1 Introdução
O tema foi escolhido devido à necessidade de se buscar o ponto de vista mais adequado, sem desprezar a evolução histórica, os valores sociais e econômicos envolvidos e, sobretudo, sua pertinência com o ideal de justiça do Direito.
O desafio central desse estudo é investigar a sistemática delineada na Lei n°11.340/06, bem como as justificativas normativas a concreção dos valores humanitários que se propõem trazendo para tanto, dados institucionais. Construindo por outro lado a idéia de constitucionalidade dos institutos existentes na lei de proteção a violência domestica que tem para tanto bases legais para sua aplicabilidade.
Sabemos que a lei é também instrumento de mudança social, que deve, conseqüentemente, vincular uma atividade estatal de conscientização e transformação, tornando hábil o controle de condutas discriminatórias que são, geralmente, verificadas no desenvolvimento comum entre homens e mulheres.
Desde os temos mais remotos as mulheres são alvos de discriminação servindo ao seu “senhor” a própria igreja chancelava que a mulher não poderia sentir prazer quando suas relações sexuais. Alias dentro desse parâmetro de analise, sob o ponto de vista sociológico, podemos acrescer a significativa contribuição realizada pelas Nações Unidas ao conhecimento sobre as questões relacionadas à mulher.
Historicamente, percebemos que a movimentação feminista da década de 1970 influi em muitos países, para a redução dos mecanismos, estes, inclusive, instituciona-lizados, limitativos da atuação feminina de séculos e séculos, chamando a atenção para a necessidade de penalização de atentados contra a integridade física e moral da mulher.
A violência doméstica por sua vez é um problema generalizado que atinge diversas mulheres, de forma clandestina. Um problema que acomete ambos os sexos e não costuma obedecer nenhum nível social, e específico.
Tais circunstâncias fazem-nos repensar alguns critérios. A violência de gênero contra a mulher se caracteriza quando o agente, utilizando-se de uma ação ou omissão, esta baseada na imagem de dominação construída socialmente, em decorrência de interesses de poder, causa, à vítima, morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial.
Desse modo, seria inadmissível aceitar tal violência e discriminação no Estado Democrático de direito em que vivemos desse modo seria justo e plenamente constitucional garantir a integridade física dessas mulheres tratando-as de forma diferenciada conforme suas desigualdades.
A Constituição Federal em seus artigos visa à proteção dos desfavorecidos, prisma pela integridade da pessoa humana lastreada pelos princípios da isonomia e legalidade, assegurando a igualdade e a justiça para todos, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Desse modo, persistem inúmeros pensamentos equivocados sobre a lei de proteção de violência doméstica especialmente menções a uma inconstitucionalidade por supostamente ferir o princípio da igualdade entre homens e mulheres.
Em nosso falível entendimento, a suposta inconstitucionalidade levanta pela doutrina minoritária tem como base pensamentos preconceitos que não devem ser igno-rados, pois fizeram parte de nosso ordenamento jurídico durante séculos.
A transformação de uma sociedade é progressiva, pois a evolução histórica, científica ou física do ser humano estaria além de nossa compreensão. O ser mulher já faz parte dessa transformação jurídica e social de nossa atualidade, cabendo ao legislador a proteção de todas “Marias” que ainda sofrem nas mãos de seus “senhores”.
2 FUNDAMENTO HISTÓRICO
Inicialmente, a Lei 11.340/06 seria inconstitucional para alguns estudiosos por ferir o princípio da isonomia entre homens e as mulheres. Ocorre, que o que se busca na verdade é justamente o contrario visando corrigir a desigualdade exacerbada, ainda presente na sociedade moderna brasileira.
Registra-se que por fatores sociais ou culturais, as mulheres ainda não estão em posições de destaque, mesmo reconhecendo todos os avanços já alcançados pelas mulheres nos últimos anos. Desta forma, além de se tratar de lei constitucional, não fere o princípio da isonomia entre homens e mulheres, mas busca o equilíbrio social.
Ademais, se fossemos julgar procedente a tese em que se levanta a inconstituci-onalidade de uma lei que visa à proteção da mulher poderíamos dizer que são inconstitucionais a proteção ao idoso ou deficiente físico, por estarem protegidos por leis específicas.
Por outro lado, seriam inconstitucionais as cotas reservadas para negros em universidades públicas exemplo claro e recente que tenta diminuir a desigualdade social, tendo como fundamento o “pagamento de uma suposta dívida” social referente à escravatura, que impossibilitou os negros ter acesso a educação.
Construindo esse mesmo entendimento, da mesma forma, observemos a evolução dos direitos da mulher ao longo dos anos, onde, a mulher casada era subjugada à vontade do seu senhor devendo-lhe obediência total, chegando ao cumulo de não poder exercer qualquer tipo de atividade profissional.
O direito ao voto é concessão recente no nosso ordenamento jurídico. Assim, a Lei 11.340/06 que busca a proteção da integridade física e moral da mulher em situação de violência doméstica tem como significado o resgate de uma dívida histórica da sociedade brasileira em favor de nossas mulheres.
