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Um caso a investigar

Agenda 06/02/2016 às 10:23

O presente artigo analisa as recentes investigações envolvendo o ex-presidente Lula e faz apontamentos quanto ao crime de corrupção.

Chefe do Gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva nos oito anos em que o petista ocupou a Presidência da República, o ex-ministro Gilberto Carvalho considerou “a coisa mais normal do mundo” se a empreiteira Odebrecht tiver bancado a reforma de um sítio usado pelo ex-presidente.

Informado pela reportagem que a reforma ocorreu quando Lula ainda ocupava a cadeira presidencial, o ex-chefe de gabinete do petista emendou: “Não tenho informações se foi, mas, de qualquer modo, o usufruto dessa história que se deu… o Lula foi pela primeira vez nessa chácara em 2011.”.

Carvalho também argumenta que Lula não é o dono formal da propriedade, que está em nome de sócios de um dos filhos do ex-presidente.

Noticia-se que testemunhas indicam que um consórcio fez a obra.

É o que publicou o jornal “Folha de São Paulo”, quando disse que “uma espécie de consórcio informal de empresas dirigidas por amigos do ex-presidente bancou obras no sítio frequentado pela família, em Atibaia, São Paulo”

Pelo menos três empresas, todas investigadas na operação Lava-Jato, teriam participado das reformas no imóvel, de acordo com os relatos: a Usina São Fernando, do pecuarista e amigo do ex-presidente José Carlos Bumlai, além da Odebrecht e OAS.

Por que tais construtoras investiriam tempo, dinheiro e empregados para reformar o sítio de Atibaia se ele não fosse regularmente frequentado por Lula e a família? De resto, por que fariam tais agrados a ele? Para recompensá-lo por medidas que adotou no governo? Para remunerá-lo indiretamente por algum favor?

O caso merece a devida investigação sob os ângulos dos delitos de corrupção passiva e ocultação de patrimônio.

Trata o artigo 317 do Código Penal do crime de corrupção passiva.

O núcleo do tipo é solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida, mesmo fora da função, ou antes de assumi-la, desde que em virtude da função.

O ato funcional, de natureza comissiva ou omissiva sobre o qual versa a venalidade pode ser lícito ou ilícito.

Fala-se em corrupção própria ou imprópria. Necessário exemplificar.

Constitui corrupção própria receber numerário para conceder uma licença a que não se tem direito. A corrupção imprópria (simples) ocorrerá se o funcionário receber uma vantagem para consentir numa licença devida. Na corrupção própria a prática se refere à solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida para realização de um ato ilícito. Na corrupção própria tem-se a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem indevida para a realização de ato lícito.

Fala-se em corrupção antecedente e consequente. Ocorrerá a primeira quando a recompensa for entregue ou prometida, visando a uma conduta futura. Na outra, ocorrerá a recompensa após a prática do ato. Na corrupção antecedente, a solicitação da vantagem ilícita e a aceitação da promessa se dão antes da realização do ato. Por sua vez, na corrupção consequente ou subsequente, a solicitação da vantagem ilícita ou a aceitação da promessa dar-se-ão após a prática do ato.

A corrupção passiva foi objeto da Consolidação das Leis Penais sob a forma de peita ou suborno. A peita, consoante o Código Penal de 1830, ocorria quando recebesse o servidor dinheiro ou algum donativo. O suborno, quando se deixasse corromper o funcionário por influência ou outro pedido de alguém, lembrando a atual corrupção privilegiada.

A conduta poderá se efetivar de três formas: solicitando, recebendo ou aceitando promessa de vantagem indevida.

A conduta ilícita envolve qualquer tipo de recompensa, seja pecuniária ou não. Poderá consistir além de dinheiro na prática de favores sexuais, por exemplo, para obtenção de um cargo ou uma condecoração.

Não é necessário estar o funcionário público no exercício da função.

Pode ele não se encontrar em exercício, ou mesmo não tê-lo ainda assumido, e o delito existirá desde que o fato se dê em razão da função. Mesmo que o funcionário só venha a receber a vantagem indevida depois de haver deixado a função, ocorre o crime, uma vez que a traficância se deu em virtude da função.

O crime é de natureza formal. Será consumado com a simples solicitação de vantagem indevida, com o recebimento desta, ou com a aceitação da promessa.

Formulada a solicitação, o crime é consumado, entendendo-se que o crime não está sujeito a tentativa.

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O elemento subjetivo é o dolo genérico.

