V O juiz como realizador dos valores consagrados do Estado Republicano e Democrático de Direito
Advirta-se que quando se fala em Direito Político do Estado, entender-se-á o Direito Público (Goyard-Fabre[16]), que equivale à plataforma de valores consagrada pela Constituição. Registre-se que será utilizada a terminologia primeira, justo no proposito de chamar a atenção para o papel político que os agentes estatais representam e desempenham no trato das suas funções, o que reclama postura e responsabilidade direta na integridade do Texto Político do Estado.
Em uma frase: imperioso, pois, o resgate da essência e o compromisso do político.
A fim de prestar auxilio de compreensão e, portanto, alcançar a proposta inteligível deste incipiente escrito, deve ser esclarecido o sentido e significado de "disciplina" aqui tratado, no fito de reclamar aplicação no contexto do Direito Político do Estado.
Professa Miguel Reale, que "(...) disciplina é um sistema de princípios e de regras a que os homens se devem ater em sua conduta; é um sistema de enlaces, destinados a balizar o comportamento dos indivíduos de qualquer idade ou classe social, bem como as atividades dos entes coletivos e do próprio Estado[17]".
Prosseguindo, adverte: "(...) o que importa é verificar que, no conceito de disciplina, há sempre a idéia de limite discriminando o que pode, o que deve ou o que não deve ser feito, mas dando-se a razão dos limites estabelecidos à ação[18]".
Logo, valendo do ensinamento acima, força concluir que "disciplinador é quem rege os comportamentos humanos e sabe impor ou inspirar uma forma de conduta aos indivíduos[19]". Conceito que materializado na figura do juiz, guardião (também) da Constituição, justo é lhe impor a alcunha de "disciplinador" dos valores e regras insculpidos na Carta Política do Estado, sendo-lhe defeso agir ultrapassando os limites definidos no Texto Constitucional, bem como (e principalmente) agir de maneira insuficiente e retrograda ao alcance da plêiade dos direitos conquistados.
Bem, impende justificar a escolha – não arbitrária – a fim de evitar doses equívocas de compreensão do objeto de nossa reflexão. Tal se dá pelo fato de as instâncias anteriores de análise e decisão dos pleitos da pessoa (física ou jurídica, mostrando-se pertinente é a pretensão legítima a direto previsto), terem proferido respostas negativas a pretensos direitos que deveriam se realizar. O que, por opção política (art. 5º, inc. XXXV da CF/88), legitima a intervenção do Judiciário em ultima ratio, como órgão dirimidor dos conflitos e restaurador da paz social, logo, mantenedor da sociedade.
É da ciência dos operadores jurídicos (da população de uma maneira vulgar) que, para o Magistrado exercer seu mister com o destemor e imparcialidade exigidos no alcance do que as forças do sistema definiram como sendo o arquétipo de justiça (a idealidade do Direito não cabe aqui), a Constituição garanta ao juiz vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos. Garantias estas, que não são privilégios, reclamadas para a importante função política que exerce o juiz.
Vitaliciedade, que corresponde a permanência no cargo (há exceção); irredutibilidade que é a garantia de não redução dos seus ganhos econômicos; e inamovibilidade, que consiste na garantia de não ser deslocado do local em que exerce suas funções (há exceção além das hipóteses de promoção), são garantias para que o juiz venha a decidir com e pelo Direito, não importa o sujeito que esteja envolvido no processo.
As garantias acima correspondem (e mormente se legitimam), na figura do Magistrado republicano e democrático, vale dizer: aquele que deve exercer o seu mister com o sentimento de que o seu poder deve ser revestido em termos de serviço, só restando este desfecho...
Acerca dos elementos república e democracia, que guarnecem o Direito Político do Estado brasileiro, necessários alguns apontamentos.
O conceito de "juiz republicano" guarda relação simétrica e exclusiva com o termo "república". República, palavra latina que é advinda da junção dos elementos res (coisa) e publicus (publico), ou seja: coisa pública, indica, como soa intuitivo, que a coisa tratada não tem proprietário particularizado, pois é de "todos", sendo assim, pública. Tal conceito, quando aplicado à esfera política do Estado, importa em dizer que os elementos que compõe a figura do Estado, ou seja, todo o seu patrimônio, de ordem material ou imaterial, em especial a potestas ou poder e em última análise o "governo", pertence exclusivamente ao povo.