“A Constituição, como documento jurídico, buscou superar um sistema legal absurdamente discriminatório contra as mulheres. Contribuindo em seu essencial que o Brasil se integrasse ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos, reivindicação histórica da sociedade”[1]
Maria Berenice Dias resume de forma esclarecedora a trágica história de Maria da Penha vítima da violência domestica moderna:
Por duas vezes, seu marido, o professor universitário e economista M.A.H.V., tentou mata-la. Na primeira vez, em 29 de maio de 1983, simulou um assalto fazendo uso de uma espingarda. Como resultado ela ficou paraplégica. Após alguns dias, pouco mais de uma semana, nova tentativa, tentou eletrocuta-la por meio de uma descarga elétrica enquanto tomava banho.
Tais fatos aconteceram em Fortaleza, Ceará. As investigações começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade ele, um ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após os fatos, em 2002, é que M.A.H.V. foi preso. Cumpriu apenas dois anos de prisão.
Essa é a história de Maria da Penha. A repercussão foi de tal ordem que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Apesar de, por quatro vezes, a Comissão ter solicitado informações ao governo brasileiro, nunca recebeu nenhuma resposta. O Brasil foi condenado internacionalmente em 2001. O Relatório da OEA, além de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a adoção de várias medidas, entre elas ‘simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual’[2].
De modo que, as abordagens inovadoras apresentadas por nossa Lei maior bem como os avanços dados por uma nova interpretação visam considerar a eqüidade de gênero proporcionando a efetividade da cidadania das mulheres.
3 FUNDAMENTO JURÍDICO
A Constituição Federal de 1988 tem significado ativo em relação aos direitos humanos das mulheres e ao reconhecimento de sua cidadania (direito ao voto). Isso foi conseqüência, principalmente, da articulação das próprias mulheres organizando mobilizações que tiveram com resultado a inclusão da igualdade de direitos sob uma perspectiva étnica.
Em termos gerais devemos destacar que constitucionalidade da Lei 11.340/06 é bastante evidente, nos termos do artigo 226, § 8º da Constituição Federal, propondo institutos que visam evitar a violência contra mulher, que é parte, ativa do núcleo familiar.
Nesse entendimento, a lei de proteção a mulher visa atender os mecanismos que tem por objetivo central inserir ações direcionadas a segmentos sociais, visando amenizar as desigualdades e a promover a inclusão social por meio de políticas públicas.
Vejamos inicialmente o artigo de autoria da Desembargadora Maria Berenice Dias, visando rechaçar a tese de inconstitucionalidade proposta por correntes minoritárias:
Lei Maria da Penha, afirmação da igualdade
Autora: Maria Berenice Dias Desembar-gadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM
A liberdade é antes de tudo o direito à desigualdade. N. A. Berdiaef O princípio da igual-dade é consagrado enfática e repetidamente na Constituição Federal. Está no seu preâmbulo como compromisso de assegurar a igualdade e a justiça. A igualdade é o primeiro dos direitos e garantias fundamentais (CF, art. 5º): todos são iguais perante a lei. Repete o seu primeiro parágrafo: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Mas há mais, é proibida qualquer discriminação fundada em motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (CF, art. 7º, XXX).
Exatamente para garantir a igualdade é que a própria Constituição concede tratamento diferenciado a homens e mulheres. Outorga proteção ao mercado de trabalho feminino, mediante incentivos específicos (CF, art. 7º, XX) e aposentadoria aos 60 anos, enquanto para os homens a idade limite é de 65 (CF, art. 202).
A aparente incompatibilidade dessas normas solve-se ao se constatar que a igualdade formal – igualdade de todos perante a lei – não conflita com o princípio da igualdade material, que é o direito à equiparação mediante a redução das diferenças sociais. Trata-se da consagração da máxima aristotélica de que o princípio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.
Marcar a diferença é o caminho para eliminá-la. Daí a necessidade das leis de cotas, quer para assegurar a participação das mulheres na política, quer para garantir o ingresso de negros no ensino superior. Nada mais do que mecanismos para dar efetividade à determinação constitucional da igualdade. Também não é outro motivo que leva à instituição de microssistemas protetivos ao consumidor, ao idoso, à criança e ao adolescente.
Portanto, nem a obediência estrita ao preceito isonômico constitucional permite questionar a indispensabilidade da Lei n. 11.340/06, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica. A Lei Maria da Penha veio atender compromissos assumidos pelo Brasil ao subscrever tratados internacionais que impõem a edição de leis visando assegurar proteção à mulher. A violência doméstica é a chaga maior da nossa sociedade e berço de toda a violência que toma conta da nossa sociedade. Os filhos reproduzem as posturas que vivenciam no interior de seus lares.
Assim demagógico, para não dizer cruel, é o questionamento que vem sendo feito sobre a constitucionalidade de uma lei afirmativa que tenta amenizar o desequilíbrio que ainda, e infelizmente, existe nas relações familiares, em decorrência de questões de ordem cultural. De todo descabido imaginar que, com a inserção constitucional do princípio isonômico, houve uma transformação mágica. É ingênuo acreditar que basta proclamar a igualdade para acabar com o desequilíbrio nas relações de gênero. Inconcebível pretender eliminar as diferenças tomando o modelo masculino como paradigma.
