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Inoperância do estatuto do torcedor no combate à violência

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O surto de violência no futebol tomou o mundo inteiro, tendo recebido medidas de soluções que surtiram efeitos em alguns países, mas em outros não, caso do Brasil.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 ASPÉCTOS HISTÓRICOS; 2.1 Números da Violência; 2.2 Análise sociológica; 3 A SEDUTORA VIOLÊNCIA; 4 O LEGADO DA COPA; 4.1 Estádios modernos; Melhores serviços de transporte público e vendas de ingressos – programas de sócio torcedor;5 ALTERAÇÃO DO ESTATUTO DO TORCEDOR; 5.1 Ineficácia legislativa; 6 MEDIDAS DE SOLUÇÃO; 7 CONCLUSÃO; 8 ABSTRACT; 9 REFERÊNCIAS.

Resumo:O presente trabalho tem o condão de buscar uma reflexão sobre a situação vivenciada pelos torcedores de futebol que frequentam estádios de futebol em nosso país. Vivenciamos um grande surto de violência em nossos estádios. Espera-se declinar sobre quais os avanços trazidos pela Copa do Mundo de 2014, as alterações do Estatuto do Torcedor e quais seriam as medidas de soluções com base em experiências de outros países que lograram êxito em acabar ou diminuir os casos de violência relacionadas ao esporte.

Palavras-Chaves: Violência. Futebol. Torcidas organizadas. Estatuto do Torcedor.


1 INTRODUÇÃO

O futebol é o esporte mais disputado e assistido no planeta, gerando receitas bilionárias e abarcando multidões de fanáticos torcedores expectadores espalhados pelos estádios mundo afora, bem como por transmissão via rádio, internet e televisão. Este é sem dúvidas o maior sucesso de disputa já experimentado pela humanidade em toda a sua história. A grandiosidade dos eventos e a importância dada a estes pela imprensa esportiva faz com que tenhamos canais especializados em temas desportivos com programação diária, dando cobertura a todos os acontecimentos futebolísticos, tais como jogos, contratações e treinamentos. Estes espetáculos desenvolveram grande paixão aos seus adeptos torcedores, que passaram a entregar suas vidas pelos clubes que torcem. O fanatismo chegou a níveis preocupantes, uma vez que estes passaram a utilizar a violência como forma de defender as cores da agremiação para que torcem. O surto de violência no futebol tomou o mundo inteiro, tendo recebido medidas de soluções que surtiram efeitos em alguns países, mas em outros não, caso do Brasil. Em nosso país existe o Estatuto do torcedor, que prevê uma série de direitos aos torcedores equiparando-os a consumidores do esporte. Em 2010, o estatuto sofreu algumas alterações visando combater a violência em nossos estádios, todavia temos muito a avançar, como poderemos ver neste artigo.


2 ASPECTOS HISTÓRICOS

Mortes e pancadarias envolvendo torcidas são recorrentes no futebol mundo a fora e em especial no Brasil, de forma trágica, ocupamos papel de destaque quando se fala em violência no esporte.

A maestria de sermos o futebol pentacampeão do mundo, a alegria inexplicável do grito de gol, de ver o time jogar no domingo de estádio lotado, de ser campeão!! Nada disso ocupa mais a imprensa ultimamente do que as matérias sobre a crescente violência no esporte. Isso acontece como forma de noticiar a realidade vivenciada pelos expectadores nos estádios brasileiros.

As famílias e as pessoas de bem, há muito tempo, foram afugentadas destes estádios, e aqueles que frequentam, verdadeiramente arriscam suas vidas por um jogo. Tanto é assim, que de forma recorrente torcedores inocentes, os quais não são ligados a nenhum grupo violento, são vítimas de conflitos.

O ambiente encontrado pelos torcedores dentro e fora dos estádios é de insegurança e truculência policial, que como resposta aos grupos organizados, levam grandes batalhões ostensivos a fim de combater as já anunciadas batalhas campais onde os gladiadores são os próprios torcedores.