Estado republicano é entidade cujo poder é e emana do povo, sendo este o seu titular. Caso da República Federativa do Brasil, a teor do que dispõe o Art. 1º, Parágrafo único da CF/88: "todo o poder emana do povo...".
O conceito de "juiz democrático" igualmente reclama algumas notas introdutórias, e remete-nos ao termo "democracia", que é junção dos termos demos (povo) e kratos (governo), ou seja: o povo no governo ou melhor, o governo do povo.
Democracia é uma forma de governo cuja origem nos remete à Atenas na Grécia do século VI a.C, sendo Péricles um dos seus maiores entusiastas, que no século seguinte, com sua obra institucional, colocou a Cidade-Estado ateniense sob o signo da democracia[20], entendida na forma de conduzir os rumos do país.
Por democracia entende-se que o governo é exercido pelo povo. Esta é a gênese da democracia ateniense, da Cidade-Estado grega, onde o cidadão (excluindo escravos, mulheres e estrangeiros, que não eram tidos como cidadãos) deliberava pessoalmente sobre os rumos do Estado, tomando "(...) seu destino nas mãos próprias": na eclésia, Assembleia do povo; na bulé, conselho de pareceres; no estrategos, conselho executivo; e na heliéia, o tribunal[21]. Conceito que hoje não se aplica, pelo grande número de cidadãos (lembrem-se do conceito de cidadão acima) que, logo, inviabilizariam qualquer deliberação.
Observa Paulo Bonavides que "a democracia antiga era a democracia de uma cidade, de um povo que desconhecia a vida civil, que se devotava por inteiro à coisa pública, que deliberava com ardor sobre as questões do Estado, que fazia sua assembleia um poder concentrado no exercício da plena soberania legislativa, executiva e judicial[22]".
Lembra ainda o juspublicista que "cada cidade que se prezasse da prática do sistema democrático manteria com orgulho uma Ágora, uma praça, onde os cidadãos se concentravam para o exercício do poder político[23]" e sendo a base social escravocrata, permitia que o cidadão grego se ocupasse de forma exclusiva dos negócios públicos, pois ao mesmo não surgia nenhuma aflição de ordem econômica e material[24].
Por conta dos óbices de cunho operacional e material, fala-se, hoje, em democracia semidireta, representativa, por participação e, é claro, o poder mantém-se conservado no povo, núcleo intangível do poder nos regimes democráticos. O critério hodierno é meramente operacional e a Constituição brasileira consagra-o no artigo alhures indicado: "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".
Distinto, assim, o titular daquele que exerce o poder. O titular é o povo. Já o exercício se dá pelos representantes.
A legitimidade do exercício do poder está presente na escolha pelo povo dos seus representantes (democracia representativa) e, ainda, na participação direta do povo nas questões de poder (plebiscito, referendo, ação popular e iniciativa de projeto de lei).
A legitimidade do exercício do governo pelos representantes do povo não fica adstrita meramente à escolha destes nas eleições, sendo reclamada, também, na tutela dos valores e princípios próprios (plataforma de valores) da comunidade cujo agente estatal representa, ou melhor, presenta, isto é, em que o povo se faz presente na figura do representante (longa manus).
O tipo representativo é a regra, sendo a participação direta exceção prevista no Texto Constitucional.
A legitimidade do exercício do poder dos agentes dos órgãos Executivo e Legislativo justifica-se, num a priori, no critério acima posto: eleição. Agora, surge um problema: e com relação à legitimidade do exercício da potestas pelos agentes do Judiciário?
A princípio isto se resolveria na decisão do constituinte originário, que tudo podendo, definiu o concurso público como forma de seleção dos juízes. Todavia, tal decisão não encerra – e não legitima, de forma alguma – a convalidação da atuação desses agentes, e, desdobrando-se, ou seja, num a posteriori permanente, o fundamento de validade dos agentes do Executivo e Legislativo é idêntico do que se perquiri da ação dos juízes.