Não ver que a Lei Maria da Penha consagra o princípio da igualdade é rasgar a Constituição Federal, é não conhecer os números da violência doméstica, é revelar indisfarçável discriminação contra a mulher, que não mais tem cabimento nos dias de hoje.
Ninguém mais do que a Justiça tem compromisso com a igualdade e esta passa pela responsabilidade de ver a diferença, e tentar minimizá-la, não torná-la Invisível[3].
Portanto, temos que a Lei 11.340/06 é constitucional, buscando-se a proteção da mulher e a igualdade social, previstos na Constituição Federal.
4 Igualdades entre Homens e Mulheres
A Constituição[4] Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal.[5]
Em outras palavras a correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrimen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem ou a mulher, aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis. Conseqüentemente, alem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previsto pela própria constituição, poderá a legislação infraconstitucional tratar sobre o tema, nunca porem, beneficiando um deles.
O princípio constitucional da igualdade inserido pela constituição opera em dois sentidos, de modo que o legislador fica restrito na edição, de leis, atos normativos e medidas provisórias, que venham criar tratamentos abusivamente diferenciados. E de outra forma, a obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão do sexo.
Ao longo dos últimos anos a visibilidade da violência doméstica vem extrapolando o espaço privado e adquirindo dimensões públicas. Estudos da década de 1980, constatou que praticamente 70% das agressões físicas contra as mulheres acontecem nos espaços domésticos e são praticadas por pessoas com relações pessoais e afetivas com as vítimas. A Fundação Perseu Abrando, em pesquisa realizada em 2001, por meio do Núcleo de Opinião Pública, Investigou mulheres sobre diversos temas envolvendo a condição da mulher, conforme transcrito abaixo:
A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancada, 31% declaram que a última vez em que isso ocorreu foi no período de 12 meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2.1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/ dias, 243/hora ou 4/minuto- uma a cada 15 segundos.
A violência doméstica fornece as bases para que se estruturem outras formas de violência, produzindo experiências de brutalidade na infância e na adolescência, geradoras de condutas violentas e de desvios psíquicos graves.
Leciona José Afonso da Silva:
[...] a doutrina como a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei. O princípio significa, para o legislador - consoante observa Seabra Fagundes -, 'que, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições - os mesmos ônus e as mesmas vantagens - situações idênticas, e reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades.[6]
É importante ressaltar que a Convenção de Belém do Pará possui objeto mais amplo, considerando, para sua incidência, também a violência ocorrida no âmbito público, enquanto a Lei 11.340/06 delimita o seu campo de atuação na ambiência domestica, familiar ou de vínculos afetivos.
5 Convenções Internacionais
5.1 Convenção da ONU, de 1979
De outro modo verifica-se que o ser “Homem” na modernidade ignora a luta feminista, e afirmam de forma legalista a supremacia masculina podendo causar desequilíbrio capaz de incidir em conflitos preconceituosos. O que de forma alguma possui argumentos de sustentabilidade, já que a Lei de proteção a mulher surgiu de uma antiga exigência de Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil.
Nesse pensar os referidos tratados destinam-se à eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, como a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Nesse sentido foi o direcionamento do artigo publicado na Revista do Ministério Público do Estado do Mato Grosso pela Ilustre Promotora de Justiça Lindinalva Rodrigues Corrêa:
A Convenção se fundamenta na dupla obrigação de eliminar a discriminação e de assegurar a igualdade. Logo, a Convenção consagra duas tutelas diversas: a repressiva ou punitiva, que proíbe a discriminação, e a positiva, destinada à promoção da igualdade, objetivando além de erradicar a discriminação contra a mulher e as suas causas, também estimular estratégias de promoção da igualdade entre homens e mulheres, com políticas compensatórias, visando à aceleração da igualdade enquanto processo, mediante a adoção de medidas afirmativas, como as previstas na Lei Maria da Penha, que se consubstanciam como medidas especiais e transitórias, destinadas ao combate das desigualdades que afligem as mulheres de forma geral.A Convenção consagra também a urgência de se erradicar todas as formas de discriminação contra as mulheres, a fim de que se garanta o pleno exercício de seus direitos civis e políticos, como também de seus direitos sociais, econômicos e culturais, e, ao ratificar a Convenção, os Estados Signatários assumiram o compromisso de, progressivamente, acabarem com todas as formas de discriminação no que diz respeito ao gênero, assegurando efetiva igualdade entre os sexos. Assim, conclui-se que, para garantia da igualdade não basta a proibição da ação discriminatória, efetuada por meio da legislação repressiva, sendo essencial a implementação de políticas públicas capazes de incentivar a inclusão social dos grupos reconhecidamente vulneráveis.[7]
Desse modo seria temerário que respectiva legislação ordinária estaria revestida de inconstitucionalidade. O que estaria em jogo ao nosso singelo pensar não é a inconstitucionalidade de uma norma ou outra e sim sua aplicabilidade.
