5. Conclusões
Diante de todo o exposto, primeiramente, o foro por prerrogativa de função viola alguns direitos fundamentais, como a igualdade e a isonomia. No entanto, conforme já consolidado na doutrina e na jurisprudência, admite-se o foro privilegiado como um direito constitucional, além de já previsto constitucionalmente (art. 102, I, “b” e art. 53). Logo, nos crimes cometidos por Deputados Federais (caso do “Mensalão”), além de direito individual, é também constitucional que eles sejam julgados perante o Supremo.
Contudo, sendo julgado pelo STF, ocorre a mitigação do direito ao duplo grau de jurisdição, que, apesar não expresso no texto constitucional, é sim garantia fundamental derivada do direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, dentre outros já demonstrados durante o presente trabalho. Chega-se a essa conclusão, além de tudo que já foi mostrado, que nem todos os direitos e garantias fundamentais devem estar claramente previstos na legislação, assim como todas as situações que ocorrem na sociedade não são completamente abarcadas por um ou outro dispositivo legal. É para isso que existe e se dá tanta importância à interpretação. Ela é capaz de adequar todo caso concreto a uma previsão legal, pois é impossível que o legislador alcance isso devido a vários fatores, entre eles, as mudanças que ocorrem ao longo do tempo. Esse fato também ocorre com os direitos fundamentais.
Não é necessário que esteja previsto na nossa Constituição para que seja considerado constitucional. Concordo com Paulo Bonavides (2004) quando diz que se deve utilizar a teoria da proporcionalidade da interpretação. Mas, além da proporcionalidade, devemos considerar a razoabilidade, de modo que interpretemos a Constituição de acordo com a sociedade e os valores que nos são apresentados contemporaneamente. A natureza fundamental do direito ao recurso ainda ganha força com a posição da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, nº 2, alínea “h” e art. 25) ao garantir o duplo grau de jurisdição, que deve ser aplicado pelo ordenamento brasileiro com natureza constitucional, mesmo não tendo passado pelo processo de aprovação que exige o artigo 5º, § 3º da CF/88.
Mas, qual seria a solução? Já que se considera o foro privilegiado como direito constitucional, não é cabível violá-lo. Porém, poderia ser utilizado adequando-o ao princípio do duplo grau de jurisdição, que é uma garantia fundamental, de forma que nenhum dos dois fosse mitigado. O correto, no âmbito do STF, seria continuar o que ele estava fazendo antes da alteração no seu regimento após a Ação Penal nº 470, ou seja, admitia-se o direito ao recurso na medida em que o primeiro julgamento era feito por uma de suas Turmas e a parte vencida poderia recorrer ao Plenário. Esse modelo seria o mais justo já que seria inconstitucional se os beneficiados pela prerrogativa de foro fossem julgados pelo juiz singular.
Notas
[1]Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
(...)
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
Art 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
[2] Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
[3] Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
[4]TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. p. 369.
[5] TÁVORA, Curso de Direito Processual Penal. 2014. p. 353.
[6]STF – 2ª Turma – Agravo Reg. em Agravos de Instrumento n°s 209.954-1/SP e 210.048-0/SP- Relator Ministro Marco Aurélio, Diário da justiça, Seção 1, 4 dez 1998 apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 105.
[7]NOBRE, Emília Cavalcante. A Constituição de 1988 e o princípio do duplo grau de jurisdição. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1682, 8 fev. 2008. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/10924.
[8] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[9]NOBRE, op cit.
[10]RIBEIRO, Evilazio Marques. O estudo principiológico do duplo grau de jurisdição em nível constitucional à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal. Revista Âmbito Jurídico. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1278>.
[11] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 589.
[12] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 169.
[13] Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
II- prevalência dos direitos humanos;
[14] BIANCHINI, Fernanda Fóes. A Convenção Americana de Direitos Humanos e seu status a partir da EC n. 45/04. Disponível em: http://www.oab-sc.org.br/artigos/convencao-americana-direitos-humanos-e-seu-status-partir-ec-n-4504/24.