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Competência para o licenciamento ambiental e questões pontuais sobre o poder de polícia ambiental na zona costeira

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4. O licenciamento ambiental atual, de acordo com a LC 140/11

Com o advento da LC 140/11 houve uma profunda mudança no cenário da competência para licenciar. De certa forma, a lei tentou solucionar questões espinhosas com relação a quem deteria o poder de licenciar, contudo, não se pode dizer que as questões foram totalmente pacificadas, a exemplo do que ocorre na Zona Costeira em nosso país, muitas vezes os próprios Tribunais de encontram instáveis em decidir quando se trata de competência federal, municipal ou estadual, mas esse assunto será tratado adiante.

Acredita-se que o principal aspecto que mereça ser abordado com especial atenção seja relativo à ampliação da competência municipal para efetuar os licanciamentos ambientais.

De fato, antes da LC 140/11 a competência era, basicamente, firmada a partir do seguinte raciocínio: primeiro verificava se era caso de licanciamento em âmbito federal, não sendo, conferia se era da esfera estadual, e por último, somente se não se enquadrasse em nenhuma das primeiras categorias e houvesse o interesse local, seria de competência municipal.

Após a LC 140/11, ou seja, atualmente, primeiro averigua se é situação cuja esfera federal seja competente, não sendo, parte-se para análise se o Município deverá licenciar e apenas em caráter residual é que o Estado deterá a competência.

Dessa alteração surgem algumas reflexões, pois, embora a lei exija órgão tecnicamente capacitado no Município para que se possa efetuar o procedimento de licenciamento, o que se vê, em grande parte dos mais de 5.500[23] (cinco mil e quinhentos) Municípios, são órgãos sem apresentar o mínimo de estrutura para tal.

A LC 140/11, em seu art. 8o, inciso XIV, dispõe que são ações administrativas dos Estados, dentre outras, promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7o e 9o, sendo que o artigo 7o trata da competência federal e o artigo 9o versa sobre a competência municipal.

Endossando essa diminuição de competência dos Estados, em acesso ao sítio eletrônico da CETESB, logo ao iniciar a navegação em licenciamento ambiental, nos deparamos com a seguinte nota:

“Com a publicação da Deliberação Normativa Consema nº 01/2014 foram estabelecidas as diretrizes para o licenciamento ambiental municipal de empreendimentos ou atividades de potencial impacto local.
 Antes de iniciar a solicitação de licença na CETESB, verifique no endereço: http://www.ambiente.sp.gov.br/consema/licenciamento-ambiental-municipal/ os municípios que já estão aptos para exercer o licenciamento ambiental, bem como a classificação do impacto ambiental do empreendimento ou atividade que o município pode atender.
Caso o município esteja apto para realizar o licenciamento de seu empreendimento ou atividade, a solicitação de licença deverá ser obrigatoriamente protocolada no órgão ambiental municipal.”[24]

Polêmicas a parte, o fato é que os Municípios receberam uma ampliação de poderes, sem a contrapartida necessária.

O Ministério Público, atento à essa situação, ingressou com diversas Ações Civis Públicas no sentido de demonstrar que o município não detinha capacidade técnica para realizar os licenciamentos, e em grande parte dessas ações o Poder Judiciário deu provimento para que cessassem esses licenciamentos, até que regularizasse a situação.

Ainda, no decorrer do procedimento de licenciamento, os demais entes, de acordo com a lei, não precisam se calar. Podem se manifestar. Porém, essa manifestação não se dá de maneira vinculante, o que, em outras palavras, não tem obrigatoriedade nenhuma em ser ouvida, restando como uma mera “folha de papel”.

Trazemos, a título de ilustração, algumas situações que ocorreram no Estado de São Paulo para que se possa realizar conclusões sobre o assunto.

