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“Prisão é coisa séria”:

a falácia (militarizada) do ciclo completo de polícia

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na contramão da consolidação do Estado Democrático brasileiro, a adoção do ciclo completo de polícia, por toda e qualquer instituição policial, independente de suas qualificações e atribuições, representaria o maior retrocesso em nível da política criminal moderna. É um discurso “justiceiro”, fundado em uma suposta eficiência e celeridade, o qual esconde o real significado de sua adoção: a busca pelas polícias preventivas de um maior reconhecimento de seu capital social, político e econômico. Lança-se mão do sentimento de insegurança social no intuito de criar-se um campo propício para o recrudescimento do militarismo. Como se esta fosse a principal, senão única, resposta eficaz contra o fenômeno da criminalidade.  A adoção do ciclo completo advém de ideias e atos políticos desprovidos de qualquer tecnicismo e legalidade e, ainda pior, fecha o debate e esconde o campo da política para aquilo que realmente importa em matéria de inovação policial brasileira: a desmilitarização das forças policiais.

Os abusos praticados pelas Policias Militares não podem mais ser vistos como fatos isolados, pelo contrário, representam uma cultura de manutenção de padrões de atuação violentos, nos quais o criminoso infrator é visto como um inimigo social que deve ser eliminado. É um processo marginal que foge da lógica jurídico-punitiva, principalmente quando lembramos que uma das funções da pena criminal é a ressocialização.

Pela inabilidade, inexperiência, e, principalmente, pela falta de conhecimento técnico-jurídico, a maioria dos atos exclusivos de polícia judiciária praticados por policiais militares revelaram-se, além de condutas ilegais, verdadeiros equívocos, tanto na esfera social, como jurídica. Insistir nesse erro é aceitar o atropelo e a nocividade retratada por abusos e ilegalidades cometidos por agentes policiais não qualificados para decidir sobre a tipificação penal.

Enquanto perdurar um modelo policial militarizado, entendemos que um ciclo completo de polícia, tal qual está em discussão, carece de seu elemento básico: o respeito às conquistas constitucionais e da ordem democrática de um estado de Direito de fato. Neste caminho, a discussão proposta pelo ciclo completo de polícia conduz falsamente a uma espécie de caleidoscópio da segurança, apontado para direções incertas e não seguras. A possibilidade da lavratura de procedimentos policiais por quaisquer forças apenas demonstra o quão longínquo estamos da discussão séria e constitucional de uma política criminal mais concatenada com os anseios de uma sociedade mais igualitária e justa.

Um ciclo completo de polícia faz sentido (e deve fazer) se pensado e estruturado a partir de uma nova força policial organizada e desmilitarizada, voltada não para si, mas para suas efetivas funções sociais: prevenção e repressão à criminalidade, que afetam a condição plena de cidadania. Só assim, podemos dizer que o ciclo completo pode atingir sua própria essência – para além dos interesses classistas –, ou seja, o bem-estar público e a segurança necessária para a criação de um ambiente verdadeiramente democrático na sociedade brasileira.                 


Referências bibliográficas

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http://www.rededemocratica.org/2-uncategorised/22-relatora-da-onu-pede-o-fim-da-policia-militar.


Notas

[3]http://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/3880-EDITORIAL-Ciclo-completo-de-Polcia-ou-indevida-investigao-legal

[4]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=710666&filename=PEC+430/2009

[5] PASTANA, Débora Regina. Cultura do Medo, Reflexões sobre Violência Criminal, Controle Social e Cidadania no Brasil. São Paulo: IBCCRIM. 2003

[6] Um pensamento acientífico pode ser influenciado pelas emoções do momento, e a política de repressão estatal não pode ser orientada por simples correntes de opinião. Em muitos exemplos pode-se constatar que a opinião pública exerce nociva influência sobre a produção normativa, fazendo com que questões importantes da vida social sejam tratadas de maneira inadequada. A concepção  acientífica da política criminal induz à aceitação de soluções simplistas, como a que defende o aumento de penas sempre que determinado evento criminal adquira maior publicização social. Influenciada por considerações casuísticas, a opinião pública é levada a crer que o direito penal apresenta solução para todos os problemas sociais. Porém, o direito penal, como forma de controle social, é sempre a ultima ratio do ordenamento jurídico. A pretensão de realizar o interesse público de prevenção e repressão da criminalidade simplesmente através do aumento de penas ou da criação de novos tipos incriminadores, sem base em estudos científicos, na maioria das vezes, serve unicamente aos interesses promocionais da classe política. GALVÃO, Fernando. Política criminal. Volume 1. 2ª Ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 26-27.