No Brasil, o histórico de violência no esporte está ligado aos grupos de torcedores denominados torcedores organizados ou uniformizados. Na América Latina, estes torcedores são chamados de Barras Bravas e na Europa são conhecidos como Hooligans.

Na Europa, os históricos de violência datam como início a década de 60, todavia, o marco foi a tragédia do Estádio do Heysel na Bélgica, quando morreram 39 pessoas durante jogo disputado entre o Liverpool da Inglaterra e a Juventus da Itália, pela final da Taça dos Campeões da Europa. Os hooligans ingleses foram responsabilizados pelo incidente, o que gerou a proibição das equipes inglesas de disputar competições europeias por cinco anos.

O índice de violência nos estádios do Reino Unido foi de tal proporção que começou a afetar toda a Europa continental. Devido a isto, o hooliganismo arranhou a imagem internacional do Reino Unido, que passou a ser taxado como um país de “violentos arruaceiros”.  Impelida pelas confusões generalizadas, a primeira- ministra britânica Margareth Tchatcher, criou uma espécie de carteira de identidade para torcedores de futebol.

 No Brasil, o episódio mais conhecido foi a batalha campal ocorrida em agosto de 1995, no estádio do Pacaembu, pela final da Copa São Paulo de Futebol Junior, disputada entre as equipes do Palmeiras e do São Paulo. A briga entre os torcedores das duas agremiações chocou a sociedade brasileira e iniciou discussões sobre as formas de combate a violência no esporte.

Se a batalha campal envolvendo são paulinos e palmeirenses chocou o país, este, infelizmente não foi o primeiro conflito. Em abril de 1988 foi registrada a primeira morte ligada ao futebol, sendo a vítima, Cléo, o presidente da principal torcida do Palmeiras, Mancha Verde. De lá pra cá, mais de 200 pessoas já morreram vítimas da violência no futebol em nosso país.

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Em 2013 tivemos o ápice da selvageria alastrada pelos estádios brasileiros. Durante o primeiro tempo da partida disputada entre o Atlético PR e o Vasco da Gama, em Joinville – SC, pela séria A, do Campeonato Brasileiro, uma briga generalizada entre as torcidas das duas equipes nas arquibancadas do estádio repercutiu instantaneamente por todo o país, sendo a confusão transmitida ao vivo pelas emissoras que cobriam o evento.

Este, sem sombra de dúvidas foi o episódio mais lamentável da belíssima história do futebol nacional. As cenas de horror transmitidas para o país inteiro ao vivo, ficarão na memória dos amantes do esporte. Em verdade, as autoridades públicas devem tirar proveito, se é que há alguma coisa a se aproveitar, e repensar a forma como lidar com torcedores organizados, a fim de se combater a violência em nossos estádios.

A internet tem sido uma grande ferramenta para marcação de brigas entre os torcedores rivais. O ambiente da rede mundial de computadores ainda é pouco investigado pelo estado, e isso tem sido utilizado pelos torcedores violentos para se provocarem e exaltar seu extremismo contra os rivais.

É certo que essa rivalidade não é exclusividade do Brasil, tendo outros países vividos casos nevrálgicos como o nosso. Na Alemanha, há histórico de violência entre torcedores do Schalke 04 e do Borussia Dortmund. Já na Argentina, a rivalidade, extrapola os gramados entre os torcedores do River Plate e do Boca Juniors.

Na Escócia, a religião está ligada à rivalidade, uma vez que os torcedores do Celtic são em sua maioria imigrantes irlandeses católicos, e os fãs do Rangers são predominantemente protestantes. A Grécia também é bastante conhecida por suas torcidas violentas, sendo as principais as do Olympiacos, oriundos das classes trabalhadoras e os fãs do Panathinaikos, majoritariamente, do subúrbio da capital da Grécia.  

A Capital italiana também é cenário de violência envolvendo torcedores da Lazio, os quais são apontados como os mais violentos da Europa, sendo estes de origem na elite italiana e nos apoiadores do governo fascista, e da Roma, apoiados pelo proletariado. Outro país marcado pela extrema violência de seus torcedores é a Turquia, com destaque para os fanáticos das equipes do Galatasaray e do Fenerbahce.

