Artigo Destaque dos editores

Inoperância do estatuto do torcedor no combate à violência

Exibindo página 2 de 3

Resumo:


  • O trabalho abordou a violência nos estádios de futebol no Brasil, analisando aspectos históricos e sociológicos.

  • Destacou-se os legados da Copa do Mundo de 2014, como estádios modernos e melhores serviços de transporte público.

  • Propôs medidas de solução para a violência nos estádios, como estudos sobre o tema, treinamento de policiais especializados e políticas públicas para reduzir desigualdades.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 LEGADO DA COPA DO MUNDO 2014

4.1Estádios modernos; Melhores serviços de transporte público; Venda de ingressos – Programas de Sócio torcedor

A intolerância e consequentemente o agravamento da violência, eleva-se em dias de jogos de futebol, o que acaba por gerar uma crise de segurança pública em diferentes locais do mundo. A violência no futebol, que possui seus primeiros relatos na Inglaterra e em seguida espalhou-se pelo mundo, foi estudada e está em constante combate. E para extirpamos a violência, é indispensável procurar suas origens e causas.

As diversas pesquisas apontaram que a falta de infraestrutura dos estádios é fator gerador do agravamento da violência. Portanto, faz-se necessário a criação de ambientes confortáveis e seguros.

É exatamente aqui que se encontram os pontos positivos da Copa do Mundo. Embora a realização da Copa do Mundo tenha gerado grandes manifestações da população quanto aos gastos com a construção de estádios para realização de um evento com duração de um mês e o fato de termos uma população carente de saúde, educação e infra estrutura, prioridades sociais em qualquer gestão responsável, a verdade é que passada a Copa do Mundo, esta, trouxe avanços importantes para o esporte.

A modernização e a reforma dos estádios é um ponto crucial para inibirmos as manifestações violentas. Torcedores bem instalados e confortáveis nos estádios possuem menor tendência a atos de vandalismo, por terem a sensação psicológica de bem-estar.

Outra mudança produzida por esse evento esportivo foi a ampliação das linhas de ônibus; duplicação de vias; ônibus novos nas capitais que sediaram jogos da Copa; menos tempo para chegar aos estádios gera menos stress e consequentemente um ambiente mais pacífico.

O detalhe a ser destacado é a grande possibilidade de confusões na saída do estádio, momento em que há maior aglomeração de pessoas. Neste sentido, foi organizada, linhas com ônibus especiais, com ar condicionado, que proporcione sensação de conforto e bem estar aos torcedores, desestressando-os.

Ademais, algo a ser notado, é o crescimento dos programas de sócio torcedor entre os clubes brasileiros. Estes, são rentáveis aos clubes e além de fidelizar o torcedor, faz com que se tenha descontos e comodidade para comprar o tíquete do jogo, não tendo que enfrentar filar enormes.


5 ALTERAÇÕES DO ESTATUDO DO TORCEDOR

5.1 Ineficácia legislativa

Como já exposto, a violência no meio futebolístico é uma das faces da ausência de segurança cotidiana na sociedade. As famílias brasileiras atualmente evitam os estádios, por medo da violência.

Nesse sentido, a união de todos ligados ao esporte é indispensável para que essa violência cesse e que o futebol pare de fazer vítimas.

Diversas soluções são criadas e propostas. O Estatuto do Torcedor, por exemplo, após passou a requerer o cadastro de torcedores por parte das torcidas organizadas e, ainda, tornou crime uma série de atos praticados pelos torcedores dentro e fora dos estádios.

Umas das novas punições impõem aos torcedores “brigões” que comparecem as delegacias durante os jogos. Esta punição foi baseada nas leis inglesas que tratam do assunto. A lei também proíbe e punem cambistas, requisita transparência dos organizadores dos campeonatos e inclui penas severas para os árbitros desonestos.

Invadir o campo de jogo ou brigar dentro do estádio pode resultar em uma pena de reclusão de 1 a 2 anos e multa. Contudo, o ofensor poderá ter a pena convertida em proibição de comparecer aos estádios por um período entre 3 meses a 3 anos de hipótese de ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática destas condutas.

