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Por onde anda o direito penal?

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Agenda 13/12/2017 às 14:40

Critica-se o modelo de política criminal contemporâneo brasileiro, em especial quanto à ideologia por trás da pena e suas principais incongruências, que levam a sociedade a confundir vingança com justiça social.

Sumário: 1 – Introdução; 2 – A falácia da política criminal brasileira; 3 – Revisão de conceitos; 4 – Sistema penitenciário, a busca por soluções alternativas; 5 – Conclusão; 6 – Referências.

Resumo: O presente artigo propõe-se a criticar o modelo de política criminal contemporâneo brasileiro, em especial quanto à ideologia por trás da pena e suas principais incongruências, que levam a sociedade a confundir vingança com justiça social. A academia jurídica não consegue entrar em consenso sobre quais seriam as principais causas, somado a isso, sente certa dificuldade em apontar soluções de enfoque multidisciplinar. Para a criminologia crítica, o Estado de Defesa Social é o nó paradigmático. A atuação do Estado de Direito, sob quase todos os ângulos, acaba por passar falsas ideias quanto aos objetivos do direito penal. Com o atual modelo de justiça criminal, o que se espera do preso ao sair é o inverso do que a prática vem demonstrando ao redor do mundo; a relação entre efetividade da punição, prevenção e retorno social traz então uma conta que não fecha, e a resposta, o Direito, sozinho, já não consegue dar. Reinserir torna-se um sonho distante do imaginário humano até se começar a questionar, de fato, por onde anda o direito penal.

Palavras-chave: Direito penal. Criminologia. Função social da pena.


INTRODUÇÃO

“Vocês não odeiam, apenas odeia quem não é amado. Apenas os não amados...”.[1]

No âmbito das Ciências Sociais não é muito difícil verificar que a concepção por trás do direito penal, e sua forma majoritária de punição – a prisão –, compõem uma metáfora moderna do apartheid, enquanto o sistema judiciário serve como instrumento democrático de sua legitimação[2].

A democracia, aliás, embora já tenha mostrado seus limites, lados obscuros e mistificações, é a ideologia do nosso tempo, não por convicção ou hábito, mas provavelmente por falta de opção[3], e que perdurará enquanto não se souber opor a ela uma crítica construtiva. Alessandro Baratta, Cesare Beccaria, Gustavo Zagrebelsky, Ronald Dworking, Herbert Hart, e tantos outros, defenderam, cada um a sua maneira, ainda que em épocas distintas, um ponto comum fundamental para se dar o próximo passo: a percepção acrítica das estruturas do sistema, não só pela sociedade – em função de um baixíssimo nível de consciência política coletiva –, mas pelo Direito, é perversa. Se negar a revisitar as bases dos sistemas é parar no tempo. O Direito é por natureza interdisciplinar e mutável, mas parece ter se dado por satisfeito com o papel que vem desempenhando, ligeiramente isolado das outras áreas do conhecimento, o que é mais grave quando se analisa as inconsistências do sistema penal.

O objetivo deste trabalho é analisar criticamente a pena como fórmula simultânea de correção, prevenção e proteção social, resultado historicamente entendido a partir de um sentimento ético-religioso de arrependimento pessoal, que permite fazer do infrator alguém supostamente digno[4].

Analisa-se por meio de pesquisa doutrinária e empírica a preconcepção linear de “inimigo comum”, e a impossibilidade de se sustentar a ideologia do Estado de Defesa Social. Com a ajuda de dados estatísticos e artigos acadêmicos almeja-se responder o porquê da prisão não só não provocar no indivíduo a reflexão e arrependimento desejados, como ser a causa de um crescimento irrefreável da criminalidade.

Observa-se[5], em primeiro lugar, como fator preponderante para a evolução do comportamento criminoso, o crescimento de crianças e jovens em lares desajustados, onde desconhecem quaisquer práticas parentais positivas – indispensáveis ao futuro desenvolvimento do caráter –, sem possuir também acesso à educação, saúde ou segurança. O problema já começa então pelo lado social. A carência daquilo que é fundamental fornece combustível para insculpir o medo no subconsciente social, que por sua vez gera um desejo de vingança ao projetar, segundo Freud, o que a psicanálise chama de “delito por sentimento de culpa”, que projeta nossas próprias vontades, dúvidas e anseios em seres desviantes, e ao final garante força e legitimidade à ideologia do Estado de Defesa Social.