O fundamento de validade do exercício do poder há de ser extraído da atuação dos representantes na concreção dos princípios e regras previstas na Constituição (soberania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, direitos sociais, acesso à ordem jurídica com todas as garantias de busca efetiva dos seus direitos), devendo os agentes imbuírem-se do ideal e espírito político, buscando realizar eficazmente o Direito Político do Estado, tornando-o práxis efetiva e confirmando o modelo civilizacional elegido pelo Estado brasileiro.
As duas figuras supra, juiz republicano e juiz democrático, trabalhando juntas, isto é, unindo-se numa só persona, podem alcançar o fundamento de legitimatio do exercício do poder pelo juiz na Republica Federativa do Brasil. Isso implica, a toda evidência, na proteção e realização dos princípios do Direito Político do Estado: o acesso à ordem jurídica justa (usando jargão já consagrado) é um desses princípios e mister que deve ser assegurado pelo juiz, parâmetro da civilização (um dos), desta feita cunhado de agente "catalizador" do Direito Político do Estado brasileiro, tendo função precípua: zelar pela efetividade da ordem jurídica estabelecida!
Nesse diapasão, cumpre informar que ao Magistrado só restará atuar, legitimamente, nos contornos jurídicos definidos no Texto Maior – nem para mais nem para menos – adotando postura de ciência e consciência do seu papel de guardião não só da Constituição e do Estado Democrático de Direito, mas, ainda com mais relevo, do substrato ou germe cultural citado por Humbolt[25], que dá ensejo e sustento ao Estado àquela maneira definido. E, por conquista histórica, o âmbito de atuação do juiz há de ser "o processo". Âmbito este que se encerra na própria entificação do Direito, pois o produz e o influencia, a cada ato de sua aplicação, não sendo "(...) o processo (...) algo que opera como mero instrumento, sim algo que integra o próprio ser do Direito[26]", consistindo, destarte, num instrumento garantidor e realizador de todas as conquistas fundamentais do cidadão na busca e defesa efetiva dos seus direitos constitucionalmente consagrados.
VI A jurisdição e as garantias processuais viabilizadoras do idôneo exercício do juiz
É na jurisdição que surge o processo, como âmbito legítimo de atuação do Magistrado. Neste ponto precisas são as lições do ilustre Professor Odilair Carvalho Júnior, quando elucida que, in verbis:
Sendo a Jurisdição uma modalidade de atuação do Poder do Estado, necessário e indispensável se torna, que o exercício dessa atividade seja condicionado por diretrizes que conformem o modo de ser do processo – como instrumento de atuação do Poder Jurisdicional mediante a edição e realização da norma concretizadora da norma geral e abstrata – ao modelo de Estado Democrático de Direito que se encontra plasmado nas constituições contemporâneas, seja para (a) evitar que essa atividade se constitua em ato de arbítrio do detentor do poder em detrimento das liberdades civis, de maneira a assegurar a participação das partes em igualdade de condições na formação do provimento final, seja para (b) assegurar o restabelecimento da ordem jurídica violada, de forma que a atuação jurisdicional produza no mundo dos fatos, tanto quanto possível, uma situação idêntica ou assemelhada à que teria se verificado em caso de observância espontânea da norma jurídica concretizada pelo provimento jurisdicional[27].
Ainda, acerca do processo como espaço de realização dos valores, princípios e regras consagrados no Texto Constitucional, ensinam William Couto Gonçalves e Gracimeri Vieira Soeiro de Castro Gaviorno, que não basta que o processo seja instrumento, "(...) impõe-se que, como tal, não se olvide das garantias constitucionais e processuais e dos princípios que devem regê-lo. Dentre eles, sobressai o princípio do devido processo legal". Ao passo que seguindo, advertem: "(...) não se deve restringir a compreensão do devido processo legal. O princípio reclama uma reflexão mais aprofundada, pois se apresenta como parte do gênero processo justo e estabelece os limites teleológicos da jurisdição[28]".
Sobre os limites teleológicos da jurisdição é que se reclama postura e disciplina do órgão julgador. É que, tais limites, encerram, nada mais nada menos, do que a idônea e esperada atuação do Magistrado dentro do formato do Estado Democrático de Direito. Consistem, pois, os limites teleológicos, em todas as garantias inerentes ao devido processo legal, não só procedimental, mas, e com mais relevo, ao devido processo legal substantivo. Aqui entra a advertência alhures citada, de atuação insuficiente ou em frase de mais efeito: de atuação anêmica e efetivamente minguada do Magistrado. Postura incabível num formato de Estado em que o poder só se legitima, a rigor, quando convertido em termos de serviço. Serviço eficiente, não contraproducente, isto é, que a pretexto de resolver, só cria mais problemas, que a rigor, são irreais. A falta de consciência e em ultima ratio compromisso, geram isso... Nesse ínterim, contribui Streck, verbis:
(...) a eficácia das normas constitucionais exige um redimensionamento do papel do jurista e do Poder Judiciário (em especial a justiça constitucional) nesse complexo jogo de forças, na medida em que se coloca o seguinte paradoxo: uma Constituição rica em direitos (individuais, coletivos e sociais) e uma prática jurídico-judiciária que, reiteradamente, (só) nega a aplicação de tais direitos, mormente no plano dos direitos prestacionais e dos de liberdade[29].
Na concretização dos direitos previstos na Constituição, a República Democrática brasileira exige processo justo, a teor do que diz o art. 5º da Magna Carta, que consagra o princípio da igualdade, ligando-se à ideia não apenas de devido processo legal, mas, principalmente, a de um processo justo, numa igualdade substancial de tratamento.
Acerca da igualdade substancial de tratamento das partes reclamada no processo justo, doutrinam Gonçalves e Gaviorno, no trabalho acima citado:
Diz-se justo o processo, porque o princípio orienta para um tratamento equilibrado que exige visualização não apenas formal, mas também substancial. A igualdade substancial é um princípio que deve orientar o processo justo, devendo ser efetiva, apresentando-se não apenas formalmente. Por vezes, uma participação mais ativa do juiz pode restabelecer a igualdade substancial. (...). O juiz representa um dos poderes do Estado e está comprometido com os fins da Justiça, devendo buscar o restabelecimento da ordem legislada. Não pode se inclinar aos objetivos de quaisquer dos pólos do processo, mas deve decidir no sentido de promover a atuação do direito subjetivo[30].
Delimitando o âmbito da exigência supra, elucida Odilair Carvalho Júnior:
A Constituição Federal de 1988 delineou o modelo de processo a ser observado pelos órgãos que detém a função institucional de dirimir um determinado conflito intersubjetivo de interesses que lhes for levado à apreciação (Poder Judiciário), impondo ao órgão responsável pela elaboração das regras que disciplinam a utilização desse instrumento (Poder Legislativo) o dever de editar normas que viabilizem a implementação desse modelo de processo constitucional na prática, instituindo procedimentos consentâneos aos ditames constitucionais[31].
Prossegue:
Esse modelo de processo constitucional é assegurado pela garantia do devido processo legal (dimensão procedimental) inserida no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal. A garantia do devido processo legal procedimental é composta de outras garantias que têm como finalidade delinear os seus contornos: garantia do contraditório e da ampla defesa; da inafastabilidade do controle jurisdicional; da isonomia; da motivação das decisões judiciais; da vedação das provas ilícitas e da publicidade[32].
O modelo de comportamento do juiz está perfeitamente delimitado na Carta Política, nos contornos definidos acima. Ademais, a efetiva garantia de processo exige do Magistrado que vá além do rito procedimental, e avance para a essência mesma das garantias do processo, que é assegurar os direitos face os atos de arbítrio, injustiças e indiferenças que porventura se apresentem no caso sob sua ótica. Justificando-se, destarte, que analise a mens constitucional dos atos e comportamentos. Não sendo exagero que afira a constitucionalidade destes mesmos atos e comportamentos, numa visão até de autorreflexão, ou seja, de pertença e merecimento à base constitucional que serve e realiza, sendo um especial servidor e garantidor das conquistas do Texto Constitucional, reclamo do papel político que exerce...
