INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade aferir o grau de alterabilidade do auxílio-reclusão, benefício previdenciário previsto no art. 201, inciso IV, da Constituição Federal de 1988,[1] à luz do princípio da vedação do retrocesso.
Há, atualmente, projetos de emenda constitucional objetivando a alteração do art. 201, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 para retirar o auxílio-reclusão do rol de garantias de cobertura do sistema de previdência social. Como exemplo, citem-se a Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº 33, de 2013, de autoria do Senador Alfredo Nascimento, e a PEC nº 304, de 2013, de autoria da Deputada Antônia Lúcia.
Sem adentrar no exame dos motivos políticos subjacentes às investidas legislativas, é de se perquirir a viabilidade jurídica de propostas de modificação constitucional desse jaez.
Tratando-se de um direito social de índole constitucional, além das limitações próprias a qualquer manifestação do poder constituinte reformador, há de se considerar ainda que sua inserção no texto constitucional originário traduz conquista histórica diretamente atrelada à dignidade da pessoa humana,[2] uma das bases do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988). E, a fim de garantir tais conquistas sociais, desenvolveu-se a ideia principiológica, cada vez mais difundida na doutrina e na jurisprudência, da vedação do retrocesso.
Obviamente, o princípio da proibição do retrocesso não torna a Constituição e as normas infraconstitucionais correlatas imutáveis. É da essência do direito a mutabilidade, até mesmo para acompanhar o progresso das relações sociais. Tendo por escopo a preservação das conquistas existentes, o princípio em tela empresta segurança jurídica e assegura que eventuais alterações do direito representem um efetivo progresso na ordem social. Em outras palavras, estipula critérios e condições para a modificação de determinados institutos jurídicos, almejando uma progressiva melhora das condições de vida da população, até mesmo em função dos objetivos insertos no art. 3º da Constituição Federal, dos quais se destacam a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a redução das desigualdades sociais.
Daí a necessidade de se aferir, com a maior precisão e objetividade possíveis, quais os pressupostos, as condicionantes e os limites à alteração, ou mesmo à extinção, do auxílio-reclusão.
1. NATUREZA E CONTORNOS JURÍDICOS DO AUXÍLIO-RECLUSÃO
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário que gera alguma polêmica no seio social em função, geralmente, de sua má compreensão. A controvérsia decorre, muitas vezes, do fato de se ter empregado um termo equívoco para a nomenclatura do benefício. Semanticamente, o auxílio-reclusão pode denotar tanto um benefício destinado ao próprio recluso como uma prestação social aos seus dependentes. O pressuposto – equivocado – de que se trataria de um benefício destinado àqueles que cometeram crimes (detentos, reclusos) é justamente o que costuma gerar a repulsa de alguns à manutenção de tal instituto previdenciário.
Na realidade, o auxílio-reclusão é um benefício social destinado aos dependentes do segurado de baixa renda, contribuinte do Regime Geral de Previdência Social. Vale dizer, a prestação pecuniária correspondente ao benefício é destinada aos dependentes do segurado, e não a este último. A destinação do benefício é estipulada no próprio inciso IV do art. 201 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998,[3] e reforçada pela Lei nº 8.213/91, nos artigos 18, inciso II, alínea “b”, e 80, que não deixa margem de dúvida a esse respeito:
Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
(...)
II – quanto ao dependente:
(...)
b) auxílio-reclusão;
(...)
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.
As críticas, como já mencionado, via de regra decorrem justamente da confusão quanto aos destinatários do benefício, aliada ao juízo reprobatório geralmente associado à segregação prisional. Entretanto, no sistema previdenciário vigente, reputa-se que “a prisão do segurado de baixa renda provoca uma necessidade social, exatamente a falta de condições de subsistência dos dependentes por incapacidade laboral do recluso, o que será coberto por esse benefício previdenciário”.[4] Ou seja, considera-se a prisão um risco social que afeta os dependentes do segregado, e não o próprio recluso.
Os direitos previdenciários, por expressa disposição constitucional (art. 6º[5]), são espécie dos direitos sociais. Estes, por seu turno, estão umbilicalmente ligados aos direitos fundamentais, como esclarece José Afonso da Silva:
Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.[6]
Tais características levam os constitucionalistas a classificar os direitos sociais, assim como os direitos econômicos e culturais, como “direitos fundamentais de segunda geração”.[7]
Isso não significa dizer que os direitos sociais, ao constituírem espécie do gênero direitos fundamentais, devem ser considerados de forma estanque e distinta dos direitos individuais, outra espécie daquele gênero fundamental. Ao revés, direitos sociais e direitos individuais constituem facetas de uma mesma categoria jurídica.