Segundo Andrew Byrnes:
A Convenção em si mesma contém diferentes perspectivas sobre as causas de opressão contra as mulheres e as medidas necessárias para enfrentá-las. Ela impõe a obrigação de assegurar que as mulheres tenham uma igualdade formal perante a lei, e ela reconhece que medidas temporárias de ação afirmativa são necessárias, em muitos casos, se as garantias de igualdade formal devem se transformar em realidade. Inúmeras previsões da Convenção também incorporam uma preocupação de que os direitos reprodutivos das mulheres devem estar sob o controle delas próprias, e que o Estado deve assegurar que as escolhas das mulheres não sejam feitas sob coerção, e não sejam a elas prejudiciais no que se refere ao acesso às oportunidades sociais e econômicas. A Convenção também reconhece que há violações, às quais mulheres são submetidas, que necessitam ser eliminadas (como estupro, assédio sexual, exploração sexual e outras formas de violência contra as mulheres). Em suma, a Convenção reflete a visão de que as mulheres são titulares de todos os direitos e oportunidades que os homens podem exercer; adicionalmente, as habilidades e necessidades que decorrem de diferenças biológicas entre os gêneros devem também ser reconhecidas e ajustadas, mas sem eliminar da titularidade das mulheres a igualdade de direitos e oportunidades.[8]
Ademais, não se pode deixar de entender o objetivo central da lei em favor de uma interpretação legalista, devendo ser vista e aplicada de modo a se tornar um instrumento hábil de prevenção e repressão à violência doméstica contra a mulher.
5.2 Convenção de Cedaw:
Passemos ao estudo teórico da Convenção de Cedaw sendo elaborada por 30 artigos que estabelecem preceitos sobre a não discriminação da mulher bem como o seu tratamento isonômico.
Em outras palavras a Convenção tem como parâmetro mínimo a promoção dos direitos humanos das mulheres e na repressão às suas violações, direcionando a política pública à eliminação da discriminação contra a mulher, através da adoção de medidas legais, políticas e programáticas.
Evidenciando a cada instante os esforços no âmbito mundial em proteger a integridade da mulher que faz parte no núcleo familiar. Nessa diretriz os diplomas internacionais foram adicionados destacando-se, na presente temática, a Convenção de Cedaw que veio a possibilitar um primeiro passo à devida existência da Lei 11.340/06.
Assim sendo “a Lei Maria da Penha não fere a isonomia, não estabelece uma desigualdade, ao contrario, leva-a em consideração para o devido alcance da norma de isonomia pretendida pela Constituição”. [9]
5.3 Convenção de Belém do Pará, de 1994
Registra-se que o sistema regional da Organização dos Estados Americanos dispõe que, as mulheres brasileiras estão inseridas em uma Convenção Interamericana para prevenir e punir a violência em face da Mulher, conhecida popularmente como Convenção de Belém do Pará, ratificada Estado Brasileiro, que estabelece que e direito de toda a mulher viver livre de qualquer violência e discriminação nos termos de seu artigo sexto do referido diploma legal.
Ao ratificar a Convenção, o estado Brasileiro se comprometeu a incluir em sua legislação interna normas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher adotando as medidas administrativas apropriadas para a efetivação destas medidas.
Ademais, as medidas necessárias a nosso ver, estão inseridas na Lei 11340/06; que dispõe de instrumento próprio, não tolerando a persistência da violência contra a mulher.
Desse modo verifica-se o teor do artigo quinto, parágrafo segundo da lei maior que, dispôs que os direitos e garantias nela expresso: “não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Flávia Piovesan afirma que:
Relativamente aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, a Constituição brasileira de 1988, nos termos do art. 5º, § 1º, acolhe a sistemática da incorporação automática dos tratados, o que reflete a adoção da concepção monista. Ademais, como apreciado no tópico, a Carta de 1988 confere aos tratados de direitos humanos o status de norma constitucional, por força do art. 5º, § 2º.7[10]
Com efeito, a afirmação contida na própria Constituição Federal permite à entrada no rol dos direitos e garantias consagrados em seu teor de outros direitos e garantias provenientes de tratados internacionais, permitindo que tratados internacionais de proteção aos direitos humanos ingressem no ordenamento jurídico, inclusive em idêntico patamar com o das normas constitucionais.
6 INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA
Como a Compreensão do ordenamento jurídico, enquanto tal está intimamente ligada às idéias de constituição e de norma fundamental, impõem-se, desde logo, situar essa temática, sumariamente, ante de entramos na estrutura e classificação das normas jurídicas, sobre tudo as de nível constitucional, que possuem especial relevância para a interpretação aplicação da normatividade ordinária em geral.[11]
Desse modo:
[...] Registra-se, desde logo, que são múltiplos os sentidos atribuídos à expressão norma fundamentais- a que correspondem outras tantas funções correlatas- inclusive na obra de Hans Kelsen, a quem se deve a sua mais ampla utilização no jogo de linguagem do direto.[12]
Resumidamente, em palavras do próprio Hans Kelsen acabou admitindo, que a norma fundamental seria uma ficção, um como se; um recurso de que se vale o pensamento quando não consegue alcançar o seu objetivo com os elementos disponíveis
Observando esse contexto, primeiramente devemos compreender que a interpretação, ou seja, a aplicação da hermenêutica tem por objetivo relacionar o texto abstrato à pragmática jurídica. Assim tem por finalidade viabilizar critério de subsunção fato-norma.
