da Lei Maior, desde que observado o biênio após a extinção do contrato de trabalho.
Em virtude do julgado sub examine, o STF declarou inconstitucional a norma contida no § 5º[4] do art. 23 da Lei n.º 8.036/90, que determina o prazo prescricional de 30 anos para cobrança dos depósitos relativos ao FGTS.
Ainda, salientou Supremo Tribunal Federal que a prescrição trintenária confere instabilidade às relações jurídicas.
Diante da alteração de entendimento da Corte Suprema, o TST modificou o teor da súmula n.º 362 de sua jurisprudência consolidada, tendo em vista que o tema FGTS possui matriz constitucional, conforme destacado em linhas pretéritas.
Superado este introito, passa-se à análise das alterações realizadas.
2. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO ARE Nº 709.212/DF E ALTERAÇÃO DA REDAÇÃO DA SÚMULA Nº 362 DO TST
É cediço que a declaração de inconstitucionalidade no direito pátrio, em regra, tem efeitos retroativos (ex tunc). Entretanto, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá a declaração de inconstitucionalidade vir a ter efeitos prospectivos (ex nunc), nos termos do art. 27 da Lei n.º 9.869/99.
Destaque-se que, conquanto o mencionado dispositivo se refira ao controle de constitucionalidade concentrado, o STF vem permitindo sua aplicação no controle difuso, mormente nos casos com repercussão geral reconhecida[5], tal como se deu no julgamento ora analisado.
Pois bem. No julgamento do multicitado ARE n.º 709.212/DF, o STF conferiu efeitos ex nunc à decisão que determinou que aos depósitos do FGTS se aplica a prescrição quinquenal prevista no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal.
Isso porque houve uma mudança brusca no entendimento sedimentado há muito não só no TST, mas também no Superior Tribunal de Justiça – STJ, como se depreende da leitura da súmula n.º 210 de sua jurisprudência dominante: “A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em 30 anos.”.
Ressalte-se que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade foi proposta pelo relator, o Ministro Gilmar Mendes, no que restou inteiramente acolhida. Confira-se, a propósito, excerto do voto do Relator:
A modulação que se propõe consiste em atribuir à presente decisão efeitos ex nunc (prospectivos). Dessa forma, para aqueles cujo termo inicial da prescrição ocorra após a data do presente julgamento, aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Por outro lado, para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial, ou 5 anos, a partir desta decisão.
Assim se, na presente data, já tenham transcorrido 27 anos do prazo prescricional, bastarão mais 3 anos para que se opere a prescrição, com base na jurisprudência desta Corte até então vigente. Por outro lado, se na data desta decisão tiverem decorrido 23 anos do prazo prescricional, ao caso se aplicará o novo prazo de 5 anos, a contar da data do presente julgamento.
Dessa forma, o TST teve que se curvar ao que restou decidido pelo Pretório Excelso, razão pela qual, em junho de 2015, procedeu à alteração[6] da redação da súmula nº 362 de sua jurisprudência dominante. Eis o novo teor do enunciado sumular:
Súmula nº 362 do TST
FGTS. PRESCRIÇÃO (nova redação) - Res. 198/2015, republicada em razão de erro material – DEJT divulgado em 12, 15 e 16.06.2015
I – Para os casos em que a ciência da lesão ocorreu a partir de 13.11.2014, é quinquenal a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento de contribuição para o FGTS, observado o prazo de dois anos após o término do contrato;
II – Para os casos em que o prazo prescricional já estava em curso em 13.11.2014, aplica-se o prazo prescricional que se consumar primeiro: trinta anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir de 13.11.2014 (STF-ARE-709212/DF)
Verifica-se do teor da nova redação da súmula examinada, que os contratos que tiverem início a partir do julgamento da Corte Suprema no ARE nº 709.212/DF devem seguir o prazo prescricional quinquenal estatuído no inciso XXIX do art. 5º da Constituição Federal.
De outra banda, para os casos em que o prazo prescricional já estava em curso, aplica-se o que se consumar primeiro: o prazo quinquenal contado a partir do supracitado recurso extraordinário com agravo; ou o prazo trintenário.
3. CRÍTICAS PROFERIDAS POR PARTE DA DOUTRINA EM RELAÇÃO AO NOVEL ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
A alteração jurisprudencial não foi bem vista por parte da doutrina, que passou a lançar uma série de argumentos contrários à minoração do prazo prescricional para reclamar contra o não recolhimento do FGTS.