Nesse sentido sinaliza o próprio Supremo Tribunal Federal, ressaltando Alexandre de Moraes que:
na (...) Adin nº 939-07/DF, o Ministro Carlos Velloso referiu-se aos direitos e garantias sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos como pertencentes à categoria de direitos e garantias individuais, logo, imodificáveis, enquanto o Ministro Marco Aurélio afirmou a relação de continência dos direitos sociais dentre os direitos individuais previstos no art. 60, §4º, da Constituição Federal.[8]
Tratando-se de verdadeiros direitos fundamentais, os direitos sociais são “acionáveis, exigíveis e demandam séria e responsável observância. Por isso, devem ser reivindicados como direitos e não como caridade, generosidade ou compaixão”.[9]
2. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL INCIDENTE SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS
Mesmo não constando explicitamente do rol de limitações materiais impostas ao Constituinte Reformador (art. 60, §4º, da CF[10]), deve-se entender que os direitos sociais – como são os direitos previdenciários – não podem ser reduzidos ou excluídos mediante emenda constitucional, por também pertencerem à categoria de direitos individuais e, ipso facto, estarem materialmente protegidos pelas denominadas “cláusulas pétreas”.
Por cláusulas pétreas entendem-se as matérias que integram o que Alexandre de Moraes chama de “núcleo intangível da Constituição Federal”.[11] São verdadeiras cláusulas de garantia, pois:
traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade, pois a constituição contribui para a continuidade da ordem jurídica fundamental, à medida que impede a efetivação do término do Estado de Direito democrático sob a forma da legalidade, evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a própria constituição.[12]
Sobre cláusulas pétreas, José Afonso da Silva lembra ainda que:
A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, ‘tenda’ (emendas tendentes, diz o texto) para a sua abolição.[13]
Na mesma linha discorre Ingo Wolfgang Sarlet:
(...) nem mesmo os direitos fundamentais sociais expressamente consagrados na Constituição – os quais integram inequivocamente o rol de “cláusulas pétreas” do art. 60, par. 4º, da CF de 1988 – são imunes a restrições. Com efeito, apenas a abolição efetiva ou tendencial destes direitos encontra-se vedada, uma vez que o que se pretende é a preservação de seu núcleo essencial, pena de uma indesejável galvanização das normas constitucionais, que, por seu turno, traz em seu bojo o risco de uma intolerável ruptura da ordem constitucional, em face do insuperável abismo entre a constituição formal e a realidade constitucional.[14]
Não bastasse isso, é preciso lembrar que os direitos sociais traduzem conquistas históricas diretamente atreladas à dignidade da pessoa humana, uma das bases do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III, da CF/88). E, a fim de garantir tais conquistas sociais, desenvolveu-se a ideia principiológica, cada vez mais difundida, da vedação do retrocesso.
Analisando o direito comparado, Ingo Wolfgang Sarlet aponta que o princípio da vedação do retrocesso, no sistema jurídico germânico, apesar de ancorado na garantia fundamental da propriedade, encontra assento também no princípio da proteção da confiança – corolário do postulado do Estado de Direito –, no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana – preservação de condições materiais mínimas para uma existência digna –, no princípio do Estado Social e no princípio geral de igualdade.[15]
J. J. Gomes Canotilho observa que o princípio do não retrocesso social expressa a ideia da proibição de “contra-revolução social” ou da “evolução reacionária”, o que significa dizer que:
os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A “proibição de retrocesso social” nada pode fazer contra as recessões e crises económicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança nacional, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana.[16]
Para Flávia Piovesan, os direitos sociais, econômicos e culturais devem ser realizados de forma progressiva, crescente, pelo Estado:
Vale dizer, são direitos que estão condicionados à atuação do Estado, que deve adotar todas as medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômicos e técnicos, até o máximo de seus recursos disponíveis, de forma a alcançar progressivamente a completa realização desses direitos.[17]
Para a referida autora, o princípio da aplicação progressiva dos direitos sociais, “por si só, implica no princípio da proibição do retrocesso”.[18]
3. O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO
O princípio da proibição do retrocesso não torna a Constituição e as normas infraconstitucionais imutáveis. Como ressalta Ingo Wolfgang Sarlet, a doutrina majoritária rechaça ab initio a vedação do retrocesso social em termos absolutos, “mormente em face da dinâmica do processo social e da indispensável flexibilidade das normas vigentes, de modo especial, com vistas à manutenção da capacidade de reação às mudanças na esfera social e econômica”.[19]
Tendo por escopo a preservação das conquistas existentes, a vedação ao retrocesso empresta segurança jurídica e assegura que eventuais alterações do direito representem um efetivo progresso na ordem social. Nada impede, portanto, a revogação de benefícios já concedidos caso se demonstre concretamente que tais benefícios não estão cumprindo sua função social. É viável (e até recomendável), por exemplo, a revogação de um benefício que, ao invés de reduzir as desigualdades sociais e promover uma melhor distribuição de renda, esteja comprovadamente desestimulando a inserção do indivíduo no mercado de trabalho e promovendo a inatividade.[20]
As alterações na ordem jurídica, portanto, devem necessariamente preservar o nível de desenvolvimento jurídico-social de determinado Estado, mantendo ou ampliando o grau de densidade normativa alcançado pelos direitos sociais. E, para tanto, faz-se mister que não se suprima ou reduza, de qualquer forma, o núcleo dos direitos sociais já realizado.