Primeiramente, cumpre esclarecer como se dá no Estado de São Paulo a divisão administrativa com relação às questões ambientais, simetricamente à estrutura nacional, temos a PEMA (Política Estadual do Meio Ambiente), prevista nos artigos 191 a 204 da Constituição Estadual paulista, que instituiu o SISEMA (Sistema Estadual do Meio Ambiente), tal qual temos a PNMA (Política Nacional do Meio Ambiente) que instituiu o SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente).

 Também, continuando a explanação no Estado de São Paulo, existe o CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente), compatibilizando sua atuação com o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), posto que tem, dentre outras, a função de editar normas.

Por derradeiro, tem-se a CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), órgão executor, assim como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente).

Colocadas tais premissas, passa-se a expor o que ocorreu com relação ao licenciamento ambiental municipal no referido Estado.

O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública ambiental, pleiteando a declaração de nulidade de convênio celebrado entre o município e a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental - CETESB, para descentralização de licenciamento ambiental de atividades de impacto local, firmado com base em três atos normativos: Resolução CONAMA 237/97, Deliberação CONSEMA 33/2009 e Resolução 61/CADES/2001.

Em primeira instância, foi deferida liminar para determinar a suspensão do referido convênio, ficando o município de São Paulo impossibilitado de realizar licenciamentos ambientais, em caráter exclusivo, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Contra essa decisão, o município interpôs agravo de instrumento. Ao examinar o pedido, o em. Desembargador Ribeiro de Paula, no plantão judiciário, concedeu efeito suspensivo ao recurso.

Com o julgamento do mérito, o eg. Tribunal a quo negou provimento ao agravo de instrumento[25], conforme v. acórdão, verbis:

"Agravo de Instrumento. Ação civil pública ambiental. Deferimento da tutela antecipada, consistente em determinação de suspensão do convênio firmado entre a municipalidade-ré e a CETESB, com base na Resolução CONAMA n.º 237/97, na Deliberação CONSEMA 33/2009 e na Resolução 61/CADES/2001, ficando a municipalidade de São Paulo impedida de realizar licenciamentos ambientais, inclusive, de continuar com aqueles já iniciados e, também, de aprovar, autorizar, licenciar ou permitir, sem o controle dos demais entes federados e, em especial, do CONSEMA, construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades, potencialmente, poluidores, sob pena de multa -Declaração de Inconstitucionalidade, pelo C. Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça, do art. 6º, da Resolução CONAMA n.º 237/97 - Presença dos requisitos da verossimilhança do alegado e da possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação - Aplicação do art. 273, 'caput', I, do CPC. Recurso não provido".

Então o município de São Paulo ingressou com pedido suspensivo[26] junto ao Superior Tribunal de Justiça, no qual aduz grave dano à ordem e economia públicas, uma vez que o deferimento da liminar teria acarretado a paralisação de diversas obras públicas, tais como: a expansão de corredores de ônibus, abertura e ampliação de sistema viário, construção de piscinões, projeto de construção de reservatórios de controle de enchentes, reforma de galerias de águas pluviais e contenção de taludes de córregos, desassoreamento de áreas verdes e novos parques municipais, passagens de linhas de transmissão, construção de unidades escolares, obras do metrô e construção de unidades habitacionais.

Cita, ainda, outras obras em andamento, que teriam sido interrompidas, tais como a implementação da Subestações Piratininga II, Linha de Transmissão Interlagos - Piratininga II, Terminais de Itaquera e Corredores de Ônibus da Zona Leste, Prolongamento da Avenida Jornalista Roberto Marinho, Linha 2 do Metrô - Verde - Trecho Oratório - Cidade Tiradentes, Linha 17 do Metrô - Ouro - Ligação do Aeroporto de Congonhas à Rede Metroferroviária, em sistema de Monotrilho, Readequação da Bacia Hidrográfica do Córrego Zavuvus, dentre centenas de outros.

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O município de São Paulo arguiu que o deferimento da liminar ocasionou a interrupção de serviço público essencial prestado pelo município, qual seja, o licenciamento ambiental de impacto local.