Entretanto esse processo não e instantâneo, devendo-se buscar ajudar inclusive, o auxilio de outras ciências, tais como a Sociologia e própria Filosofia Jurídica, em dinâmica própria para melhor compreensão de um texto normativo
A nosso ver, a interpretação da norma traçada pela lei 11340/06 não teria espaço para uma discussão de inconstitucionalidade nas palavras de Rudofl Von Ihering, a “força suprema do direito é a manifestação corajosa e firme do sentimento jurídico”.[13]
Esse é, pois o sentido da Lei 11340/06, sem consonância com as Declarações Internacionais de Direito.
Afinal,
Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.[14].
Nesse interregno, assim com esse campo valorativo, a própria Constituição vigente atesta que o processo deve respeitar uma dimensão ética, e nessa seara se insere a Lei 11.340/06.
Vejamos o teor do artigo oitavo do referido diploma legal:
Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:[15]
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em outras palavras o objetivo central da lei de proteção contra a violência domestica se constrói não apenas em um cenário constitucional de garantias e sim o respeito à própria dignidade da pessoa humana.
7 Entendimento Jurisprudencial:
O presente estudo não visa impor um pensamento trilhado em teorias, mas sim exemplificar o raciocínio jurídico assemelhado.
Vejamos assim alguns julgados:
TJMG
Número do processo: 1.0672.07.2453125/001
Relator: Des.(a) HÉLCIO VALENTIM
Data do Julgamento:29/01/2008
Data da Publicação:23/02/2008
EMENTA: PENAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LEI Nº 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA) - MEDIDAS PROTETIVAS – INCONSTI-TUCIONALIDADE SUSCITADA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISSO-NOMIA - INOCORRÊNCIA - ÓBICE CONSTITUCIONAL AFASTADO. A Lei Maria da Penha não discrimina o homem em benefício da mulher, dado que, se por um lado norma constitucional garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres (art. 5º, I), por outro cria a necessidade de o Estado coibir a violência no âmbito de relações familiares (art. 226, §8º), conferindo, para tanto, competência legislativa à União para legislar sobre direito penal e processual penal (no art. 22, I). "O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça", portanto, não se vislumbra violação ao princípio da isonomia na aplicação das regras da "Lei Maria da Penha". Recurso a que se dá provimento.
APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0672.07.245312-5/001 - COMARCA DE SETE LAGOAS - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): MARLON FABIANO DA CUNHA - RELATOR: EXMO. SR. DES. HÉLCIO VALENTIM
Número do processo: 1.0672.07.234357-3/001(1)
Relator: Des.(a) HÉLCIO VALENTIM
Data do Julgamento: 13/11/2007
Data da Publicação: 27/11/2007
PENAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LEI Nº 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA) - MEDIDAS PROTETIVAS - INCONSTITUCIONALIDADE SUSCI-TADA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - ÓBICE CONSTITUCIONAL AFASTADO. A Lei Maria da Penha não discrimina o homem em benefício da mulher, dado que, se, por um lado, norma constitucional garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres (art. 5º, I), por outro cria a necessidade de o Estado coibir a violência no âmbito de relações familiares (art. 226, §8º), conferindo, para tanto, competência legislativa à União para legislar sobre direito penal e processual penal (no art. 22, I). 'O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça', portanto, não se vislumbra violação ao princípio da isonomia na aplicação das regras da 'Lei Maria da Penha'. Recurso a que se dá provimento.
Súmula: DERAM PROVIMENTO.
Número do processo: 1.0474.08.037955-2/001(1)
Relator: Des.(a) ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO
Data do Julgamento: 14/06/2010
Data da Publicação: 30/06/2010
APELAÇÃO - LESÃO LEVE E VIAS DE FATO - LEI MARIA DA PENHA – CONSTITUCIONALIDADE E APLICAÇÃO EM RELAÇÃO DE NAMORO - PROVAS SUFICIENTES PARA CONDENAÇÃO- SENTENÇA MANTIDA - PENA - REDUÇÃO. O Egrégio Tribunal de Justiça já se manifestou acerca da constitucionalidade da Lei Maria da Penha e sua aplicabilidade em relação de namoro. Deve ser mantida a condenação do apelante pelo crime de violência doméstica em face de conjunto probatório idôneo e judicialmente constituído, formado por prova testemunhal e pericial. Verificado equívoco na aplicação da pena, deve ser corrigido na instância recursal com redução da reprimenda.
Súmula: REJEITARAM PRELIMINARES DA DEFESA. NO MÉRITO, DERAM PROVIMENTO PARCIAL.
