7 CONCLUSÃO.
Portanto, conclui-se que a teoria da desconsideração não é aplicável quando a pessoa jurídica se encontra em recuperação judicial, já que, sem a presença do principal requisito, que é o descumprimento da obrigação pela pessoa jurídica. Na recuperação judicial, há a repactuação da dívida, especialmente na questão do prazo de pagamento. Assim, ausente pressuposto de aplicação tanto da teoria maior quanto da teoria menor.
Assim, a Súmula 480 deu legalidade a uma prática que visa meramente burlar o concurso de credores no juízo universal da recuperação. A desconsideração virou neste caso uma panaceia, já que totalmente dissociada de seus objetivos e âmbito de aplicação, em ambas as teorias, banalizando a própria ficção da personalidade jurídica e da autonomia patrimonial, na medida em que qualquer processo de recuperação judicial ensejaria a desconsideração da personalidade jurídica.
O fato de ser aplicada a teoria menor pela Justiça do Trabalho torna ainda mais grave o fenômeno, uma vez que esta teoria é utilizada indiscriminadamente, sem sequer provar o uso abusivo da pessoa jurídica. É transferido para os sócios um ônus abusivo, quando, na verdade, ao propor a recuperação da empresa, estes também procuram beneficiar os credores trabalhistas, mantendo empresa em funcionamento, logo os postos de trabalho.
REFERÊNCIAS
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NOTAS:
[1] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário, volume 1. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 238.
[2] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 128.
[3] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 35.
[4] TOMAZETTE, 2013, p. 243.
[5] Rubens Requião enfatiza bem esse ponto: “Se a personalidade jurídica constitui uma criação da lei, como concessão do Estado objetivando, como diz Cunha Gonçalves, a realização de fim, nada mais procedente do que se reconhecer ao Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar-se se o direito concedido está sendo adequadamente usado.”. REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. RT, São Paulo, v.58, n°410, p. 12-24, dez. 1969, p. 15.
[6] ABRÃO, Nelson. Sociedades limitadas. 10ª ed. rev., atual. e ampl. pelo Desembargador Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 212.
[7] De acordo com Alfredo de Assis Gonçalves Neto: “a simples prática de ato ilícito pela pessoa jurídica não tem nada a ver com a teoria da desconsideração. Se a pessoa jurídica age dentro dos propósitos para os quais foi constituída, mas pratica um ilícito (vende uma mercadoria que não possui, por exemplo), deve responder normalmente por esse ato, como qualquer agente que assim o pratica. Para que se aplique a teoria da disregard of legal entity é preciso que haja desvio da sua função econômico-social, isto é, da causa do seu nascimento, do papel que a pessoa jurídica deve preencher e que justificou sua criação para atuar à semelhança de uma pessoa natural”. (GONÇALVES NETO, 2007, p. 129).
[8] Apud TOMAZETTE, 2013, p. 249.
[9] REQUIÃO, 1969, p. 16.
[10] Enunciado 281: O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.
[11] NUNES, Márcio Tadeu Guimarães. O uso da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da administração pública. In: FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis; PROENÇA, José Marcelo Martins (Coords.). Direito societário: tipos societários. São Paulo: Saraiva, 2009. (Série GVLaw). pg. 151-165; p.153.
[12] São exemplos de confusão patrimonial quando: “os bens pessoais e sociais embaralham-se, servindo-se, os administradores, de uns e de outros para, indistintamente, realizar pagamento de dívidas particulares dos sócios e da sociedade. Um exemplo de confusão patrimonial é a distribuição de patrimônio social aos sócios simuladamente, mediante elevada remuneração de sócio, gastos ruinosos ou em proveito próprio.” (NEGRÃO, Ricardo. Direito empresarial: estudo unificado. 5ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 64).
[13] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 57.
[14] TOMAZETTE, 2013, p. 246.
[15] BICALHO, Carina Rodrigues. Aplicação sui generis da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho: aspectos materiais e processuais. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. Belo Horizonte, v.39, n.69, p.37-55, jan/jun, 2004, p. 42.
[16] BICALHO, op. cit. p. 42.
[17] SANTOS, Hermelino de Oliveira. Desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho. São Paulo: LT, 2003, p. 213.
[18] CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: O novo regime da insolvência empresarial. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 10.
[19] O artigo 47 assim dispõe: A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. (BRASIL, Lei 11.101/2005).
[20] Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.
§ 1o O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes;
II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1o e 2o do art. 45 desta Lei. (BRASIL, Lei 11.101/05).
[21] GUIMARÃES, Márcio. Art. 55 a 59. Em: CORRÊA-LIMA, Osmar Brina (Coord); LIMA, Sérgio Mourão Corrêa (Coord). Comentários à nova lei de falência e recuperação de empresas: Lei n° 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 397.
[22] Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei. (BRASIL, Lei 11.101/2005).
[23] BRASIL, Súmula 480, Superior Tribunal de Justiça, 2012.
[24] BRASIL. STJ. CC 125588-RJ. Rel. Min. Massami Uyeda, 2009.
[25] Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil. (BRASIL, Lei 11.101/05).