O STJ, por sua vez, ao deliberar sobre a questão, decidiu suspender a medida concedida pelo egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, considerando que causa grave dano à ordem e à economia públicas, na medida em que inviabiliza a continuidade de empreendimentos já iniciados - em razão da existência de licenças ambientais prévias - mas que dependem, para sua conclusão, de licenças ambientais de instalação e também de operação.

Assim, o município de São Paulo continua a exercer sua competência licenciatória, ao menos por ora, enquanto a ação principal não tem seu mérito julgado e decidido.

O que se buscou trazer para este tópico, foi a reflexão sobre essa questão da municipalização do licenciamento, pois, como é sabido, nem todos os municípios se mostram inviáveis tecnicamente ao exercicício da função, não se devendo generalizar a afirmação de ser contra à ideia de aumento dos poderes licenciadores municipais.

Com relação à Zona Costeira, o debate se torna mais acalorado tendo em vista a zona cinzenta existente entre o que seria competência local ou da União, posto que se encontra em uma região onde os aspectos físicos e econômicos se entrelaçam profundamente.

Nos termos do artigo 13 da LC 140/11, verifica-se que os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos da lei, contudo, os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental. 

Precisamos lembrar, ainda, que a supressão de vegetação decorrente de licenciamentos ambientais é autorizada pelo ente federativo licenciador. Ou seja, em se tratando de licenciamento municipal é o próprio Município que autorizará o eventual desmatamento. Situação preocupante, tendo em vista a falta de capacidade técnica desses entes e a relevância de desmatamento realizado.

Importante salientar que em relação à fiscalização, a competência continua sendo comum. Em verdade, todos os entes da federação tem não só o direito, mas o dever de fiscalizar as atividades que possam causar danos ao meio ambiente.

Realmente, o fato do licenciamento de dar em um único nível, não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização.

Havendo duplicidade de autuação administrativa por mais de um ente, referente ao mesmo fato, prevalecerá o auto daquele que detinha, originariamente, a competência para licenciar.

A questão se torna um pouco mais complexa quando se procura definir o que seria a “duplicidade”, pois, por exemplo, pode existir uma extensa propriedade e que um ente tenha efetuado a fiscalização de parte dela e ao notar alguma irregularidade tenha emitido o auto de infração. E na mesma propriedade, porém em outra delimitação, ente diverso tenha constatado outra  situação irregular e emitido outro auto. Nesse caso, não haverá “bis in idem”.

Contudo, se efetivamente os dois ou mais autos tratarem da mesma infração, no mesmo local, caracterizado a duplicidade, deverá o cidadão quitar suas obrigações juntamente ao ente que detinha a competência para licenciar e levar essa comprovação ao outro ente para que se realize o procedimento de cancelamento do auto de infração.

Tal afirmativa pode ser constatada ao se realizar a leitura do artigo 17, da LC 140/11, que diz competir ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada. 

Ainda, no parágrafo primeiro, reafirma o dever de todos em cuidar e preservar o meio ambiente equilibrado, preconizando que qualquer pessoa legalmente identificada, ao constatar infração ambiental decorrente de empreendimento ou atividade utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores, pode dirigir representação ao órgão a que se refere o caput, para efeito do exercício de seu poder de polícia. 

Também, reforça a ideia da responsabilidade de todos os entes, dizendo que nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis. 

Por fim, diz que a responsabilidade de todos em mitigar eventuais danos e realizar a devida vistoria, não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização.

Diante dessa constatação, se mostra ainda mais relevante a questão da determinação da competência para licenciar.

Assim, pode-se dizer que a LC 140/11 resolveu diversas questões pontuais, principalmente em estabelecer com maior precisão quais os entes federativos são responsáveis por quais licenciamentos, embora de maneira incompleta e conferindo a possibilidade de demasiados poderes aos Municípios e à União.