Ocorre que, as punições de proibição de frequentar os estádios não vem sendo cumpridas pelos torcedores. Desta forma, o estatuto do torcedor, que buscou um caráter punitivo, como meio de reprimir e combater os torcedores que cometam condutas ilícitas, não está tendo eficácia prática.

Assim, torcedores “banidos temporariamente” dos estádios não tem respeitado as penas aplicadas e entram livremente. Há uma total falta de conexão entre o poder judiciário, a força policial, as federações e confederação e clubes.

Vejamos a previsão do artigo 41 B, do Estatuto do torcedor:

Art. 41-B.  Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos:

Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.

§ 1o  Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: 

I - promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento; 

II - portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.

§ 2o  Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo. 

Como se depreende do § 2º do artigo 41-B, o juíz DEVERÁ converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas no referido artigo.

Desta forma, a própria lei, reservou a impunidade aos maus torcedores, uma vez que o juiz fica obrigado em converter a pena para uma que não terá a devida fiscalização do Estado.

§ 3o  A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.  

§ 4o  Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada.  

Compulsando os parágrafos da lei, observamos que há inclusive, a previsão de conversão da pena impeditiva de comparecimento para a de privativa de liberdade nos casos de descumprimento injustificado da restrição imposta ao torcedor infrator, todavia, esta é uma regra inócua em nosso ordenamento jurídico até o presente momento.

A nosso ver, falta vontade política para que tenhamos legislações realmente comprometidas em extirpar o mal da violência dos estádios brasileiros.

§ 5o  Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2o. 

Parece-nos que não é prioridade do Estado, detentor do poder, estabelecer o cumprimento de sansões relacionadas ao esporte.

O que usualmente tem acontecido no Brasil, são suspensões determinadas pelo Ministério Público, às torcidas violentas. Na prática, uma determinada torcida organizada fica impedida de entrar no estádio vestindo os uniformes daquela torcida, bem como também é comum, impedir que estes torcedores levem faixas e bandeiras com o nome desta torcida e bateria para incentivar seu time nos jogos.

Ocorre que, impedir que um torcedor violento vá ao estádio sem a camisa da torcida, não significa que ele vá se comportar, tampouco que a referida medida tenha algum caráter pedagógico.

Antes pelo contrário, o que vimos, foi a Polícia Militar orientando para não ser aplicada este tipo de punição em relação ao impedimento de uniformes de torcida organizada, simplesmente pelo fato que isso dificulta a identificação dos grupos violentos.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Os grupos violentos que vão ao campo para causar confusões, vão estar presentes da mesma forma, só que punidos dessa maneira, acabam ficando camuflados, o que de certa forma, os beneficiam em suas ações.

Ademais, impedir que torcedores violentos não levem faixas e bandeiras para o campo não é exatamente uma punição ao torcedor e sim ao clube, já que este não está no estádio com intenção de torcer.

O fato é que faz-se necessário que exista uma política de tolerância zero no combate aos marginais que retiram dos estádios as famílias e os torcedores pacíficos. Deve ocorrer uma mudança no Estatuto do Torcedor de forma que, além da pena criminal a ser aplicada ao ofensor, ele seja imediatamente banido dos estádios pelo período de 3 anos.

Outrossim, sobre a identificação dos torcedores em estádios de futebol, vêm-se poucas ou nenhuma iniciativa por parte dos clubes que na maioria das vezes é punido com perdas de mandos de campo ou jogos com portões fechados por motivos de conflitos entre seus torcedores.

Fazemos uma crítica quanto à inércia dos clubes em identificar seus torcedores. Temos um grande modelo a ser seguido que são os bancos, diga-se de passagem, que estes tem mais clientes que os clubes torcedores. Hoje em dia, um cliente de banco consegue efetuar saques até sem o cartão, pois o banco conhece suas digitais e tem seus registros guardados por meio de biometria.