Número do processo: 1.0672.07.246008-8/001(1)
Relator: Des.(a) MARIA CELESTE PORTO
Data do Julgamento: 17/06/2008
Data da Publicação: 19/07/2008
PENAL - LEI MARIA DA PENHA - MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA -CONSTITUCIONALIDADE - LEI PENAL DE GÊNEROS - AÇÕES AFIRMATIVAS - HIPOSSUFICIENTE - MULHER - APLICAÇÃO EFETIVA DA LEI - APRECIAÇÃO DOS PEDIDOS. A Lei Maria da Penha é a consagração da máxima aristotélica de que o princípio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam.
Súmula:DERAM PROVIMENTO PARCIAL E FIZERAM DETERMINAÇÃO.
Número do processo: 1.0672.07.249315-4/001(1)
Relator: Des.(a) HÉLCIO VALENTIM
Data do Julgamento: 08/07/2008
Data da Publicação: 19/07/2008
PENAL - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LEI Nº 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA) - MEDIDAS PROTETIVAS - INCONSTITUCIONALIDADE SUCITADA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - ÓBICE CONSTITUCIONAL AFASTADO. A Lei Maria da Penha não discrimina o homem em benefício da mulher, dado que, se, por um lado, norma constitucional garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres (art. 5º, I), por outro cria a necessidade de o Estado coibir a violência no âmbito de relações familiares (art. 226, §8º), conferindo, para tanto, competência legislativa à União para legislar sobre direito penal e processual penal (no art. 22, I). ""O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça"", portanto, não se vislumbra violação ao princípio da isonomia na aplicação das regras da ""Lei Maria da Penha"". Recurso a que se dá provimento.
Súmula: DERAM PROVIMENTO COM DETERMINAÇÃO.
Verifica-se inicialmente com a leitura dos entendimentos jurisprudenciais que o art. 226, §8º, da Constituição Federal, impõe ao legislador a criação de institutos para coibir a violência no âmbito familiar, dano sustentação à própria existência da legislação editada.
Nesse sentido, a Lei 11.340/06 outorgou ao magistrado, de forma legítima, os artifícios capazes de conter a violência no seio familiar.
De modo que, se por um lado a norma constitucional “garante a igualdade de direitos entre homens e mulheres (art. 5º, I), por outro cria a necessidade de o Estado coibir a violência no âmbito de relações familiares (art. 226, §8º). Além disso, confere competência legislativa à União para legislar sobre direito penal e processual penal (no art. 22, I), de modo que não há dúvida de que a Lei Federal 11.340/06 deve ser interpretada afastando-se a discriminação alegada.”[16]
Celso Antônio Bandeira de Melo em sua obra leciona:
A razão é simples. Aquilo que se há de procurar para saber se o cânone da igualdade sofrerá ofensa em dada hipótese, não é o fator de desigualação assumido pela regra ou conduta examinada, porquanto, como se disse, sempre haverá nas coisas, pessoas, situações ou circunstâncias, múltiplos aspectos específicos que poderiam ser colacionados em dado grupo para apartá-lo dos demais. E estes mesmos aspectos de desigualação, colhidos pela regra, ora aparecerão como transgressores da isonomia ora como conformados a ela. Em verdade o que se tem de indagar para concluir se uma norma desatende a igualdade ou se convive bem com ela é a seguinte: se o tratamento diverso outorgado a uns for 'justificável', por existir uma 'correlação lógica' entre o 'fator de discrímen' tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a norma e a conduta são compatíveis com o princípio da igualdade: se, pelo contrário, inexistir esta relação de congruência lógica ou - o que ainda seria mais flagrante - se nem ao menos houvesse um fator de descrímen, a norma ou a conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade. Ao cabo do quanto se disse, é possível afirmar, sem receio, que o princípio da igualdade consiste em assegurar regramento uniforme às pessoas que não sejam entre si diferenciáveis por razões lógicas e substancialmente (isto é, à face da Constituição), afinadas com eventual disparidade de tratamento. Não há nele, pois, garantia alguma de que pessoas diferenciadas de outras façam jus a tratamento normativo idêntico ao que a estas foi dispensado quando tal diferenciação se haja estribado em razões que - não sendo incompatíveis com valores sociais residentes na Constituição - possuam fomento lógico na correlação entre o fator de discrímen e a diversidade de tratamento que lhe foi conseqüente. O que se visa com o preceito isonômico é impedir favoritismos ou perseguições. É obstar agravos injustificados, vale dizer que incidam apenas sobre uma classe de pessoas em despeito de existir uma racionalidade apta a fundamentar uma diferenciação entre elas que seja compatível com os valores sociais aceitos no Texto Constitucional.[17]
O que se observa é o intuito da lei de restaurar o princípio da igualdade, quanto a questões que envolvam a família.