Em relação à Zona Costeira, tal debate torna-se ainda mais evidente, pois a distinção entre o que é dano local ou não nem sempre se mostra tão límpida. De tal forma que nos ateremos, a seguir, a demonstrar pesquisa realizada junto aos Tribunais Judiciais no sentido de tentarmos auxiliar na tormentosa definição da competência nas zonas litorâneas.


5. Critérios para Definição da Competência na Zona Costeira.

Diante da multiplicidade de instrumentos legais que coexistiram no passado e que coexistem no presente, a escolha pela determinação de critérios rígidos e objetivos de competência administrativa para licenciar na zona costeira devem ser estabelecidos com o intuito de se assegurar a necessária segurança jurídica.

Pawl Hawken, ambientalista empreendedor e escritor do livro “A ecologia do Comércio”[27], a biosfera está sendo destruída, talvez irreversivelmente, pelas demandas que lhe são impostas por uma sociedade cujos componentes centrais revelam falhas. Nas cidades constantes da Zona Costeira, em muitas delas existem Portos, ou são cidades turísticas que se desenvolvem ao longo das praias, em ambos os casos, a atenção com relação ao licenciamento precisa ser ampliada, tendo em vista a quantidade de empreendimentos e a fragilidade desse bioma.

Conforme disposto anteriormente no presente trabalho, a LC 140 é o marco normativo que estabelece os parâmetros a serem observados pelos órgãos de licenciamento ambiental. As discrepâncias observadas algumas vezes na prática remontam ao atendimento de interesses políticos, econômicos ou apenas decorrem de erros de interpretação, ou até mesmo do desconhecimento da Lei.

Em que pese o único instrumento normativo eleito para solucionar a questão das competências em matéria de licenciamento ter sido a LC 140, seus instrumentos possibilitam a modificação posterior, pela inclusão por meio da delegação ou da estipulação de tipologias pelos próprios entes para o licenciamento.

A tabela abaixo contém a repartição das competências segundo a Lei Complementar 140/11:

União

Estados

Municípios

localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe

promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado aqueles atribuídos à União e aos Municípios.

Que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade.

localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva

promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs)

localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs)

localizados ou desenvolvidos em terras indígenas

localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs)

localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados

de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas

Destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear

Que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento

O licenciamento dos empreendimentos cuja localização compreenda concomitantemente áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira será de atribuição da União exclusivamente nos casos previstos em tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.

Como vemos, além das expressas menções feitas à União deve-se buscar a auto atribuição de competências da União para licenciamento de acordo com atos do Poder Executivo Federal[28]. No caso dos Estados, estes podem estabelecer as tipologias que entregam aos Municípios o poder de licenciar determinadas atividades que causem impactos locais.

Se nos depararmos com algum eventual problema este residirá em três características da Lei: a) possibilidade de auto atribuição de competências pela união de atividades que não atendam os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento (assim não sendo uma determinação técnica, mas sim política); b) atribuição do licenciamento ambiental pelos municípios de atividades que não causem impactos estritamente locais segundo os mesmos critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade (novamente não sendo uma determinação técnica, mas política) e c) na duplicidade de atribuição ao Município pelo Estado e para à União por si própria.

Aqui residirá a atuação do Poder Judiciário, controlando a constitucionalidade pela via difusa (invasão de competência de outro ente por meio da utilização das tipologias ou delegação de competências para o atendimento de interesses econômicos e políticos), bem como a ilegalidade de licenciamentos realizados em desconformidade com as tipologias que estejam de acordo com a Lei e a Constituição.

Nota-se que os critérios não são cindíveis uns dos outros, devendo-se levar em consideração ao mesmo tempo o porte, o potencial poluidor e a natureza da atividade ou empreendimento.

Exemplificamos: no caso do Porto de Santos temos um empreendimento que sua extensão compreende dois municípios, inicialmente determinando que a competência siga pelo órgão Estadual, já se afasta qualquer hipótese de dano local. Mas em um segundo e terceiro momento determina-se que a competência para o licenciamento seja da União, pois o potencial de poluição pode ultrapassar os limites territoriais do Município ou do Estado, sendo que neste caso há possibilidade de vazamento de materiais radioativos ou de outros produtos em mar territorial[29] e isto em decorrência da própria natureza da atividade portuária que também contempla o transporte destes mesmos materiais.