Sustentam alguns[7] que, por ter natureza jurídica complexa, híbrida (social e trabalhista) – e não meramente trabalhista -, não deveria ser aplicada a prescrição quinquenal prevista no inciso XXIX do art 7º da Constituição Federal, mas sim a trintenária, em observância aos princípios do não retrocesso social e da norma mais favorável ao trabalhador.
É o que afirma Delgado (2011, p. 259), conquanto suas palavras sejam anteriores ao julgamento do STF analisado neste artigo:
De fato, em razão da natureza complexa do FGTS (é direito trabalhista, mas, enquanto conjunto de depósitos, constitui-se também, ao mesmo tempo, em fundo social de aplicação variada), a ordem jurídica sempre demarcou critério prescricional algo distinto para esse instituto. Nessa esteira, a Lei n. 8.036/90 estabelece prazo prescricional trintenário com relação aos depósitos do Fundo de Garantia (art. 23, § 5º, Lei n. 8.36/90).
Ademais, sustenta-se que a redução do prazo prescricional representa retrocesso social aos direitos trabalhistas[8].
No ponto, merecem destaque as lições de Correia (2015, p. 504):
O prazo prescricional de 30 anos dos depósitos do FGTS previsto no art. 25, § 3º, Lei nº 8.036/1990 é nitidamente um direito conquistado aos trabalhadores, cuja supressão viola o princípio do não retrocesso social e causa prejuízos aos trabalhadores.
Afirma-se, ainda, não ser possível alegar que o prazo trintenário seria prejudicial ao empregador, tendo em vista que este deveria ter depositado os valores relativos ao FGTS na conta vinculada do trabalhador na época própria. Desse modo, a redução do prazo prescricional consistiria em verdadeira absolvição do empregador que não observou os ônus trabalhistas que lhe incumbem (CORREIA, 2015, p. 504).
Outrossim, argumenta-se que a cobrança dos depósitos de FGTS envolve interesse público, tendo em vista que o montante das contribuições tem como uma de suas finalidades o atendimento a programas sociais, tais como habitação e saneamento básico[9].
Por fim, alega-se que o trabalhador não tem condições de ajuizar reclamação trabalhista pleiteando os depósitos de FGTS enquanto ainda está empregado, sob pena de ser despedido. É o que destaca Correia (2015, p. 505):
[...] o ingresso de reclamação trabalhista durante o contrato de trabalho é muito raro. Verifica-se que, diante da atual situação econômica, com crescente desemprego, sustentar que o trabalhador poderia reivindicar seus direitos ainda na vigência do contrato de trabalho é uma mera ilusão. É notório que o ingresso da reclamação trabalhista representa um pedido de dispensa automático e/ou perseguições no trabalho.
Não se sustentam, entretanto, as ilações destacadas acima. É o que se passa a demonstrar a seguir.
4. DA INSUBSISTÊNCIA DAS CRÍTICAS
Consoante afirmado ao final do tópico precedente, são insubsistentes os argumentos expendidos pelos que defendem o desacerto da alteração jurisprudencial no que toca à prescrição da pretensão para reclamar contra o não recolhimento dos depósitos de FGTS.
A um, porque o FGTS, conquanto possua nítido caráter social, tem natureza trabalhista. Assim, deve-se aplicar o prazo prescricional quinquenal previsto constitucionalmente para todos os direitos decorrentes da relação de trabalho, tendo em vista que não cabe ao intérprete distinguir situações que não foram diferenciadas pelo legislador.
E não se diga que o caráter social teria o condão de sustentar prazo prescricional tão dilatado (30 anos). Isso porque existem diversos direitos sociais - com caráter patrimonial – previstos no direito pátrio, e nenhum deles possui lapso prescricional dilargado a esse ponto.
Pelo contrário, existe uma tendência à redução dos prazos prescricionais no direito pátrio, como se observa, exemplificativamente, do disposto no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil de 2002, que reduziu para 10 anos o prazo da usucapião extraordinária nos casos em que o usucapiente confere destinação social ao imóvel[10].
A dois, porque não ocorreu supressão do direito à cobrança do FGTS, mas tão somente o seu condicionamento através de um prazo prescricional mais adequado.
