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Proteção dos conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios:

uma reflexão sobre o caso da empresa Natura do Brasil e dos erveiros e erveiras do mercado Ver-o-Peso

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Agenda 16/04/2016 às 13:24

4. Considerações Finais

Necessitamos, no final, algo mais que saber local. Precisamos descobrir uma maneira de fazer com que as várias manifestações desse saber se transformem em comentários umas das outras, uma iluminando o que a outra obscurece. (GEERTZ, 2007 p.353) 

Iniciei este artigo falando da pretensão ocidental de universalizar padrões de comportamento, de modo de produção, de cultura, de política, etc..mas, principalmente de conhecimento.

Gostaria de terminar esta reflexão ainda inspirada por Geertz (2007), dizendo que se realmente é possível afirmar seguramente alguma coisa no mundo atual é que ele é um lugar repleto de diversidade e isto é cada vez mais inegável com a aceleração do processo de globalização.

O encontro entre os diferentes sempre ocorreu na história da humanidade e, invariavelmente gerou conflitos, que em si mesmos não se constituem em um problema. 

O problema reside na persistência com a qual determinados povos tentaram impor seus costumes a outros, desqualificando-os. Este é um problema histórico que ainda hoje – e cada vez mais, eu acredito – permanece.

Na análise do caso da apropriação indevida dos conhecimentos tradicionais dos erveiros e erveiras domercado do Ver-o-Peso pela empresa Natura do Brasil e da “solução” jurídica encontrada, o mesmo processo de imposição cultural se faz presente e não elimina o conflito e nem promove o diálogo entre os atores envolvidos.

Espero com esta reflexão ter destacado a grande tarefa que temos- direito e antropologia-  pela frente, qual seja, compreender a complexidade das relações sociais entre os grupos diferentes (a descrição densa, à qual se refere Geertz (1978) e buscar soluções jurídicas construídas com a real participação dos atores envolvidos e não através de mera imposição de regras prontas teoricamente aplicáveis a todos os casos concretos.


5.Bibliografia

GUEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro:Zahar, 1978

_______________. O Saber Local. Novos Ensaios em Antropologia Interpretativa. São Paulo, Vozes, 2007

RIFKIN, Jeremy. O Século da Biotecnologia. A Valorização dos gens e a Reconstrução do Mundo. São Paulo: MAKRON Books do Brasil, 1999.

SAHLINS, Marshall. Cosmologias do capitalismo: o setor trans-pacífico do sistema mundial. Conferência apresentada à XVI Reunião Brasileira de Antropologia. Campinas, 1988.

__________________ Ilhas de História. Rio de Janeiro, Zahar, 1990

__________________ Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro, Zahar, 1979

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. Lisboa: Afrontamento, 1996

_________________________ Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. Um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004.

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_________________________ Semear outras soluções. Os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

_________________________ A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006.

_________________________ Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005


Notas

1. Todas as informações que constam deste projeto foram obtidas através da observação participante, de entrevistas realizadas com os vendedores e as vendedoras de ervas do mercado do Ver-o-Peso e com a consulta ao Expediente Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Pará.  No Brasil, a legislação que regulamenta a questão é a Medida Provisória 2186-16/01 que prevê para a realização de pesquisas que terão acesso a conhecimento tradicional associado a necessidade de anuência prévia da comunidade detentora do conhecimento tradicional e a celebração de um contrato de repartição de benefícios caso a pesquisa resulte em produto que será explorado comercialmente.

2.O Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal abriram investigação para apurar o suposto envolvimento da empresa com biopirataria dos conhecimentos tradicionais das erveiros e erveiras dos mercado do Ver-o-Peso.

 3. Em função de uma cláusula de sigilo do contrato, suas disposições, bem como a identidade do informante serão resguardadas.

4. Informação colhida em reunião que participei na Associação Ver-as Ervas no dia 04/07/2008

Sobre a autora
Gysele Amanajás Soares

Doutorado em Ciências Sociais, ênfase em Antropologia (incompleto) Universidad Federal do Pará (UFPA); Mestre em Direito das Relações Sociais Universidade da Amazônia (UNAMA); Especialista em Gestão Escolar UNAMA; Especialista em Teoria Antropológica UFPA; Bacharel e Licenciada Plena em História UFPA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Gysele Amanajás. Proteção dos conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios:: uma reflexão sobre o caso da empresa Natura do Brasil e dos erveiros e erveiras do mercado Ver-o-Peso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4672, 16 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48027. Acesso em: 22 dez. 2024.

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