J. J. Gomes Canotilho, ao formular o princípio da proibição do retrocesso social, consigna que:
o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial.[21]
O que se veda é a supressão gratuita da norma constitucional que veicule um direito social. A alteração da norma mediante a adoção de mecanismos equivalentes ou compensatórios é permitida, sobretudo quando gerar um avanço em matéria de direitos sociais. De todo modo, porém, há de se observar o núcleo essencial dos direitos sociais, como ressalva Sérgio Renato Tejada Garcia:
Portanto, desde que observado o núcleo essencial, podem outros princípios prevalecer sobre o da vedação do retrocesso, sendo vedada a supressão pura e simples da concretização de norma constitucional que permita a fruição de um direito social, sem que sejam criados mecanismos equivalentes ou compensatórios.[22]
Prossegue o citado autor acrescentando que:
A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado e impõe não apenas o dever de abstenção, mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade do indivíduo, concretizando os direitos fundamentais.[23]
Nessa ótica, o princípio da vedação do retrocesso não possui apenas um conteúdo negativo, caracterizado pelo óbice a qualquer ato comissivo atentatório contra o núcleo essencial dos direitos sociais. Tem também um viés positivo. Assenta-se na necessidade de o Estado buscar a melhora progressiva das condições de vida da população, até mesmo em função dos objetivos insertos no art. 3º da Constituição Federal, dos quais se destacam a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a redução das desigualdades sociais.[24]
Em suma, as medidas que tenham por finalidade suprimir ou reduzir direitos sociais já concretizados devem vir acompanhadas de (i) justificativa, amparada em dados concretos e confiáveis, que demonstre a ineficácia do direito social em questão e as vantagens oriundas de sua revogação; ou de (ii) dispositivos compensatórios ou alternativos, preferencialmente mais eficazes na promoção do bem-estar social.
Registre-se, ainda, que a adoção do princípio não é restrita à esfera doutrinária. O próprio Supremo Tribunal Federal, em causas versando sobre direitos sociais, já encampou a ideia da vedação do retrocesso social, ainda que muitas vezes não tenha mencionado expressamente o princípio ou não o tenha aplicado ao caso concreto.
Na ADI nº 1.946/DF, por exemplo, o Pretório Excelso atribuiu a qualidade de cláusula pétrea ao direito ao salário-maternidade, aplicando, ainda que de modo implícito, o princípio do não retrocesso. Considerou-se, naquela ocasião, que a mera aplicação do art. 14 da EC nº 20/1998 não poderia tornar insubsistente o art. 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal originária, sob pena de implicar um retrocesso histórico em matéria social-previdenciária.[25]
A ADI nº 2.065/DF, que tratava da revogação, via medida provisória, de normas relativas ao Conselho Nacional de Seguridade Social, não chegou a ser conhecida, por maioria. Entretanto, extrai-se do voto vencido do Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, o seguinte excerto:
(...) Certo, quando, já vigente à Constituição, se editou lei integrativa necessária à plenitude da eficácia, pode subsequentemente o legislador, no âmbito de sua liberdade de conformação, ditar outra disciplina legal igualmente integrativa do preceito constitucional programático ou de eficácia limitada; mas não pode retroceder – sem violar a Constituição – ao momento anterior de paralisia de sua efetividade pela ausência da complementação legislativa ordinária reclamada para implementação efetiva de uma norma constitucional.[26]
Cite-se ainda o julgamento da ADI nº 3.128/DF. O pedido formulado na ação foi julgado improcedente, por maioria, reconhecendo-se devida a cobrança da contribuição previdenciária dos servidores públicos federais aposentados. Não obstante, o Ministro Celso de Mello, que julgava procedente o pedido, em seu voto vencido, assim se manifestou sobre o princípio da vedação do retrocesso:
Refiro-me, neste passo, ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, e uma vez alcançado determinado nível de concretização de tais prerrogativas (como estas reconhecidas e asseguradas, antes do advento da EC nº 41/2003, aos inativos e aos pensionistas), impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, 1. ed., 2. tir. 2002, Brasília Jurídica, p. 127-128; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1998, Almedina, item n. 03, p. 320-322; ANDREAS JOACHIM KRELL, Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha, 2002, Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 40; INGO W. SARLET, Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988, in Revista Interesse Público, n. 12, 2001, p. 99).
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional, impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses – de todo inocorrente na espécie – em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais.[27]
A questão já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal também em sede de controle difuso de constitucionalidade, como no julgamento do Agravo Regimental no ARE nº 639.337/SP, que versava sobre o direito à educação infantil em creches e em pré-escolas (art. 208, inciso IV, da CF), de cuja ementa extrai-se o seguinte trecho:
A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados.[28]
Vê-se, portanto, que as limitações fixadas pela doutrina à alteração das normas relacionadas aos direitos sociais encontram eco na jurisprudência do mais alto tribunal pátrio.