Neste sentido, temos incidentalmente nos autos da Ação Civil Originária 922-SP[30] manifestação da Ministra Carmen Lúcia seguindo o entendimento de que é competência do órgão federal, julgando prejudicada a decisão em razão de se provar que efetivamente houve a atuação do referido na expedição da licença ambiental.

Em um segundo exemplo, podemos citar os quiosques na Praia do Município. Seu porte é pequeno, seu potencial poluidor também e a natureza da atividade ou empreendimento não são capazes de determinar qualquer hipótese de atuação do Estado ou da União, sendo, portanto, um empreendimento de competência do Município. Neste caso, a determinação de uma tipologia da União se atribuindo a competência para licenciar seria eivada de inconstitucionalidade e ilegalidade pelo esvaziamento do Poder dado Pela Constituição Federal aos municípios pelo artigo 23, e por infringir os critérios para o estabelecimento de competências formulado pela LC 140. No mesmo exemplo se Estados deixarem de atribuir por meio das tipologias de que tratam a Lei Complementar, estará incorrendo-nos mesmo vícios, mas ao invés de fazê-lo em forma de ação, o fará pela Omissão.

No caso da Apelação Cível 200651080008781 o TRF-2[31] julgou pela competência do IBAMA para o licenciamento de quiosques localizados na praia, ou seja, em área de terreno de marinha, utilizando critério não contemplado na Lei Complementar 140:

“Ementa: de que os estabelecimentos (quiosques) foram construídos sobre vegetação nativa, em área de restinga, portanto sobre faixa de areia de praia. Tais áreas ocupadas pelos quiosques pertencem a denominada Área de Preservação Permanente, o que foi atestado pelo laudo de vistoria realizado pelo IBAMA indicando que a ocupação se deu em terreno de propriedade da União, nos termos do Art. 20 , inciso VII , da CRFB/88 , integrante do patrimônio nacional constituído pela zona costeira. 5. Ainda que o Município de Araruama tenha concedido aos donos dos quiosques permissão para utilização da área, com a expedição de alvarás, o que dá a aparência de legalidade à situação, a regular instalação, construção e funcionamento dos quiosques, depende de autorização e licenciamento da União por meio da SPU - Secretaria de Patrimônio da União e IBAMA. Não havendo qualquer planejamento, tampouco licenciamento ambiental concedido pelo órgão competente, a tendência é que a deterioração do meio ambiente naquela região aumente progressivamente. 6. Tratando-se de área de propriedade da União, exsurge a competência administrativa do IBAMA para sua fiscalização e licenciamento ambiental, nos termos do art. 2.º da Lei n.º 7.735 /89. 7. Ainda que se admitisse a boa-fé dos autores, ora apelantes, em razão das autorizações municipais concedidas, e recolhimentos à Prefeitura de taxas de uso do solo, o que gerava uma presunção de regularidade da ocupação, não se pode olvidar que se trata de ocupação irregular de bem público, sem assentimento da União, que não dá ao ocupante direito a qualquer indenização. 8. Agravo retido e apelação improvidos.”