Em verdade, existem diferentes causas da violência, estas variando conforme o país. Religião, política, condição social, dentre outros, são fatores preponderantes na rivalidade entre as torcidas. Na América do Sul, a infraestrutura dos estádios de futebol, a situação socioeconômica da população e a sensação de impunidade, atreladas aos aspectos axiológicos como frustrações da vida privada, diferenças sociais, autodeterminação social são diretrizes como causas para a violência, e devem ser encaradas pelo Estado a fim de estancar o seu crescimento.

2.1 Números da violência

De acordo com pesquisa realizada em 1994, o promotor de justiça Fernando Capez, apurou que 15% dos integrantes das torcidas organizadas tinham antecedentes criminais. Segundo o sociólogo Maurício Murad, a porcentagem de torcedores violentos é de 5% a 7% e é difícil calcular quanto são “brigões” dentro das torcidas organizadas, pois o Governo Federal não possui os números de torcedores organizados no país.

Uma pesquisa mais recente, realizada pelo Instituto Stochos Sports e Entertaiment, que foi feita a partir de entrevistas pessoais com 8.112 pessoas, distribuídas, proporcionalmente e de acordo com os números do IBGE, por todos os 26 estados mais o Distrito Federal, aponta os motivos dos torcedores da Serie A do Campeonato Brasileiro de 2014 de não irem aos estádios. Segundo estes, o que os afasta de um lugar que deveria ser para o deleite do apaixonado pelo futebol, são: violência/falta de segurança (43%); distância do estádio (19,3%); baixo/nenhum interesse (16,7%); preço do ingresso (7,0%); falta de conforto no estádio (5,6%); CBF (0,8%).

Como foi demonstrado, a violência e falta de segurança representam praticamente a metade das razões que afastam o brasileiro dos estádios. Isso comprova o alarmante índice da violência no futebol, reparem que os outros três motivos individualizados aparecem com números bem distantes das campeãs.

Outro quesito analisado na pesquisa e de igual importância são os responsáveis pela violência no futebol. Quem lidera esse ranking são as torcidas organizadas (84,2%), logo depois temos: poder público/segurança pública (8,2%); falta de educação (1,4%); dirigentes dos clubes (1,2%), álcool/drogas (0,8%); cbf (0,7%); outros (3,5%).

É inegável a contribuição dos bandos organizados para a violência no futebol, estes possuem 80% dos votos dos entrevistados, dando aos mesmos a triste caracterização de bandidos organizados, cuja bandeira é a violência. Esse percentual direciona os esforços das autoridades a fim de minimizar o cenário caótico que está virando as arquibancadas e arredores dos estádios. Um ponto a ser levantado, é que 60% dos entrevistados disseram que iriam a um estádio caso as torcidas organizadas fossem banidos.

 Foram constatados no Brasil 234 mortes relacionadas ao futebol, onde os estados do Norte e do Nordeste lideram este triste ranking.

Portanto, é necessária uma relevante reflexão: será que os bandos organizados são mais importantes do que os cidadãos comuns que nada tem com o vandalismo praticado por estes? É justo privar uma parcela significativa dos torcedores pacatos, devido à mantença dos bandos organizados nos estádios? A que ponto a administração publica, continuará a aceitar esses ditos apaixonados pelos seus times, propagando o terror e a violência no meio social? Essas questões devem servir de base para o legislador, administração pública, poder judiciário, clubes de futebol, CBF, para que estes adotem uma postura mais severa em relação às torcidas organizadas, pois a violência no futebol está se tornando algo enraizado em nossa cultura, e é inadmissível uma postura omissa, por parte de quem detém ius puniendi (poder de punir) e de impedir a propagação da violência.

2.2 Análise sociológica

Podemos apontar as justificativas e tentar entender a violência no futebol: a juventude, cada vez mais esvaziada de consciência social e coletiva e o prazer e a excitação gerados pela violência ou pelos confrontos agressivos, são razões propulsoras dos conflitos.

