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A proteção da criança e do adolescente frente aos meios de comunicação:

breve análise da Resolução Conanda n. 163/2014

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Agenda 18/11/2015 às 12:02

5. Conclusão

Ante todo o exposto neste trabalho, a primeira conclusão que podemos alcançar é a de que crianças e adolescentes, pelo modelo social adotado, estão inseridos na sociedade de consumo, ocupando nesta verdadeiro papel de protagonistas. Ainda que tal realidade seja inegável, e que tentar lutar contra esta possa resultar em uma descabida exclusão social do infante ou adolescente, certo é que estes não podem ser tidos como consumidores-adultos, haja vista a sua flagrante hipossuficiência e imaturidade parta compreender todas as estratégias e artimanhas mercadológicas, de modo a poderem participar da forma mais saudável possível deste cenário de forte consumismo, estando suscetíveis às nefastas consequências do consumismo exacerbado.

Neste cenário, a função educacional dos pais e responsáveis se mostram não só um poder-dever, mas um imperativo, que não pode ser delegado ao Estado, cabendo a estes, apesar dos seus compromissos profissionais e “de adultos”, exercer, com parcimônia e sabedoria, seu poder familiar e sua liberdade de criação.

Evidente que, dado o atual estágio do consumismo no seio social, e o grande aumento de problemas envolvendo a precoce e agressiva inserção da população infanto-juvenil na roda de consumo, não pode o Estado ignorar o ocorrido, devendo, dentro dos limites da função cooperativa, auxiliar pais e responsáveis na tarefa de educar e proteger seus filhos dos efeitos negativos da cultura mercadológica.

Frisa-se que tal auxílio, além de ser subsidiário ao poder familiar, deve buscar amparo no ordenamento jurídico vigente, em especial na Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Código de Defesa do Consumidor, pretendendo, sempre, a prioridade absoluta da criança e do adolescente, sem, contudo, negar outros importantes preceitos e direitos também garantidos pelo mesmo ordenamento.

Desta feita, por mais que a Resolução CONANDA nº 163/2014tenha o mérito de ter posto em discussão tema bastante polêmico, seu conteúdo nos parece extrapolar os limites deferidos por lei ao Estado, trazendo consequências negativas até mesmo ao público que pretende, tão bem intencionadamente, proteger.

Assim, pelo seu teor, e não tanto pela sua forma, entende-se não ser a Resolução CONANDA nº 163/2014 o meio adequado para a regularização da publicidade e propaganda voltada à criança e ao adolescente, disciplina essa que pode ser extraída das normas já vigentes no nosso ordenamento, ou mediante a adoção de uma saída mais equilibrada – tal como a encontrada no exemplo norte-americano apontado neste trabalho -, a qual deverá contar com a participação de toda a sociedade.


Bibliografia

ARAUJO, Luiz Alberto David. “Regime jurídico da participação de crianças e adolescentes em programas de televisão”. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, 2001.

ARAUJO, Luiz Alberto David, e JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10ª Edição, revisada e atualizada. São Paulo. Saraiva. 2006.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo, 2010.

CALDAS, Vera Maria. “Direito Internacional Comparado – Análise da “Lei de proteção à criança na internet”, e das probabilidades do seu questionamento à luz da “Lei de Moralização das Comunicações””, in “Direito eletrônico- A internet e os tribunais”, Bauru, 2001.

MACHADO, Martha de Toledo.”A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos”. São Paulo, 2003

NABAIS, José Casalta. “A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos”. Por uma liberdade com responsabilidade: estudos sobre direitos e deveres fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2007.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8ª Edição, revisada, ampliada e atualizada. São Paulo. Saraiva. 2007.

SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27ª Edição, revista e atualizada. São Paulo. Malheiros. 2006.

SILVA, José Afonso. “Comentário contextual à Constituição”. São Paulo, 2006.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3ª Edição, revisada e atualizada. São Paulo. Saraiva. 2006.

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TEIXEIRA, Sílvio de Figueiredo. “O menor, esse desconhecido”. Aula Magna proferida na abertura do XIII Congresso Brasileiro de Juízes e Curadores de Menores, em Cuiabá/MT, em 11/10/1989.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. “O direito e a justiça do menor”. Conferência proferida no XII Congresso Brasileiro de Juízes e Curadores de Menores,Recife, 24/11/1987.