Com efeito, é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal[11] no sentido de que não há direito adquirido à inexistência de prazo decadencial ou prescricional. Assim, não havendo sequer direito adquirido à inexistência de prazo prescricional, não há que se falar na impossibilidade de redução deste – desde que, por óbvio, sejam respeitados o ato jurídico perfeito e a coisa julgada -, tendo em vista que quem pode o mais pode o menos.
A três, porque a redução do prazo prescricional não tem o condão de “absolver” ou eximir o empregador do seu dever de efetuar os depósitos de FGTS na conta vinculada dos seus empregados como querem fazer crer alguns doutrinadores. Isso porque a obrigação permanece, e a possibilidade de exigi-la também.
Ora, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos de sua decisão, de forma que nenhum trabalhador se viu tolhido do direito de buscar a complementação dos depósitos de FGTS. Em outras palavras, a alteração jurisprudencial não retroagiu para alcançar fatos outrora perfectibilizados, de forma que as pessoas que haviam deixado transcorrer mais de 5 anos antes da mudança de entendimento não restarão prejudicadas[12].
A quatro, porque a alegação de que os depósitos do FGTS envolvem nítido interesse público se afigura meramente retórica, despida de embasamento jurídico.
Com efeito, é cediço que os próprios créditos fazendários, sejam eles tributários ou não tributários, sujeitam-se ao prazo prescricional quinquenal[13], e não há quem conteste que tais valores devem ser empregados no atendimento do interesse público.
A cinco, porque os prazos decadenciais e prescricionais não podem ser estabelecidos de acordo com meras conjecturas. Isso porque tais matérias são de ordem pública, na medida em que têm por escopo a pacificação social e a estabilização das relações jurídicas.
Dessa forma, a suposição de que o empregador retaliará os trabalhadores que busquem no judiciário os valores não depositados relativos ao FGTS não tem força para impedir a alteração de normas de ordem pública, mormente tendo em vista que a boa-fé se presume, e a má-fé se prova.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, conclui-se que andou bem o Supremo Tribunal Federal ao rever posicionamento há muito consolidado na jurisprudência pátria no que tange ao prazo prescricional para cobrança dos valores relativos ao FGTS não depositados pelos empregadores.
Da mesma forma, é digna de aplausos a alteração da súmula nº 362 da jurisprudência dominante do TST, realizada para adequar seu antigo posicionamento ao novel entendimento emanado da Suprema Corte, intérprete máxima da Constituição Federal.
REFERÊNCIAS
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5ª Ed. Niterói: Impetus, 2011.
CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Súmulas e orientações jurisprudenciais do TST. 5ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10ª Ed. São Paulo: LTr, 2011.
SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. Série concursos públicos. 13ª Ed. São Paulo: Método, 2011.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: teoria geral do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2011.
Notas
[1] A natureza jurídica do FGTS sempre suscitou muita divergência na doutrina. Cassar (2011, p. 1244) sustenta que o fundo tem natureza híbrida, ao afirmar que: “Para o empregado o FGTS tem natureza jurídica de direito à contribuição que tem caráter salarial (salário diferido). Equipara-se a uma poupança forçada. Para o empregador é uma obrigação e para a sociedade a contribuição tem caráter social.”.
[2] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
[3] XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.
[4] § 5º O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da CLT, respeitado o privilégio do FGTS à prescrição trintenária.
[5] Nesse sentido, cf. RE 586453/SE.
[6] Antes da mudança ora comentada, a súmula nº 362 do TST dispunha o seguinte: “É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.”
[7] Nesse sentido, cf. Cassar (2011, p. 1244).
[8] Nesse sentido, cf. Souto Maior (2011, p. 632).
[9] Nesse sentido, cf. Correia (2015, p. 505).
[10] Sob a égide do Código Civil de 1916 o prazo era de 20 anos, nos termos do seu art. 550.
[11] Vide RE 626489/SE.
[12] O item II da súmula nº 362, recentemente alterado, deixa isso claro, como se pode observar: “II – Para os casos em que o prazo prescricional já estava em curso em 13.11.2014, aplica-se o prazo prescricional que se consumar primeiro: trinta anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir de 13.11.2014.”.
[13] É o que dispõem os arts. 174, caput, do CTN; e 1º-A da Lei nº 9.873/99.