[7] BECK, U. Risk society revisited: theory, politics and research programmes. In: Adam B, Beck U, Loon J. (Orgs.). The risk society and beyond: critical issues for social theory. London (UK): Sage Publications; 2005.

[8] GUSSO, R.B; GUSSO, L.C.S. Política Criminal, Segurança Pública e Cultura do Medo. Segurança pública: das intenções à realidade. Curitiba: Juruá. 2014.

[9] BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução: Mariza Corrêa.Campinas, SP: Papirus, 1996.

[10] http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/caixa-zero/richa-nao-quer-pms-com-estudo-porque-eles-se-insubordinariam/. Acesso em 20/09/2015.

[11] Conforme preceitua o art. 2º, par. 6º da Lei 12.830/13.

[12] Disponível em http://revistaforum.com.br/blog/2013/07/tulio-vianna-a-militarizacao-da-policia-nao-traz-beneficio-nenhum-nao-e-boa-para-o-policial-e-pessima-para-o-cidadao/ Acesso em 23/08/2013

[13]Disponível em:  http://www.estadao.com.br/noticias/geral,a-verdade-inconveniente-da-derrubada-,1762589

[14] Disponível em: http://noticias.r7.com/sao-paulo/justica-de-sp-manda-investigar-tortura-de-277-presos-em-flagrante-21092015

[15] Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/09/em-2015-571-foram-mortas-em-operacoes-policiais-em-sao-paulo.html

[16] BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO: A opção ideológico-institucional da política de segurança pública na manutenção de padrões de atuação violentos da polícia militar paulista. Dissertação de Samara Bueno Nunes. Pagina 127

[17]Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-militar-no-brasil.html

[18] Disponível em: http://www.rededemocratica.org/2-uncategorised/22-relatora-da-onu-pede-o-fim-da-policia-militar.

[19]ZAVERUCHA, Jorge.  Frágil Democracia e a Militarização do Espaço Público no Brasil; 1999; XXIII Encontro Anual da Anpocs; Anpocs; Caxambu - MG;p.10.

[20] BORDIN, M.; GUSSO, R.B.; MORAES, P.B. Segurança pública, militarização e direitos humanos. REDE CASLA-CEPIAL (prelo).

[21] Slogans produzidos pela propaganda pública do Regime Militar de 1964.

[22] Disponível em http://www.pm.sc.gov.br/. Acesso em 23/09/2015.

[23] BAYLEY. David. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. 2ª Ed. 1ª reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p. 58.

[24] BAYLEY. David. Padrões de policiamento: uma análise internacional comparativa. 2ª Ed. 1ª reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p. 54 a .58

[25] Conforme o artigo 1º da Lei de execução penal: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”

[26]SOUZA, Luis Antônio Francisco. A militarização da segurança. Disponível em http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1120 Acesso em 31/09/2013.

[27] MORAES, Pedro R.B. Juventude, medo e violência. Ciclo de conferências “Direito e psicanálise: novos e invisíveis laços sociais”. p. 12.

[28] MORAES, Pedro R.B. Juventude, medo e violência. Ciclo de conferências “Direito e psicanálise: novos e invisíveis laços sociais”. p. 12-13.

[29] MORAES, Pedro R.B. Juventude, medo e violência. Ciclo de conferências “Direito e psicanálise: novos e invisíveis laços sociais”. p. 13.

[30]http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=710666&filename=PEC+430/2009

[31] Disponível em: http://justificando.com/2014/07/01/policia-militar-nao-pode-lavrar-termo-circunstanciado-cada-um-seu-quadrado/

[32] Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1120

[33] Disponível em: https://anistia.org.br/imprensa/na-midia/letalidade-da-pm-e-escandalosa-diz-diretor-da-anistia-internacional-br/

Sobre os autores
Rodrigo Bueno Gusso

Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra – Portugal; Doutor em Sociologia (UFPR); Mestre em Direito (UNIVALI-SC); Especialista em Segurança Pública (PUC-RS), Bacharel em Direito, Professor da Academia de Polícia do Estado de Santa Catarina. Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Polícia (LEPOL) do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Delegado da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina.

André Luiz Bermudez Pereira

Pós-graduado pela UNIDERP - Especialização em Ciências Penais. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pelotas. Professor da Academia de Polícia do Estado de Santa Catarina nas disciplinas de Sistema de Segurança Pública e Direitos Humanos. Professor de Direito Constitucional na UNISUL/SC. Atualmente exerce a função de Delegado Regional de Polícia em Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUSSO, Rodrigo Bueno; PEREIRA, A.L.B., André Luiz Bermudez Pereira. “Prisão é coisa séria”:: a falácia (militarizada) do ciclo completo de polícia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4472, 29 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43161. Acesso em: 22 dez. 2024.

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