Ao final, o artigo pretende mostrar o distanciamento entre norma e realidade social, que evidencia uma despreocupação do Direito com o impacto social de suas decisões, seja ao elaborar um projeto de lei, seja dentro do tribunal. Há trabalhos demais repetindo à exaustão conclusões abstratas, inexequíveis ou mesmo óbvias. Operadores do Direito devem ser, em última análise, cientistas sociais, que produzem investigações que levem a algum tipo de solução concreta, ainda que não seja a ideal[6]. A título de exemplo, e para concluir o introito, pode-se citar o trabalho de Maria Ribeiro da Silva Tavares[7], assistente social, que por meio de uma pareceria com o Estado, dedicou a vida ao seu patronato, onde ajudou a reinserir milhares de prisioneiros, principalmente porque acreditava que não havia ser humano irrecuperável[8], mas, sim, método inadequado. Chamou-os de anjos, até o fim.

“A própria atrocidade da pena faz com que tentemos evitá-la com audácia tanto maior quanto maior é o mal [...]. Os países e as épocas em que os suplícios foram mais atrozes foram sempre os das ações mais sanguinárias e desumanas. [...] Para que a pena produza efeito, basta que o mal que ela inflige exceda o bem que nasce do delito e, nesse excesso de mal, deve ser calculada a infalibilidade da pena e a perda do bem que o crime deveria produzir. O resto é supérfluo e, portanto, tirânico. Os homens regulam-se pela repetida ação dos males que conhecem e não pela dos que ignoram”.[9]


A falácia da política criminal brasileira

Sem dúvida alguma, a ideologia por trás da pena, com o atravessar dos séculos, mudou. Diversos conceitos vieram para ajudar a reinterpretar sua necessidade, ora com fundamento no estado mínimo, ora com políticas de tolerância zero. De forma substancial, uma coisa é certa: se criminaliza e se pune coisas bem diferentes dos séculos anteriores, embora o direito penal ainda não tenha obtido sucesso algum com as políticas atuais. O uso do Estado de Defesa Social como instrumento de justiça social – a história comprova – tem efeito passageiro, nunca constante. Ademais, muito mais importante que a severidade da punição é a sua infalibilidade, porque a esperança, característica inerente à condição humana, que tudo supre e nos diferencia, desconcerta eventual medo que um castigo severo, mas incerto, possa causar.

A ideologia do Estado de Defesa Social é, em síntese, o que oferece suporte ao modelo estrutural de política criminal atual. Sob um olhar histórico, tanto a Escola clássica, quanto as escolas positivas, ainda que com suas concepções totalmente distintas entre a relação homem e sociedade, já se mostrava notória a presença estruturante dessa ideologia “[...] como nó teórico e político fundamental do sistema científico”[10]. Suas premissas são questionadas pela sociologia.

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“Princípio da legitimidade: o Estado, como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio de instâncias oficiais de controle social (legislação, polícia, magistratura, instituições penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condenação do comportamento desviante individual e à reafirmação dos valores e das normas sociais. Princípio do bem e do mal: o delito é um dano para a sociedade. O delinqüente é um elemento negativo e disfuncional do sistema social. O desvio criminal é, pois, o mal; a sociedade constituída, o bem. O princípio da culpabilidade: o delito é expressão de uma atitude interior reprovável, porque contrária aos valores e às normas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo legislador. Princípio da finalidade ou da prevenção: a pena não tem, ou não tem somente, a função de retribuir, mas a de prevenir o crime. Como sanção abstratamente prevista pela lei, tem a função de criar uma justa e adequada contramotivação ao comportamento criminoso. Como sanção concreta, exerce a função de ressocializar o delinquente. Princípio da igualdade: a criminalidade é violação da lei penal e, como tal, é o comportamento de uma minoria desviante. A lei penal é igual para todos. A reação penal se aplica de modo igual aos autores de delitos. Princípio do interesse social e do delito natural: O núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais das nações civilizadas representa ofensa de interesses fundamentais, de condições essenciais à existência de toda sociedade. Os interesses protegidos pelo direito penal são interesses comuns a todos os cidadãos. Apenas uma pequena parte dos delitos representa violação de determinados arranjos políticos e econômicos, e é punida em função da consolidação destes (delitos artificiais). [...] O conceito de defesa social parece ser, assim, na ciência penal, a condensação dos maiores progressos realizados pelo direito penal moderno. Mais que um elemento técnico do sistema legislativo ou do dogmático, este conceito tem uma função justificante e racionalizante com relação àqueles. Na consciência dos estudiosos e dos operadores jurídicos que se consideram progressistas, isso tem um conteúdo emocional polêmico e, ao mesmo tempo, reassegurador”.[11]