Nesse sentido:
[...] a "violência baseada no gênero é aquela praticada pelo homem contra a mulher que revele uma concepção masculina de dominação social (patriarcado), propiciada por relações culturalmente desiguais entre os sexos, nas quais o masculino define sua identidade social como superior à feminina, estabelecendo uma relação de poder e submissão que chega mesmo ao domínio do corpo da mulher".[18]
De modo que a Magistratura Mineira, no aspecto constitucional, vem aplicando o conceito penal da proteção à mulher vítima de violência de gênero. No ponto de vista dos julgadores trata-se de uma discriminação positiva que busca equilibrar a relação de gênero, isto é, as relações entre mulheres e homens.
8 Da Constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/06
Tendo em vista a necessidade de se entender o mecanismo constitucional do referido diploma legal temos como a base o questionamento quanto a suposta ofensa a Constituição das disposições contidas na regra do artigo 41 da lei 11340/06, que prevê que “aos crimes praticados com violência domestica e familiar contra a mulher independente da pena prevista, não se aplica a lei 9099/95.”
Segundo Nucci, (2007) os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher não são de menor potencial ofensivo independente da pena, motivo pelo qual não se submetem a Lei 9.9099/95.
De outro modo que, o questionamento aferido da inconstitucionalidade do referido artigo apóiam-se em duas premissas: a de que os juizados especiais seriam competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante procedimento próprio, permitindo nas hipóteses previstas em lei e de que a lei Maria da Penha é discriminatória de sexo.
Registra-se que o pensamento construído é equivocado, a própria Constituição Federal de 1988 estabeleceu a criação dos juizados especiais competentes para julgar infrações penais de menor potencial ofensivo. Ao legislador restou à missão de definir quais seriam os crimes menores potenciais ofensivos, o que foi realizado pela lei 9.099/95 que no teor do artigo sessenta e um, “considerou como crimes de menor potencial ofensivo aqueles com pena máxima não superior a um ano não e não sujeitos a procedimento especial.”
Por sua vez a Lei 10.259/01, modificou este limite e considerando crimes de menor potencial ofensivo aqueles a que comina pena máxima de dois anos.
A lei 11.313/06 dano nova redação ao artigo sessenta e um da lei 9.009/95, em observância à posição jurisprudencial pacifica que se firmou com a lei 10.259/01, quando estabeleceu que as infrações penais de menor potencial ofensivo da alçada do juizado Especial Criminal, seriam as de pena máxima de dois anos.
Nesse sentido, a definição que se busca nos delitos contra a mulher seria de maior potencial ofensivo, cuja proteção do Estado esta garantida pela própria Constituição Federal no teor do artigo 226, sobretudo, que prevê que o “O estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Sobre o assunto, cabe destacar o posicionamento doutrinário de Guilherme de Souza Nucci, in verbis:
Por isso, o art. 41 da Lei 11.340⁄2006 pode estipular outra exceção, agora para restringir o alcance da Lei 9099⁄95. Na realidade, com outras palavras, firmou o entendimento de que os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não são de menor potencial ofensivo, pouco importando o quantum da pena, motivo pelo qual não se submetem ao disposto na Lei 9.099⁄95, afastando, inclusive, o benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da referida Lei do JECRIM. Embora severa, a disposição do art. 41, em comento, é constitucional. Em primeiro plano, porque o art. 98, I, da Constituição Federal, delegou à lei a conceituação de infração de menor potencial ofensivo e as hipóteses em que se admite a transação. Em segundo lugar, pelo fato de se valer do princípio da isonomia e não da igualdade literal, ou seja, deve-se tratar desigualmente os desiguais".[19]
Nesse sentido foi o entendimento do O Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi em julgamento no Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS Nº 129.737 - RJ (2009⁄0033864-4)
IMPETRANTE MARCELO BUSTAMANTE - DEFENSOR PÚBLICO
IMPETRADO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE WASHINGTON DE PAULA RODRIGUES
[...] como é cediço, o art. 41 da Lei nº 11.340⁄06, ao dispor que "aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9099, de 26 de setembro de 1995", proibiu a aplicação dos institutos previstos na Lei dos Juizados Especiais Criminais aos crimes praticados com violência doméstica contra a mulher, inclusive da suspensão condicional do processo.
Isto porque a Constituição Federal, em seu art. 98, inciso I, não definiu a abrangência da expressão "infrações de menor potencial ofensivo", isto é, coube ao legislador ordinário estabelecer o alcance do referido conceito que, considerando a maior gravidade dos crimes relacionados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, decidiu tratar de forma mais severa as referidas infrações, afastando, no art. 41 da Lei nº 11.340⁄06, independentemente da pena prevista, a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei nº 9.099⁄95, quais sejam, a suspensão condicional do processo e a transação penal.
Assim, da detida análise dos autos, constata-se que o paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 129, § 9º, do Código Penal, porque teria "dado uma 'cabeçada' em sua ex-companheira" (fls. 35). Logo, por expressa vedação legal, não há como se aplicar o instituto da suspensão condicional do processo ao referido delito, consoante entendimento desta Corte de Justiça:
Com efeito, a Lei Maria da Penha se mostra um instrumento de proteção à igualdade material entre os gêneros, fazendo com que as mulheres que necessitem de proteção tenham instrumentos de alcance, não ficando sob o jugo, da vulnerabilidade nem da violência doméstica
O art. 41 da Lei acima determina que
Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9099, de 26 de setembro de 1995'. Desse modo, não se admite suspensão condicional do processo para qualquer fato envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, ainda que a pena mínima cominada ao fato não seja inferior a um ano[20]
Por sua vez o Supremo Tribunal Federal:
Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quinta-feira (24), a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afastou a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 quanto aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo.
