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A imunidade formal e a prisão civil por dívida alimentícia

Agenda 06/12/2015 às 18:22

Diante do conceitos trazidos pela Constituição de 1988 de prisão civil por dívida alimentícia e da imunidade formal dos parlamentares, poderão deputados e senadores serem presos caso se enquadrem nesta situação?

 


 

 

RESUMO

Este trabalho apresenta uma análise de dois conceitos trazidos pela Constituição da República de 1988: as imunidades concedidas aos parlamentares e uma breve explicação sobre a previsão constitucional de prisão civil por dívida alimentícia. Diante de tais conceitos, faz-se um paralelo entre a imunidade formal concedida aos congressistas e a possibilidade ou não de prisão civil para aqueles deputados e senadores que se enquadrarem nesta situação. 

Palavras chave: imunidades; imunidade formal; prisão civil; dívida alimentícia.

 

1.INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê, em seu art. 53, § 2º, a imunidade formal. Esta imunidade significa a prerrogativa dos congressistas não serem presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, durante o exercício de seus mandatos. A Carta Magna traz ainda, em seu art. 5º, LXVII, a possibilidade de prisão civil nos casos de inadimplemento nas obrigações alimentícias. Diante da impossibilidade de prisão dos parlamentares e a determinação constitucional de prisão civil por dívida alimentícia, poderão os deputados e senadores ser presos, caso não paguem esta dívida?

2. IMUNIDADE PARLAMENTAR

A imunidade parlamentar é trazida pela CR/88 no Estatuto dos Congressistas. Este Estatuto é, nas palavras do Professor Bernardo Gonçalves: “Um conjunto de normas jurídicas que estatui o regime jurídico de deputados e senadores e, que diz respeito, sobretudo, aos direitos e imunidades ou aos deveres e impedimentos dos membros do Poder Legislativo” (FERNANDES, Bernardo; 2011, p. 664).

Ensina Gilmar Mendes que

Algumas dessas prerrogativas ganham o nome de imunidade, por tornarem o congressista excluído da incidência de certas normas gerais. [...] A imunidade não é concebida para gerar um privilégio ao indivíduo que por acaso esteja no desempenho de mandato popular; tem por escopo, sim, assegurar o livre desempenho do mandato e prevenir ameaças ao funcionamento normal do Legislativo. (MENDES, 2012, p. 1237)

Imunidade parlamentar é, então, a prerrogativa da qual gozam os parlamentares devido ao exercício da função legislativa. Essa imunidade é subdividida no ordenamento jurídico pátrio em imunidade material (CR/88, art.53, caput) e imunidade formal (CR/88, art. 53, § 2º) como observado no texto constitucional:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. 
[...]
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

A imunidade material, nas palavras de Divani Alves dos Santos: “Objetiva assegurar a liberdade de expressão dos parlamentares, significando que eles não responderão, nem penal nem civilmente, por suas opiniões, palavras e votos, no exercício de suas funções no Parlamento ou fora dele” (SANTOS, 2009, p.34)

Vale ressaltar que a imunidade material será aplicada “no exercício de suas funções”, ou seja, deve haver nexo causal entre o que foi proferido pelo congressista e o exercício de sua função.

A imunidade formal, por sua vez, nos dizeres de Alexandre de Moraes “É o instituto que garante ao parlamentar a impossibilidade de ser ou permanecer preso ou, ainda, a possibilidade de sustação do andamento da ação penal por crimes praticados após a diplomação” (MORAES, 2006, p.410)

Enquanto a imunidade material tem eficácia temporal absoluta, ou seja, mesmo com o fim do mandato, os parlamentares não poderão responder por opiniões, palavras e votos proferidos enquanto estavam exercendo suas funções, a imunidade formal é limitada no tempo, isto é, existe enquanto existir o mandato.

 

3.PRISÃO CIVIL POR DÍVIDA ALIMENTÍCIA

O ordenamento jurídico brasileiro prevê quatro tipos de prisão: a penal, a administrativa, a disciplinar e a civil.

Ensina Oscar Valente Cardoso que “a prisão civil, como todas as formas de prisão extrapenal, constitui uma medida excepcional e é utilizada como um meio de coerção para o devedor cumprir a obrigação” (CARDOSO, 2009)

No nosso país, as hipóteses de prisão civil são limitadas pela Carta Magna, que traz como uma garantia fundamental a não existência de prisão civil por dívida, admitindo apenas a prisão civil do inadimplente no pagamento de dívidas alimentícias e a do depositário infiel.