 Veja-se que se utilizou a dominialidade do bem como forma de entregar à União competência que não possui seguindo-se os critérios legalmente estabelecidos. Desta forma temos a atuação do Poder Judiciário Federal diretamente contrária à Lei. Em contrapartida temos a acertada decisão do TRF-2[32] na Remessa de ofício 200850010011256:

“Ação civil pública. Construção do terceiro píer no iate clube do espírito santo. Marina norte. Desnecessidade de realização de eia/rima para o projeto executado. Exigibilidade tão-somente de estudo ambiental por meio da declaração de impacto de atividades - dia. Inexistência de dano ambiental significativo decorrente da construção. Desnecessidade de dragagem para a viabilidade de sua utilização atual. Legalidade do licenciamento. 1. Agiu corretamente o MM. Juiz a quo ao indeferir o requerimento apresentado pelo Ministério Público Federal em sede de alegações finais, na medida em que há alteração do pedido formulado na petição inicial, em momento inoportuno, fora das hipóteses previstas no art. 264 do CPC, aplicável à ação civil pública por força do art. 19 da Lei n.º 7.347/85. 2. O critério de repartição de competências para o licenciamento ambiental é o da preponderância do interesse, cabendo ao IBAMA realizar o licenciamento quando o impacto ambiental for de relevância nacional ou regional. A antiga redação do caput do art. 10 da Lei 6.938/81, vigente à época dos fatos, apenas previa, excetuado o caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional (§ 4º), a competência supletiva do IBAMA quanto ao licenciamento de atividades capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. No caso em tela, que envolve a construção da Marina Norte do Iate Clube do Espírito Santo - ICES, não se vislumbra impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, sendo certo que a competência para fiscalizar a obra e conceder ou não seu licenciamento ambiental é do Município de Vitória. Não há, outrossim, que se falar em critério de dominialidade da União sobre o mar territorial para a aferição da competência do IBAMA quanto ao licenciamento ambiental...”

Em relação à carcinicultura (criação de camarões), temos um julgado que consideramos em desacordo com os ditames estipulados pela LC 140, pois novamente se utiliza o critério de dominialidade dos bens para resolver a questão sobre o licenciamento[33]. Fazemos uma ressalva, já que neste caso admite-se que tipologia específica venha a resguardar a competência da União, caso assim seja feito, pois a natureza da atividade pode sim causar impactos desconhecidos que incluem o ecossistema marinho. Assim, criticamos a fundamentação da decisão do TRF-5 na Apelação Civel 0024755-57.2003.4.05.8100[34] e não o seu resultado pela atribuição da competência à União:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR REJEITADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTERESSE DO IBAMA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA DA UNIÃO. CARCINICULTURA. ZONA COSTEIRA. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E MATERIAL. ENTE FEDERAL E ESTADUAL. ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA. LOCALIZAÇÃO. NATUREZA DOS BENS LOCALIZADOS. ÂMBITO DO IMPACTO DOS EFEITOS RESULTANTES. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL. ATUAÇÃO CONJUNTA. RESOLUÇÕES. CONAMA (312/2002). COEMA (02/2002). CONSTITUCIONALIDADE. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E RELATÓRIO. EXCEÇÕES. EXTENSÃO DO EMPREENDIMENTO. POTENCIALIDADE DE AGRESSÃO SIGNIFICATIVA AO MEIO AMBIENTE. CRITÉRIOS OBJETIVO E SUBJETIVO. POSSIBILIDADE.”

Outro critério é o da atuação supletiva dos órgãos de licenciamento ambiental. Aqui não há celeuma. Se Município não possuir corpo técnico, supletivamente Estado atuará e se este também não possuir um órgão com capacidade técnica será a vez de a União assumir a responsabilidade pelo licenciamento. Ou seja, mesmo que haja determinação de competência para o município, não existirá ilegalidade ou vício de constitucionalidade no caso de Atuação Supletiva do Estado ou da União.

Sobre os autores
Leonardo Bernardes

Advogado. Prática Civil e Empresarial. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos. Pesquisador no Grupo da Universidade Católica de Santos de Tutela Judicial do Meio Ambiente, na linha de pesquisa: Direito, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Página do Grupo de Pesquisas: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/8330106455642193

Meilyng Leone Oliveira

Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERNARDES, Leonardo; LEONE OLIVEIRA, Meilyng. Competência para o licenciamento ambiental e questões pontuais sobre o poder de polícia ambiental na zona costeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4515, 11 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44379. Acesso em: 22 dez. 2024.

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