A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus (HC) 106212, em que Cedenir Balbe Bertolini, condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul à pena restritiva de liberdade de 15 dias, convertida em pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, contestava essa condenação. Cedenir foi punido com base no artigo 21 da Lei 3.688 (Lei das Contravenções Penais), acusado de ter desferido tapas e empurrões em sua companheira. Antes do STF, a defesa havia apelado, sucessivamente, sem sucesso, ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
No HC, que questionava a última dessas decisões (do STJ), a Defensoria Pública da União (DPU), que atuou em favor de Cedenir no julgamento desta tarde, alegou que o artigo 41 da Lei Maria da Penha seria inconstitucional, pois ofenderia o artigo 89 da Lei 9.099/95.
Esse dispositivo permite ao Ministério Público pedir a suspensão do processo, por dois a quatro anos, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime.
A DPU alegou, também, incompetência do juízo que condenou Cedenir, pois, em se tratando de infração de menor poder ofensivo, a competência para seu julgamento caberia a um juizado criminal especial, conforme previsto no artigo 98 da Constituição Federal (CF), e não a juizado especial da mulher[21]
9 DA INCLUSÃO DA MULHER EM PROGRAMAS ASSISTENCIAIS
Registra-se que o respectivo diploma legal estabelece em seus artigos que o magistrado determine, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
Seguindo essa mesma linha argumentativa, a Lei 11.340/06 tem caráter assistencialista vez que não poderia ser diferente, pois previu a atuação ampliada garantindo a mulher a proteção seja na esfera administrativa ou judicial contra as agressões.
São inúmeros os serviços, havendo os que atuam de forma preventiva, em geral em casos de mulheres em situação de miséria ou carência de recursos. Salienta-se ainda que o encaminhamento das vítimas para acompanhamento médico, psicológico e outros são instrumentos facilitadores apresentados nos inúmeros dispositivos legais previstos na Lei 11.340/06.
Stela Valéria de Farias registra que:
[...] a Lei Maria da Penha é uma lei afirmativa, assim como outras que protegem os consumidores, idosos, crianças e prevêem cotas de negros para ingresso em universidade, e portanto, sua constitucionalidade assegura a defesa e o respeito da dignidade humana[22].
Nesse entender professoral, o tratamento diferenciado ou desigual apontado pela doutrina minoritária não é pressuposto de desigualdade constitucional tão pouco estaria contrariando os princípios previstos em nossa carta magna.
10 Considerações Finais
Após todo o estudo apresentado e considerações feitas sobre a necessidade do Estado impor normas especificas para proteção da mulher como entidade familiar preciosa, podemos perceber a fragilidade e ao mesmo tempo a força de uma mulher.Não estamos diante de uma demagogia filosófica nem transcrevendo uma utopia de fato a aplicabilidade de qualquer lei depende de políticas públicas e do próprio poder judiciário.
Não queremos a intervenção estatal por mero luxo, mas na certeza que “nossas” mulheres de fato serão protegidas da violência do mundo moderno, as escravas do ontem se transformaram nas mulheres desbravadoras do hoje. A constitucionalidade da Lei de Proteção a mulher vai muito além de artigos jurídicos.
O princípio da igualdade não deve ser analisado apenas em seu conteúdo jurídico formal, que nas palavras de Sofia Miranda Rabelo:
[...] significa que todos os cidadãos são iguais, sem distinção de sexo, de raça, de religião e de condições pessoais e sociais, analisando seu aspecto substancial que consiste nas diversas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado para a remoção dos obstáculos que impedem o alcance da igualdade [23]
Por sua vez, concluímos que a Lei Maria da Penha tem como objetivo central, resguardar a mulher e punir exemplarmente o agressor. Em face desse tratamento ofertado a mulher, que surgiu os eloqüentes debates inconstitucionalidade em tese, da respectiva legislação ordinária, já que nossa Lei maior expressa que homens e mulheres são iguais perante a lei.
Vale registrar que não à toa, esta lei é considerada um marco, pois não só torna mais grave a pena para o crime de violência doméstica, como oferece medidas eficazes de proteção aos direitos das mulheres e prevenção à violência, o que traz, por derivação, um benefício social sem precedentes, eis que viabiliza e mantém o ideal do domicílio ser o local da paz regrada e mantenedor da família sóbria, célula mãe de uma sociedade feliz e produtiva.
Não devemos considerar a criação desta lei inconstitucional, já que para o alcance da igualdade real, é necessária a erradicação das desigualdades.
As normas foram instituídas para, serem interpretadas, de acordo com a necessidade social e não a luz do preconceito individual do próprio homem.
11. Referencias:
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