Na Itália do século XVIII, a Escola Clássica partia do delito como ente jurídico; a Escola positiva, por sua vez, partia do sujeito, e passava a centralizar sua análise em todos os fatores sociais, psicológicos e biológicos atrelados a este. A dicotomia encontrava-se, em síntese, entre o núcleo do conceito e a fonte de legitimação da pena, que para a Escola Clássica, o crime como ente jurídico era determinante para a repressão, enquanto para a Escola Positiva havia um critério indeterminado de tempo em que o objetivo seria a recuperação do indivíduo. A legitimação atual da pena como forma de defesa social não parece aliás tão distante assim destes parâmetros, mas, segundo Baratta, a principal falha está em não considerar a singularidade do comportamento humano. A despeito disso, Ronald Dworkin afirmou que haveria um dever de obediência à lei, mas que este não seria absoluto, pois as pessoas “[...] têm também o direito de seguir sua consciência sempre que esta entrar em conflito com tal dever”.[12]

Todavia, não parece preocupar muito ao mundo do Direito a aplicação da lei. Hart critica essa espécie de ilusão jurídica abstrata que levou principalmente o direito penal a se limitar a prescrever ameaças com base ainda em uma simples visão tradicional de ordem emanada por um soberano, ou por um grupo soberano, que sem debater com os agentes sociais os enunciados que compõem as regras, ficam na expectativa de corrigir desvios de conduta da sociedade inteira[13]. Segundo Bettiol (1948, apud BARATTA, 1972, p.29) “[...] deve-se ao menos admitir que o direito penal nasceu como filosofia”.

O direito criminal é algo a que obedecemos ou desobedecemos e o que as suas regras exigem é designado como dever. Se desobedecermos, diz-se que infringimos a lei e que o que fazemos é juridicamente errado, uma violação do dever ou de um delito. A função social que a lei criminal cumpre é a de prescrever e definir certos tipos de conduta como algo que deve ser evitado ou feito por aqueles a quem se aplica, independentemente dos seus desejos. O castigo, ou sanção, que é associado pela lei às infrações ou violações do direito criminal (sejam quais forem as outras finalidades que a punição possa servir) destina-se a fornecer um motivo para a abstenção dessas atividades. Em todos estes aspectos, há pelo menos uma forte analogia entre o direito criminal e as suas sanções e as ordens gerais baseadas em ameaças do nosso modelo. [...] há importantes tipos de leis em que tal analogia com as ordens baseadas em ameaças falha redondamente, visto que preenchem uma função social bastante diferente. [...] O poder assim conferido aos indivíduos de dar forma às suas relações jurídicas com outros através de contratos, testamentos, casamentos, etc., constitui uma das grandes contribuições do direito para a vida social; e é uma característica do direito obscurecida, ao representar-se toda a lei como uma questão de ordens baseadas em ameaças.[14]

Em verdade, a crítica ao modelo atual do Direito surge de um descompasso e encontra guarida no passado, onde, seja um monarca, seja um grupo de legisladores eleitos democraticamente, criam, em última análise, regras de obediência para o convívio em sociedade, com as quais muitas vezes não se sujeitam; a estrutura vertical por trás do hábito de obediência, ainda que em uma sociedade democrática, é evidente. Por outro lado, o hábito em si é importante para contornar a indispensabilidade dessa relação de “[...] continuidade da autoridade de criação do direito possuída por uma sucessão de legisladores diferentes, e a persistência das leis muito para além do desaparecimento do seu autor e daqueles que lhe prestavam obediência habitual”.[15]

Portanto, é preciso repensar a forma com que políticas públicas são desenhadas em um sistema que se limita a prescrever ameaças, e carrega uma herança histórica de um hábito de obediência social numa estrutura ainda majoritariamente vertical de poder. Cada ator neste cenário deve se responsabilizar pela parcela que lhe compete, para que se construa uma realidade social melhor.