A tentativa é inadmissível para Paulo José da Costa Jr. (Comentários ao Código Penal, pág. 475). Diverge Heleno Cláudio Fragoso, na linha de Mirabete (Manual de direito penal, 22ª edição, pág. 309), para quem a tentativa é possível. É o caso de pedido de servidor interceptado por terceiro antes que chegue a conhecimento da vítima.

Já se entendeu que não ocorre o delito de corrupção passiva, embora de natureza formal, consumando-se o crime pela simples solicitação, se esta é impossível de ser cumprida, isto é, não estiver ao alcance da pessoa que é solicitada (TJSP, RT 505/296).

Nessa linha de pensar é o entendimento no sentido de que não pode haver o crime de corrupção passiva quando a vantagem é impossível. Embora o crime seja de natureza formal, não se tipifica a vantagem desejada pelo agente que não tem competência ou atribuição para o oficio (RT 538/324).

Disse Mirabete (obra citada, pág. 307) que é indispensável para a caracterização do ilícito em estudo que a prática do ato tenha relação com a função do sujeito ativo. O ato ou a abstenção a que se refere a corrupção deve ser de competência em suas atribuições funcionais, porque somente nesse caso podemos nos deparar com o dano efetivo ou potencial ao regular funcionamento da administração. Além disso, o pagamento feito ou prometido deve ser a contraprestação de ato de atribuição do sujeito ativo (RF 201/297; JTJ 160/306). Assim, não se tipifica a infração se a vantagem desejada pelo corruptor não é de atribuição e competência do funcionário (RT 505/296). Poderá, assim, a conduta ser enquadrada como crime de tráfico de influência (artigo 332) ou poderá haver a prática de coautoria de funcionário em crime de corrupção ativa, se transferir o dinheiro ao colega que detém a competência.

Poder-se-ia dizer que são presentes.

O Código de Conduta dos servidores públicos veda que integrantes do Executivo recebam mimos superiores a R$100,00 (cem reais).

Qual o tratamento a ser dado no âmbito penal à matéria?

Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8º edição) propõe um critério: a) que o presente seja ocasional e não habitual ou contínuo; b) que não ocorra correspondência alguma, entre o seu valor econômico e o ato de ofício, de tal modo a não induzir o caráter retributivo. Pode, aliás, o fornecedor do “presente”, se particular, ser punido pelo crime de corrupção passiva, na forma de participação.

Deve-se investigar se houve ocultação de patrimônio.

Com a edição da Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, temos um novo regime jurídico para os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores no Brasil.

É crime, do que se lê do artigo 1º do diploma legal, ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Para tanto, disciplina-se uma pena in abstrato de reclusão, que vai de 3 (três) a 10 (dez) anos e multa. Tal pena é bem mais razoável do que a prevista no substitutivo ao PLS 209/2003, de 3 (três) a 18 (dezoito) anos, o que se revelava um absurdo, fugindo de qualquer razoabilidade. Mas é maior do que a de certos modelos jurídicos, como o alemão, onde se prevê, no § 261, inciso I, daquele modelo penal, pena privativa de liberdade de 3 (três) meses a 5 (cinco) anos e diversa da encontrada, na Itália, para o crime de riciclaggio, pena de 4 (quatro) anos a 12 (doze) anos e multa, contendo causa especial de diminuição da pena em um terço quando os delitos antecedentes forem punidos com pena de prisão inferior a cinco anos (artigo 648). Na Argentina, o artigo 278 do Código Penal (alterado pela Lei 25.246, de 2000) prevê pena de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos de prisão e multa para o crime de lavado de dinheiro.

Apesar de sua autonomia típica, o crime de lavagem de dinheiro guarda uma nota de acessoriedade: Consequentemente, não há como justificar-se uma apenação completamente desproporcional àquela que é cominada para determinados crimes antecedentes, como é o caso da corrupção.

É certo que, para penas que não superem 4 (quatro) anos, aplica-se, se não houver violência ou grave ameaça e o réu não for reincidente, a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, a teor do artigo 44 do Código Penal.

Por sua vez, incorre, na mesma pena, a teor do artigo 1º, § 1º, quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, converte esses em ativos lícitos; adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

Há prevenção do juízo da Vara Federal no Paraná, em Curitiba, onde se processam as investigações com relação ao chamado escândalo Lava-jato. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um caso a investigar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4602, 6 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46339. Acesso em: 22 dez. 2024.

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