Desta forma, acredito que os clubes poderiam colocar a tecnologia a seu favor visando conhecer melhor seus torcedores e selecionar quem deve ou não entrar em seu estádio

Outro ponto bastante criticado e controvertido é a proibição de bebidas alcoólicas dentro dos estádios. O Estado sustenta a proibição sob o argumento de que o s números comprovam a redução da violência em eventos esportivos.

Ocorre que, com a proibição da venda de bebidas dentro dos estádios, como consequência, as torcidas tem chegado mais cedo para dar tempo de beber antes dos jogos. Desta forma, os torcedores bebem grandes quantidades tradicionalmente de cerveja. Assim, é normal entrar uma multidão de bêbados para as arquibancadas.

Não vemos motivos para continuar com a proibição. O Estado deve buscar medidas que realmente combata o problema da violência, já que de uma forma ou de outra, os torcedores vão beber da mesma forma.


6  MEDIDAS DE SOLUÇÃO

É verdade que o Brasil tem sofrido com a violência no futebol. Isso tem afastado torcedores de bem e famílias dos estádios, diminuindo as rendas dos clubes. Desta forma, é interesse não só do Estado, detentor do poder, quanto dos clubes e federações, para que seja solucionada a situação alarmante de brigas generalizadas entre torcidas em nosso país.

Considerando as experiências buscadas em outros países, especialmente os europeus, que sofreram muito com o problema vivido por nós, podemos sugerir um check list de medidas capazes de solucionar o problema da violência em nossos estádios:

  • Criar estudos sobre o tema, para conhecer as origens do problema. Conhecer o problema que se enfrenta deve ser o primeiro passo para combatê-lo.
  • Dispor de mais recursos para treinar e formar policias especializadas no combate a violência nos estádios. Nossas polícias já deram mostras de sua capacidade para a boa organização nestes eventos. A copa é um exemplo de sucesso, mas é preciso adaptar o trabalho aos jogos locais.
  • Implantar uma unidade policial especializada em mega eventos esportivos. O papel desta unidade, seria monitorar e conhecer os torcedores participantes de torcidas organizadas e traçar o perfil destes.
  • Criação de políticas públicas voltadas para programas sociais que criem emprego e reduza as desigualdades. Estudos comprovam que o fator social é preponderante para as causas de violência nos estádios latinos.
  • Fiscalizar o cumprimento das sanções desportivas aplicadas com base no Estatuto do torcedor;
  • Acabar com a sensação de impunidade. É imprescindível a alteração do Estatuto do torcedor para incluir previsão de banimento para aqueles torcedores violentos. A justiça de punir energicamente aqueles que causarem tumultos em estádios de futebol;
  • Estabelecer medidas punitivas contra dirigentes, técnicos, jogadores, policiais, membros da imprensa e torcedores que acarretem tumulto ou incentivem a violência e a rivalidade entre as torcidas;
  • Adotar mecanismos a fim de, diminuir e punir agentes públicos pelos excessos;
  • Criar programas de denúncias anônimas relativos aos abusos cometidos em eventos esportivos;

Estas são medidas de sucesso adotadas em outros países. Além destas, houve hipóteses que clubes chegaram a perder pontos por condutas de suas torcidas.

Em suma, os estádios brasileiro e os torcedores de bem merecem um tratamento condizente com o nosso futebol penta campeão.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Samir Coelho Marques

Especialista pela Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Desportivo e Negócios no Futebol pelo Centro de Direito Internacional – CEDIN, Belo Horizonte - MG. Especialista pela Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Arnaldo, Belo Horizonte – MG. Bacharel em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos, Teófilo Otoni – MG.. Advogado. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-MG. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7444643002621584.

Hadassa de Castro Rocha

Estudante do sétimo período de Direito da Faculdade Doctum - Teofilo Otoni- MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Samir Coelho ; ROCHA, Hadassa Castro Rocha. Inoperância do estatuto do torcedor no combate à violência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4715, 29 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49236. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos