Imagine a seguinte situação: o cliente liga para a empresa de telefonia na qual possui contrato. Seu intuito é obter informações sobre sua linha, que podem ser dos mais diversos tipos: algum erro em sua conta, os dados da internet móvel não retornaram, a recarga em sua linha não se consolidou corretamente, dentre outros.
Ato seguinte, é direcionado às opções da Central de Atendimento, que mudam de acordo com cada empresa, das quais o cliente é incumbido de escolher uma delas para tentar sanar seus problemas. Normalmente, a última opção oferecida é “SE DESEJA FALAR COM UM DE NOSSOS ATENDENTES, PRESSIONE O BOTÃO (...)”.
Caso o cliente não saiba quais das opções escolher ou queira falar diretamente com o atendente, o consumidor opta por esta última. Entretanto, mal sabe que esta opção pode se tornar o terror do seu dia!
No afã de conversar com o atendente, sanar suas dúvidas ou resolver seus problemas, o cliente pode vir a aguardar horas, eu disse HORAS, na linha! Muitas das vezes, além da desproporcional demora, depois de muito esperar, a ligação, ou “cai”, ou próprio cliente desliga (desnecessário até justificar o motivo).
Agora, pasme, imagine que depois de duas ou três tentativas frustradas, na qual o cliente aguardou, em todas elas, entre 1 e 2 horas, o mesmo cliente liga para o SAC (Serviços de Atendimento ao Cliente) da empresa, com o objetivo de fazer as devidas reclamações sobre os acontecidos (já podemos falar em má prestação e qualidades dos serviços), aguarda 30 (trinta) minutos e SEQUER É ATENDIDO. Liga novamente para o SAC, aguarda mais 30 (trinta) minutos e, novamente, NÃO É ATENDIDO!
Demonstrado o enredo dos fatos, vamos ao que nos diz as normas e as leis.
As empresas de telefonia são reguladas e fiscalizadas pela AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL), uma autarquia administrativa independente, não subordinada a nenhuma órgão governamental, que, para fiscalizar e regulamentar as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, expede Resoluções.
Uma destas resoluções é a Resolução nº 632, de 2014, expedida pela ANATEL, que aprovou o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, o RGC. Se observarmos, por uma leitura simples e atenta ao parágrafo 3º, do artigo 27 – em negrito –, não restam dúvidas quanto ao TEMPO em que o cliente deve aguardar na linha para obter contato direto com o atendente. Vejamos:
- Art. 27. O Centro de Atendimento Telefônico deve garantir ao Consumidor, no primeiro nível do sistema de autoatendimento, a opção de acesso ao atendente, de reclamação e de rescisão do contrato
- § 3º O tempo máximo para o contato direto com o atendente, quando essa opção for selecionada ou quando da transferência entre atendentes, deve ser de até 60 (sessenta) segundos.
Existe ainda o Decreto nº 6.523, de 2008, que em seu artigo 10º,parágrafo 1º – em negrito –, também especifica o tempo de transferência da ligação a partir da opção escolhida pelo cliente, conforme os termos abaixo:
- Art. 10. Ressalvados os casos de reclamação e de cancelamento de serviços, o SAC garantirá a transferência imediata ao setor competente para atendimento definitivo da demanda, caso o primeiro atendente não tenha essa atribuição.
- § 1o A transferência dessa ligação será efetivada em até sessenta segundos.
Mas você, ilustríssimo leitor, deve estar se questionando: “são muitos clientes. É impossível atender a uma demanda tão grande de clientes e efetivar a ligação no tempo de 60 (sessenta) segundos”.
Em verdade, esta preocupação não é sua. Se as empresas de telefonia, que prestam os serviços de telecomunicações têm “sede” para conquistar mais consumidores, é DEVER/ OBRIGAÇÃO delas oferecer o melhor serviço possível; se a lei do mercado é “oferta e procura”, não serve de desculpa das empresas pela má prestação de seus serviços a elevada “procura” dos serviços da Central de Atendimento.
É simples: o consumidor merece ter o melhor serviço, ser atendido assim que solicitado e terem seus problemas sanados na maior celeridade possível. Não foi em vão o Código de Defesa do Consumidor ter inserido, dentre outros diversos, o princípio da VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR (artigo 4º, inciso I, do CDC), reconhecidamente a parte mais “fraca” da relação de consumo, impondo ao Estado a garantia de que os serviços sejam apresentados e dispostos no mercado com padrões adequados de qualidade e desempenho (artigo 4º, inciso II, alínead, do CDC).
Sem mais delongas, e longe de querer aqui esgotar este assunto, o que se quer demonstrar é que o cliente até pode aguardar na linha, mas, desde que essa espera seja em tempo razoável e proporcional. O que não é proporcional e razoável é o cliente esperar horas ao telefone para sanar os problemas de sua linha, e muitas das vezes, sequer ser atendido.
Lembremos que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu, em diversos casos, guardando suas devidas especificidades, o dever de indenizar o consumidor (a depender do caso concreto) que aguarda por tempo desproporcional, em pé, em filas de banco, vide REsp 1340394/SP, REsp 1218497/MT.
A prestação de serviços de telecomunicações configura-se como uma relação consumerista, de onde vemos a presença do cliente-consumidor (art. 2º, do CDC) de um lado e a empresa fornecedora de outro (art. 3º, § 2º, do CDC), cujo qual deve oferecer e colocar no mercado de consumo serviços que devem guardar consigo a qualidade e presteza que dele se esperam, sob pena de responderem pelos vícios de qualidade (art. 20, do CDC) e a configuração de prática abusiva (art. 30, caput, do CDC).
Dúvida que padece é: o que seria tempo razoável e proporcional, se a própria legislação específica determina o tempo de 60 (sessenta) segundos para a transferência da ligação?
Independente das normas de defesa do consumidor e as regras específicas impostas pela legislação que regulam os serviços de telecomunicações, para que os consumidores possam intentar na justiça o direito à reparação dos danos sofridos, cada caso deve ser avaliado com parcimônia e zelo, para que nenhuma das partes da relação seja prejudicada. Entretanto, se da análise do caso concreto verificar-se prática abusiva das empresas, consonante à má prestação dos serviços, nada impede que o consumidor seja, sim, indenizado.