Notas

[1] Conforme dados colhidos junto à organização Criança e Consumo, em texto visualizado no dia 26 de novembro de 2014 - http://criancaeconsumo.org.br/consumismo-infantil/

[2] Art. 2º Considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se, dentre outros, dos seguintes aspectos:

I - linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II - trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

III - representação de criança;

IV - pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

V - personagens ou apresentadores infantis;

VI - desenho animado ou de animação;

VII - bonecos ou similares;

VIII - promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e

IX - promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.

§ 1º O disposto no caput se aplica à publicidade e à comunicação mercadológica realizada, dentre outros meios e lugares, em eventos, espaços públicos, páginas de internet, canais televisivos, em qualquer horário, por meio de qualquer suporte ou mídia, seja de produtos ou serviços relacionados à infância ou relacionados ao público adolescente e adulto.

§ 2º Considera-se abusiva a publicidade e comunicação mercadológica no interior de creches e das instituições escolares da educação infantil e fundamental, inclusive em seus uniformes escolares ou materiais didáticos.

§ 3º As disposições neste artigo não se aplicam às campanhas de utilidade pública que não configurem estratégia publicitária referente a informações sobre boa alimentação, segurança, educação, saúde, entre outros itens relativos ao melhor desenvolvimento da criança no meio social.

[3] BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo, 2010.

[4] http://mulher.uol.com.br/gravidez-e-filhos/noticias/redacao/2012/08/30/uso-de-celulares-e-tablets-por-criancas-deve-ser-mediado-pelos-pais.htm - visualização em 26 de novembro de 2014

[5] http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Junkfood-+-marketing-infantil-+-legisla%C3%A7%C3%A3o-falha.pdf – visualização em 26 de novembro de 2014.

[6] http://www.desenvolvimentodobebe.com.br/menos-televisao-para-criancas/ - visualização em 26 de novembro de 2014.

[7] http://milc.net.br/2014/08/noticias/#.VHVFwYvF-z5 – visualização em 26 de novembro de 2014.

[8] TEIXEIRA, Sílvio de Figueiredo. “O menor, esse desconhecido”. Aula Magna proferida na abertura do XIII Congresso Brasileiro de Juízes e Curadores de Menores, em Cuiabá/MT, em 11/10/1989 - portanto, antes da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente – pp. 338/339.

[9] Op. cit, pp. 336/337.

[10] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. “O direito e a justiça do menor”. Conferência proferida no XII Congresso Brasileiro de Juízes e Curadores de Menores, Recife, 24/11/1987, p. 321.

[11] ARAUJO, Luiz Alberto David. “Regime jurídico da participação de crianças e adolescentes em programas de televisão”. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, 2001, p. 233.

[12] Op. cit, p. 232.

[13] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos (...)

[14] Op. cit, p. 234.

[15] Idem.

[16] Direito à igualdade, sem distinção de raça religião ou nacionalidade.

Princípio I

- A criança desfrutará de todos os direitos enunciados nesta Declaração. Estes direitos serão outorgados a todas as crianças, sem qualquer exceção, distinção ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, nacionalidade ou origem social, posição econômica, nascimento ou outra codição, seja inerente à própria criança ou à sua família.

Direito a especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social.

Princípio II

- A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e serviços, a serem estabelecidos em lei por outros meios, de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.

[17] PIOVESAN, Flávia. “Direitos humanos e o direito constitucional internacional”. São Paulo, 2007, p. 207.

[18] SILVA, José Afonso. “Comentário contextual à Constituição”. São Paulo, 2006, p. 854.

[19] Op. cit, p. 235

[20] MACHADO, Martha de Toledo.”A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescentes e os Direitos Humanos”. São Paulo, 2003. p. 388.

[21] Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

[22] Idem.

[23] Idem.

[24] Idem.

[25] Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais

[26] Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

[27] “Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado”. São Paulo, 1998, p. 34.

[28] CALDAS, Vera Maria. “Direito Internacional Comparado – Análise da “Lei de proteção à criança na internet”, e das probabilidades do seu questionamento à luz da “Lei de Moralização das Comunicações””, in “Direito eletrônico- A internet e os tribunais”, Bauru, 2001, p. 633.

[29] Idem.

[30] Op. cit, p. 636.

[31] Op. cit, p. 639.

[32] Idem.

[33] Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

Sobre a autora
Natália Dozza

Advogada, bacharel em Direito pela PUC-SP, especialista em Direito Constitucional pela COGEAE/PUC-SP, mestranda em Direito Constitucional pela PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOZZA, Natália. A proteção da criança e do adolescente frente aos meios de comunicação:: breve análise da Resolução Conanda n. 163/2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4522, 18 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44607. Acesso em: 18 mai. 2024.

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