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            Ao ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos, que proíbe qualquer espécie de prisão civil por dívida, permitindo apenas a do inadimplente do pagamento de obrigação alimentícia, a prisão civil do depositário infiel gerou controvérsias. Como recepcionar esta norma em nosso ordenamento, já que há o conflito entre a permissão pela Lei Maior e a não permissão pelo Tratado? No Recurso Extraordinário nº  466343/SP, o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, decidiu não ser possível, no Brasil, a prisão do depositário infiel, diante da interpretação da Constituição em relação ao Artigo 7.7 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Resolvida tal questão, resta assente que a única forma de prisão civil por dívida admitida no Brasil é “a do responsável pelo inadimplemento voluntário inescusável de obrigação alimentícia” (Art. 5º, LXVII). Diante disso, nos dizeres de Oscar Valente Cardoso: “presume-se que a necessidade de sobrevivência do alimentando (direito à vida) prevalece sobre o direito à liberdade do devedor-alimentante” (CARDOSO, 2009)

            A execução desta prestação alimentar está regulamentada nos arts. 732-735 do CPC, sendo admissível a prisão quando o devedor não efetuar o pagamento ou não justificar a inadimplência. 

4. IMUNIDADE FORMAL E A PRISÃO CIVIL

A imunidade formal garante ao congressista não ser ou permanecer preso e também a prerrogativa de ter sustado o processo em que seja réu.

Sobre a sustação do processo, traz Marianna Carreira Teixeira Fernandes:

A sustação do processo, pela Câmara ou Senado, se dará tão somente nos casos em que o crime, pelo qual é acusado o parlamentar, deve ter sido praticado após a oficialização do mandato. Já nos casos em que o ilícito se deu antes da diplomação correrá, normalmente, o processo perante o juízo competente, não havendo a possibilidade de interromper temporariamente a ação pelo Parlamento. [...] Portanto, a imunidade parlamentar processual, tal como foi concebida pela EC nº 35, não abrange os crimes praticados antes do mandato. (FERNADES, Marianna; 2009, p.20) 

A imunidade prisional, por outro lado, se refere à impossibilidade do membro do Congresso Nacional ser preso, exceto em flagrante de crime inafiançável.

            A mesma autora afirma, sobre a imunidade prisional:

O referido artigo (art. 53, §2º) deve ser lido e entendido como tratando somente de prisão penal. Isto porque um parlamentar não tem poderes para manipular a prisão civil por dívida de alimentos, já que esta possui um único critério para ser decretada que é a dívida de alimentos. (FERNANDES,Marianna; 2009, p.21)

            Consoante Marianna, uma norma não pode violar direitos tão importantes, como o direito à vida do alimentado, que, na inadimplência do provedor de alimentos pode correr risco de morte. Vale lembrar, também, que na prisão por esse tipo de dívida, o débito diz respeito à pessoa pessoal do parlamentar, não tendo nenhuma relação com o seu mandato.

            Ainda nas palavras de Marianna Fernandes “tal situação leva à violação do princípio da isonomia, não se podendo falar em tratar os desiguais de forma desigual. Isto porque a pessoa do parlamentar não é desigual em relação a todos os outros devedores de alimentos” (FERNANDES, Marianna; 2009, p.24)

5.CONCLUSÃO

A Constituição de 1988 traz em seu texto dois preceitos: no art. 5º, LXVII, a impossibilidade de prisão civil, salvo nos casos de dívida alimentícia; e, no contexto dos direitos, deveres e competências do Poder Legislativo, as imunidades parlamentares (art. 53).

Quando de um conflito entre a imunidade formal e a prisão civil por dívida alimentícia, entende-se que prevalece o direito fundamental à vida do alimentado, em detrimento do direito à liberdade do parlamentar inadimplente. Além disso, acredita-se que a interpretação da imunidade formal deve ser feita em relação à prisão penal.

Diante disso, para não abrir brechas ao desrespeito do direito à vida do alimentado e por não haver relação entre a dívida de alimentos e o mandato parlamentar, defende-se a permissão da prisão civil de parlamentares por dívidas alimentícias.  

 

REFERÊNCAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Entenda as diferenças entre os diversos tipos de prisão no Brasil. Disponível em <http://stf.jusbrasil.com.br/noticias/789062/entenda-as-diferencas-entre-os-diversos-tipos-de-prisao-no-brasil>. Acesso em: 03/12/2015

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 

CARDOSO, Oscar Valente. Prisão pelo não-pagamento de pensão alimentícia. Disponível em <http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/40/prisao-civil-pelo-nao-pagamento-de-pensao-alimenticia-151222-1.asp>. Acesso em: 03/12/2015

DUTRA, Carlos Eduardo. Imunidade Parlamentar na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Itajaí, 2009. Disponível em
<http://siaibib01.univali.br/pdf/Carlos%20Eduardo%20Dutra.pdf>. Acesso em: 02/12/2015

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011

FERNANDES, Marianna Carreira Fernandes. Prisão civil por dívida de alimentos e a imunidade formal dos parlamentares. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2009/trabalhos_12009/mariannafernandes.pdf>. Acesso em: 29/11/2015

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006.

SANTOS, Divani Alves dos. Imunidade Parlamentar à luz da Constituição Federal de 1988. Brasília, 2009. Disponível em< http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/3604>. Acesso em: 02/12/2015

 

Sobre o autor
Mona Lisa Marangoni

Graduanda em Direito na Faculdade de Direito da UFMG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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