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Brexit e o nacionalismo

Agenda 27/06/2016 às 09:21

Os ingleses fizeram aquilo que os gregos já deveriam ter feito: fugir do neoliberalismo europeu.

O nacionalismo é um fenômeno antigo, mas passou por diversas evoluções ao longo da história. No mundo antigo, a nação era a cidade. Os cidadãos de Atenas usavam a mesma língua que os de Esparta, mas uns e outros nunca chegaram a se considerar pertencentes à uma mesma nação grega. Mesmo quando se uniam para combater o inimigo comum persa, atenienses e espartanos continuavam a devotar sua lealdade apenas à suas respectivas cidades. O mesmo fenômeno ocorria na Itália antes de Roma começar a se expandir e a remodelar o cenário cívico.

Durante o Império Romano, o nacionalismo que opunha o romano ao bárbaro era fundamentalmente político. A aquisição da cidadania romana não dependia do nascimento em Roma. De fato, imperadores romanos importantes nasceram na Espanha (Trajano e Adriano), na África Proconsular, atual Líbia, (Sétimo Severo, que nem mesmo tinha antepassados romanos) e na França (Caracala).

O fim do Império Romano produziu intensa desorganização política na Europa. Após um longo período de guerras entre povos bárbaros e povos mais ou menos romanizados começou a surgir um novo tipo de nacionalismo baseado nas etnias que ocupavam extensas áreas territoriais. Em seus estágios iniciais, porém, o nacionalismo étnico (que é muito distinto do nacionalismo político) não tinha as mesmas características que viria a ter nos séculos XIX e no século XX.

As primeiras cogitações científicas que originaram a moderna perversão nacionalista ocorreram na Inglaterra e na França durante o século XIX. As teorias de Thomas Buckle, Luis Agassiz e Arthur Gobineau justificaram a colonização e intensa exploração da África e da Ásia por ingleses e franceses. Nos EUA, o racismo científico foi empregado para consolidar o regime de separação política entre brancos e índios/negros que vigorou com maior ou menor intensidade da Guerra Civil norte-americana até os anos 1960. O “saudável regime” norte-americano influenciou Hitler, que o elogiou muito no seu famigerado livro Mein Kampf.

A Alemanha Nazista não foi, portanto, um fenômeno isolado e sim o aperfeiçoamento pervertido da perversão inventada por Thomas Buckle, Luis Agassiz e Arthur Gobineau. Franceses e ingleses acreditavam que eram superiores aos africanos e asiáticos. Os nazistas acreditaram que os alemães eram superiores aos demais povos europeus. França e Inglaterra usaram violência e crueldade para colonizar e explorar a África e a Ásia. O III Reich resolveu usar brutalidade ainda maior para colonizar e explorar a Europa e a União Soviética. Leopoldo II, Rei da Bélgica, comandou o holocausto no Congo. Hitler o imitou ao produzir o holocausto dos judeus europeus.

O nacionalismo soviético (político) confrontou e derrotou o nacionalismo nazista (racial). Ao fim da II Guerra Mundial, franceses, ingleses e norte-americanos foram obrigados a começar a se desligar das teorias raciais que originaram o nazismo. Os acordos comerciais entre França e Alemanha foram o embrião do Mercado Comum Europeu e da União Europeia. Nos EUA a luta pelos direitos civis dos negros perduraria até os anos 1960. Apesar da eleição e posse de um presidente negro (Barack Obama), em vários Estados dos EUA as comunidades negras reclamam, com razão, das agressões e assassinatos cometidos por policiais brancos e racistas.

A saída do Reino Unido da União Européia deve ser avaliada com a devida contextualização histórica e julgada com cuidado. A decisão foi apertada e não equivale ao renascimento do nacionalismo imperial e racista que existia no centro do Império Britânico durante o século XIX. Quase metade da população britânica votou em favor da permanência na UE; os racistas extremistas são uma minoria dentro da maioria apertada que deu vitória ao #Brexit. A percepção que parece ter prevalecido é a seguinte: pertencer a UE estava produzindo mais problemas sociais do benefícios econômicos para os cidadãos do Reino Unido.

“It’s the economy, stupid” dizia Bill Clinton quando era candidato a presidência dos EUA. “It’s the neoliberalism, moron” podemos dizer em relação ao que ocorreu esta semana. O principal conflito que produziu a fragmentação da UE não é entre imigrantes e nacionais/nacionalistas, mas entre o povo do mercado e o povo do Estado. A predominância das finanças e dos financistas sobre a política é um fenômeno terrível, pois acarreta desemprego, reduções de salários e direitos, revogação de benefícios previdenciários, pobresa e fome provocando intensa concentração de renda.

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O mercado não tem nação. Aqueles que dele se beneficiam não querem ter quaisquer compromissos nacionais. No neoliberalismo, os vencedores (que são sempre os mesmos) cuidam apenas dos próprios interesses: ganhar sempre mais dinheiro num menor período de tempo pagando menos impostos. As modernas nações políticas (que sucederam as nações raciais) seguem, contudo, sendo os únicas destinatárias do amor e das esperanças daqueles que foram excluídos dos benefícios do crescimento econômico.

Ingleses, franceses, alemães, portugueses, espanhóis, gregos, belgas, norte-americanos, brasileiros etc... querem apenas uma coisa: ter um padrão de vida razoável. Eles não querem uma nova guerra mundial. É a predominância política da lógica do mercado, que pressupõe uma guerra permanente entre ricos e pobres, que pode acarretar a destruição da humanidade. De fato, o povo do mercado não tem e não quer ter compromissos nacionais, ele só acredita no lucro fácil, rápido e sem custo. Homens como George Soros ganham dinheiro destruindo Estados nacionais.

O neoliberalismo fez exatamente isto: ele destruiu os Estados nacionais, provocando a instabilidade social que levou a maioria dos cidadãos do Reino Unido a querer sair da UE. O terremoto europeu - que apenas começou - pode decretar o fim definitivo da era neoliberal. Isto será ruim sim, mas apenas e principalmente para alguns financistas. Os lucros deles serão menores, mas é evidente que eles não irão morrer de fome como as vítimas deles tem morrido, inclusive na Europa.

A falência do nacionalismo político soviético acarretou o renascimento e a explosão belicosa do nacionalismo étnico nos Bálcãs. A balcanização da Europa (temor difundido pelos defensores da UE) é uma falácia. A paz européia foi construída pela união dos Estados nacionais europeus, mas no princípio esta união era apenas comercial e preservava  o caráter nacional dos seus membros. Foi justamente a união monetária, o crescimento da importância política da UE e a destruição dos Estados nacionais europeus pelo neoliberalismo que deu origem ao conflito entre o povo do mercado e os povos dos Estados europeus. E este conflito - e isto me parece bastante evidente - não tem semelhança alguma com o conflito étnico que já existia entre os povos balcânicos durante o período soviético. O povo do mercado não é uma comunidade étnica e sim uma comunidade de interesses. The concerns of the financiers were harmed, then what? Fuck them!

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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