"A ideia de que o direito é isolado do mundo que regula e o opera resta ultrapassada. Hoje é tempo de admitir que o direito é operado por pessoas e que cada uma delas sente, pensa, ama, chora... e tem seu jeito próprio de ver a vida e as questões jurídicas postas sob seus cuidados. O ponto fulcral não é esconder essa realidade, mas sim como devemos lidar com esta abertura. Isso sim parece ser importante".[16]


Revisão de conceitos

Segundo levantamentos do Ministério da Justiça[17], o Brasil possui a 4ª maior população carcerária do mundo, com 1/3 só de presos provisórios, sendo mais de 130 mil só pela prática de delitos ligados direta ou indiretamente ao tráfico de entorpecentes, e outros quase 270 mil por crimes contra o patrimônio; desse total, cerca de 324 mil possuem grau de instrução entre o analfabetismo e o ensino fundamental incompleto.

“[...] os três delitos que mais encarceram continuam sendo aqueles relacionados ao acesso forçado à renda, ou seja, o furto, o roubo e o tráfico de drogas ilícitas, que correspondem a mais de 60% do total de crimes. ‘Estes dados só revelam uma realidade que é por demais óbvia, mas que o senso comum criminológico tenta escamotear: o sistema penal criminaliza a pobreza e, como o neoliberalismo multiplica a pobreza, o número de criminalizados cresce e crescerá na mesma proporção’ (Garland, 2008, p. 20). [...] Muitos desta clientela prisional, diante de uma sociedade neoliberal consumidora e reificadora em excesso, buscam a ilusória e muitas vezes impossível ascensão social num mundo com baixíssima mobilidade social através, principalmente, do pequeno comércio varejista das drogas e de pequenos furtos. Como um movimento de contrarresistência aos movimentos antiprisionais, os discursos conservadores das ciências penais e neurológicas do crime mobilizam-se e criam conceitos e diagnósticos para manter e legitimar cada vez mais os espaços prisionais como preservadores da ordem e da defesa da sociedade contra os criminosos, que agora têm disponível uma definição precisa sobre quem são: recuperáveis ou irrecuperáveis”.[18]

Para se ter uma ideia da preponderância do fator econômico-social dentro das sociedades neoliberais, o número de presos com nível superior completo não chega a três mil[19]. Com uma defasagem de cerca de 1/3 no número de vagas disponíveis, precisar-se-ia, de uma hora pra outra, ao menos triplicar o número de presídios.

No século XX, Georg Rusche e Otto Kirchheimer[20] defenderam que políticas criminais liberais não têm relação direta, ou qualquer efeito negativo, sobre a criminalidade; o fator econômico, por outro lado, sim. Assim como Beccaria, entendiam que o rigor da punição não desestimulava a prática do crime, o que interferia era o contexto em que o indivíduo se inseria no sistema social.

“A instabilidade da dinâmica social e da economia causa incertezas, o que gera medo, sensação de risco permanente. ‘A sociedade quer o Estado Penal para se sentir protegida. Isso aparece de forma clara no recrudescimento do Direito Penal’ [...]. A redução da intervenção do Estado na sociedade conduz à aplicação do Direito Penal Máximo. Em vez de políticas assistenciais, o Estado aplica penas. No Brasil, a redução da intervenção estatal se deu a partir da década de 90, com as privatizações e abertura do mercado interno. Na Europa, esse fenômeno se deu dez anos antes e desde então, segundo o professor, os criminalistas europeus já estabeleciam a relação entre o Estado Mínimo e o Direito Penal Máximo. Esta seria a forma de punir quem não tem capacidade de integrar a sociedade de consumo, que existe desde quando os países deixaram de ser reconhecidos pelo que produzem, para serem identificados pelo que consomem. A aplicação do Direito Penal para os pobres no Brasil se mostra pelo perfil dos presos e dos crimes mais punidos”.[21]

A Noruega reabilita 80% dos criminosos com prisões sem grades, que mais parecem hotéis. A ideia por trás do sistema de execução penal escandinavo, à primeira vista inconsistente, tem se provado eficaz, porque busca reabilitar o condenado – que quase sempre possui diversas deficiências de formação – ao convívio em sociedade.[22] Na Holanda há vagas ociosas para alugar aos presos de outros países, comprovando a eficácia de seu sistema social. No Brasil, não se trata só de construir melhores presídios, trata-se de repensar todo o sistema de execução penal.

Não se pode presumir que um indivíduo mudará de comportamento apenas por passar algum tempo encarcerado – vide estatísticas sobre a reincidência –, ainda que as prisões sejam adequadas do ponto de vista humanístico. Para retornar à sociedade melhor, será preciso muito mais.

 “Quando você não conhece uma coisa, você a teme. A ignorância, num sentido social, produz o inimigo. Em nome do discurso contra a impunidade, justifica-se tudo. A impunidade não é a mãe de todos os males. É consequência de uma sociedade que está se fragmentando. [...] Ao proibir, você estimula a corrupção. Corrupção existe em qualquer sociedade humana. Combatê-la é como combater a gripe. Não vamos deixar de ter gripe. Então, o importante é dificultar as condições para que a corrupção se instale. Precisa desburocratizar a sociedade e os procedimentos administrativos [...]. Não tem política pública.”[23]

Fica portanto cada vez mais claro que muitas das controvérsias são reflexos das mais íntimas fontes de sofrimento interno humano. As respostas para tantas indagações, apesar de aparentemente pertencerem apenas ao mundo jurídico, estão na filosofia, na sociologia, na psicologia, e outras áreas. A filosofia, por exemplo, com suas reflexões milenares, é o ponto de encontro para o operador do Direito melhor compreender a ideia de paz social, felicidade e bem comum; a sociologia por sua vez traz um modo crítico avançado de analisar e solucionar problemas da sociedade; e, a psicologia, uma compreensão mais humana ou real do emocional humano, com todos os seus apontamentos sobre a individualidade e a falibilidade, que não se restringem à dicotomia “recuperável e irrecuperável”. Tudo mais do que compatível com a Constituição.

O Direito brasileiro parece se aproximar perigosamente do que se poderia chamar de autismo jurídico[24]. Os grandes debates, quando presentes nas academias, demonstram quão distantes estão da realidade diária da Justiça criminal; são perspectivas radicalmente distintas. O judiciário não se entende com a academia, o legislativo não propõe leis com os debates necessários, inevitavelmente a criminalidade cresce, assim como a exclusão social, e se perpetua o ciclo da defesa de interesses de grupos seletos[25]. Esquece-se de que é preferível prevenir delitos, a ter de puni-los[26].

 “O temor que as leis inspiram é saudável, o temor que os homens inspiram é uma fonte nefasta de delitos”[27]. Imprescindível que o Estado garanta ao cidadão então uma consequência; mas quando o povo não sabe o poder que a lei lhe dá, não fiscaliza, nem cobra soluções. “Se prodigalizardes luzes ao povo, a ignorância e a calúnia desaparecerão diante delas, a autoridade injusta tremerá, somente as leis ficarão inabaláveis, todo-poderosas, e o homem esclarecido amará uma constituição cujas vantagens são notórias”.[28]

O que ocorre atualmente é a edição de leis imediatistas[29] na tentativa de estabelecer uma contramedida que corresponda aos anseios da sociedade está longe também de ser a resposta. A não compreensão da origem do aprendizado criminoso associativo e das subculturas criminosas[30] levam à criminalização equivocada dos problemas sociais. Falta consciência política para iniciar-se um processo de autocrítica e consolidação do sistema penal – e da própria democracia. Nesse universo de incertezas, cresce a suspeita do cidadão comum de que a justiça do mundo real não é para todos. Não obstante, a população ainda demonstra mais confiança nos juízes que em seus representantes eleitos, expondo a delicadeza da legitimação democrática acrítica. Daí o movimento crescente de contorno dos problemas sociais por um Judiciário ativista.

Sobre o autor
Carlos Alencastro

Advogado. Pós-graduado em Direito Tributário e Finanças Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCASTRO, Carlos. Por onde anda o direito penal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5278, 13 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44281. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Texto desenvolvido em grupo de pesquisa do IDP - Instituto Brasiliense de Direito Público.

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