Exato por isso reforça a doutrina que:
No Brasil, todo e qualquer juiz tem o dever-poder de realizar o controle da constitucionalidade. Essa circunstância decorre mesmo da conformação do modelo de Estado Constitucional brasileiro, que não se confunde nem com o modelo do Verfassungsstaat alemão, do Rule of Law – em qualquer de suas vertentes, inglesa ou estadunidense – e do État de Droit francês. O modelo de Estado Constitucional brasileiro é um modelo próprio de supremacia do direito[33].
Com a vênia de ir direto ao ponto: O Magistrado necessita ter interesse real pela causa submetida ao seu olhar. O princípio da inércia não está ligado à atuação subjetiva do julgador. Mas sim, à atuação objetiva do Estado. Não é razoável que o Estado que irá julgar, incite e delimite os termos da demanda proposta. É isso que a inércia quer dizer. É garantia do indivíduo e não pode ser interpretada de modo a servir de álibi a desinteressar e descompromissar o juiz, quando provocado. Aí é traição. Subversão das regras do jogo republicano e democrático. O dever do Magistrado é de imparcialidade, ou melhor, de agir com imparcialidade. É preciso não se deixar esquecer, a toda evidência, que é da vida, do patrimônio, da liberdade, da confiança do jurisdicionado que está a se tratar. Ao contrário: quando provocado, o juiz deve dedicar-se a entender o caso conflituoso posto ao seu olhar. Sendo sensível, humano, respeitoso, deferente e comprometido com a causa! Afinal de contas o juiz não é Majestade que possui súditos e bobos da corte, mas sim Magistrado que deve dedicar-se à causa do cidadão, imprimindo todos os esforços (espirituais, cognitivos, psicológicos) para isto! Reflitamos...
O juiz deve ter olhar inquisidor sobre a causa do jurisdicionado: olhar de Estado dirimidor das controvérsias, mantenedor e restaurador da paz social. Não é aceitável, como já ocorrera, juízes dizerem (e isto sem nenhum pudor) que quando o advogado escreve muito é porque não se tem direito, e está tentando enganar o órgão julgador, chegando mesmo a decidirem o pedido com base no número de páginas; ou que se não entendem o caso, esforço dos mesmos não é reclamado, pois se o advogado não gostou que recorra! Não, não se faz justiça desse modus operandi...
Tais comentários soariam cômicos se não fossem reais e por isso mesmo trágicos, pois, sempre é bom lembrar, que é da vida, da liberdade e do patrimônio do cidadão que está a se tratar. Só que, o que é trágico hoje, repetindo-se, amanhã se tornará cômico e aí, burlesco, perdendo totalmente a credibilidade, alvo de zombaria, deboche. Para o que interessa ao Estado: perde-se o elemento da autoridade, na anemia gerada. Isto preocupa...
É preciso ter respeito e responsabilidade, de ambos os lados, não se olvide, pois só se respeitando é que se poderá exigir respeito. Levar os direitos a sério, um bom antídoto para o mal que circunda já de muito, vale dizer: o caos e a instabilidade no Direito, que repercutem inevitavelmente no social, na cultura e por último, numa ameaça à civilização vigente, pois, conforme adverte Luiz Guilherme Marinoni:
O cidadão precisa ter segurança de que o Estado e os terceiros se comportarão de acordo com o direito e de que os órgãos incumbidos de aplicá-lo o farão valer quando desrespeitado. Por outro lado, a segurança jurídica também importa para que o cidadão possa definir o seu próprio comportamento e as suas ações. O primeiro aspecto demonstra que se trata de garantia em relação ao comportamento daqueles que podem contestar o direito e tem o dever de aplicá-lo; o segundo quer dizer que ela é indispensável para que o cidadão possa definir o modo de ser das suas atividades[34].
Ainda, no mesmo sentido, Ingo Sarlet, verbis:
Considerando que também a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como a sua realização, desde logo é perceptível o quanto a idéia de segurança jurídica encontra-se umbilicalmente vinculada à própria noção de dignidade da pessoa humana. (...) a dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranqüilidade, confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas[35].