A violência no esporte é uma das faces da violência cotidiana na sociedade. Somos levados a ser rudes pelo próprio estilo de vida moderno que temos em grandes capitais. Gentileza do dia a dia são esquecidas em consagração da praticidade, do fast. A população não pode perder tempo sendo educada, e isso se reflete nos estádios, com cidadãos agressivos e pouco pacientes para com o próximo.

O fato, é que as pessoas não estão acostumadas a lidar com suas paixões. Entender que o outro tem uma paixão que é antagonicamente contrária a sua também é algo de difícil compreensão aos fanáticos. Outro aspecto de destaque é o saber perder. Esta sem dúvidas, é uma lição de experiência, não aprendida nos estádios. Desta forma, frustrações da vida cotidiana refletem no comportamento dos adeptos.

Em pesquisa realizada pelo Ibope e pelo jornal Lance!, publicada em agosto de 2010, 60% dos entrevistados disseram-se a favor da extinção das torcidas organizadas. Por um motivo simples: depois de já terem ocorrido tantos conflitos violentos envolvendo torcedores, a sociedade enxerga esses grupos como uma ameaça.

Masculinidade exacerbada e disputa territorial constituem práticas comuns de alguns grupos de torcedores organizados. Estes jovens tem grande disposição para agredir e destruir fisicamente o rival. Desta forma, a torcida à quem representa, ganha prestígio e fama no cenário das organizadas.

Enfrentar quem quer que seja pela organizada a que faz parte é rotina para um torcedor organizado. Geralmente estes jovens, predominantemente do sexo masculino, não estão dispostos a correr de uma boa briga.

A impunidade a estes grupos de torcedores certamente é algo determinante na continuação das batalhas nos estádios de futebol.


3 A SEDUTORA VIOLÊNCIA

A capacidade de sedução da violência é o principal combustível para que jovens invistam neste estilo de vida com suas inúmeras brigas e intermináveis bebedeiras.

A impaciência destes torcedores com as regras de convívio em sociedade, faz com que tudo que esteja a sua frente possa ser depredado. Ônibus tem suas janelas arrancadas e o teto é um local especial para “surfar” até o jogo, trazendo uma sensação de adrenalina altamente elevada.

Certamente a violência é prazerosa. Se assim não fosse, o que levaria um grupo em menor quantidade numérica de torcedores ficar e brigar em honra a sua torcida ao invés de correr quando em oportunidade desvantajosa?

A intensidade de uma boa briga, e a sensação de espancar seus adversários, como se pudesse atropelar quem estivesse pela frente, faz com que torcidas organizadas enfrentem seus inimigos, a polícia ou quem cruze seu caminho.

Na Europa, os holigans são organizados em grupos pequenos, geralmente em torno de 50 integrantes, e estes defendem suas ruas e os times que representam. No Brasil, as organizadas são numerosas. Estas são divididas em “comandos”, os quais representam os bairros da cidade de seu time.

Tem como marca no Brasil, a alusão da violência na própria identificação das organizadas. Como exemplos, temos espalhadas pelo país, torcidas chamadas Máfias, Impérios, e suas subdivisões como pelotões e canis.

A emoção de vivenciar e de ser respeitado dentro da torcida, faz com que jovens aprendam que o resultado dentro de campo pode até não ir bem, mas fora de campo, “na pista”, tem-se que buscar a vitória, que no caso é o massacre do adversário.

Sobre os autores
Samir Coelho Marques

Especialista pela Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Desportivo e Negócios no Futebol pelo Centro de Direito Internacional – CEDIN, Belo Horizonte - MG. Especialista pela Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Arnaldo, Belo Horizonte – MG. Bacharel em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos, Teófilo Otoni – MG.. Advogado. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-MG. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7444643002621584.

Hadassa de Castro Rocha

Estudante do sétimo período de Direito da Faculdade Doctum - Teofilo Otoni- MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Samir Coelho; ROCHA, Hadassa Castro Rocha. Inoperância do estatuto do torcedor no combate à violência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4715, 29 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49236. Acesso em: 22 nov. 2024.

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