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Do exercício da advocacia pelos conciliadores e mediadores judiciais:

um estudo à luz do art. 167, § 5º, do CPC/2015 c/c art. 28, inc. IV, da Lei 8.906/1994

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Agenda 04/10/2016 às 15:03

O art. 167, § 5º, do novo CPC, veda o exercício da advocacia aos conciliadores/mediadores credenciados nos cadastros do seu respectivo tribunal, mas apenas no local onde desempenhe suas funções.

1. Introdução

A atividade de advocacia e os limites éticos do seu exercício pelos advogados são regidos pela Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB).

Os artigos 27 a 30 do EAOAB, visando evitar que a advocacia fosse usada em desprestígio do interesse da coletividade mediante práticas como tráfico de influência e captação indevida de clientela, criaram um sistema de vedação ao exercício da advocacia em dois graus distintos: impedimentos e incompatibilidades. [1]

De acordo com o artigo 27 do EAOAB, a incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.

As hipóteses de incompatibilidade estão elencadas no artigo 28, e as de impedimento no artigo 30, ambos do EAOAB.

Das hipóteses de incompatibilidade, interessa-nos a primeira parte do inciso IV do artigo 28, que proíbe o exercício da advocacia aos “ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário”.

Analisaremos, neste estudo, a possibilidade do exercício da advocacia pelos conciliadores e mediadores judiciais à luz do inciso IV do artigo 28 do EAOAB e do artigo 167, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil.


2. Da possibilidade do exercício da advocacia pelos conciliadores judiciais antes do CPC/2015

Antes da entrada em vigor do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015), inexistia norma versando a respeito da possibilidade do exercício da advocacia pelos conciliadores e mediadores judiciais. Porém, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Nacional de Justiça e o Poder Judiciário manifestaram-se a respeito do tema, haja vista que as Leis reguladoras dos Juizados Especiais permitiam o exercício da advocacia aos juízes leigos (Art. 7º, § Ú, da Lei nº 9.099/1995 e Art. 15, § 2º, da Lei nº 12.153/2009), mas nada diziam acerca da possibilidade ou não do exercício da advocacia pelos conciliadores judiciais. [2]

A omissão das Leis nº 9.099/1995 e 12.153/2009 a respeito da possibilidade ou não do exercício da advocacia pelos conciliadores judiciais dos Juizados Especiais fez surgir dúvida acerca da incidência do inciso IV do artigo 28 do EAOAB. Ao mesmo tempo, não parecia justo permitir o exercício da advocacia aos juízes leigos e vedá-lo aos conciliadores, que desempenhavam (e desempenham) atividade mais simples do que aqueles profissionais. Nesse sentido, é elucidativa a ementa do julgado abaixo:

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCILIADOR DE JUIZADOS ESPECIAIS. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO. 1. ATRAVÉS DE UM COMANDO DIRIGIDO AO CASO MAIS COMPLEXO, DO JUIZ LEIGO, IMPEDINDO SUA MILITÂNCIA ADVOCATÍCIA APENAS NO ÂMBITO DOS JUIZADOS, PROCUROU, A LEI, ABRANGER TAMBÉM A HIPÓTESE MAIS SIMPLES, DO CONCILIADOR. 2. A INTERPRETAÇÃO DA LEI OBEDECE A PRINCÍPIOS DE CONSTRUÇÃO LÓGICA, ALIADOS AO PRECEITO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA, NÃO SENDO RAZOÁVEL ADMITIR QUE, O CONCILIADOR, DESENVOLVENDO UM TRABALHO MENOS COMPLEXO, SOFRA MAIORES RESTRIÇÕES QUE O JUIZ LEIGO, COMPETENTE ESTE, ATÉ MESMO, PARA INSTRUIR PROCESSOS NO ÂMBITO DOS JUIZADOS. 3. APELO NÃO PROVIDO. (TRF-5 - AMS: 75024 RN 2000.84.00.005627-5, Relator: Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior (Substituto), Data de Julgamento: 20/08/2002, Quarta Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 26/12/2002 - Página: 235). – Grifo próprio [3].

O tema chegou, inclusive, a ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA "A" - MANDADO DE SEGURANÇA - BACHAREL EM DIREITO - NOMEAÇÃO PARA A FUNÇÃO DE CONCILIADOR NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL - INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - POSSIBILIDADE - IMPEDIMENTO RELATIVO (ART. 28 DO ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB - LEI N. 8.906/94). Não se conforma a Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Rio Grande do Sul com o decisum da Corte de origem que autorizou a inscrição da impetrante, bacharel em Direito, no mencionado órgão de classe, nada obstante exerça a função de conciliadora do Juizado Especial Cível. O bacharel em Direito que atua como conciliador e não ocupa cargo efetivo ou em comissão no Judiciário, não se subsume às hipóteses de incompatibilidade previstas no art. 28 do Estatuto dos advogados e da OAB (Lei n. 8.906/94). A vedação, como não poderia deixar de ser, existe tão-somente para o patrocínio de ações propostas no próprio juizado especial. Esse impedimento, de caráter relativo, prevalece para diversos cargos em que é autorizado o exercício da advocacia, a exemplo dos procuradores do Distrito Federal, para os quais é defeso atuar nas causas em que for ré a pessoa jurídica que os remunera. Hodiernamente, a questão não enseja maiores digressões, visto que a controvérsia já restou superada até mesmo no âmbito do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Recurso especial não conhecido. (STJ, Recurso Especial nº 380.176-RS 2001/0155442-0, Relator: Ministro FRANCIULLI NETTO, Data de Julgamento: 13/05/2003, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 23/06/2003). – Grifo próprio. [4]

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Como se vê, embora não existisse lei ordinária permitindo expressamente o exercício da advocacia pelos conciliadores judiciais, prevalecia o entendimento de que aos referidos profissionais não incidia a vedação do inciso IV do artigo 28 do EAOAB. Registre-se, ainda, que este entendimento, resultado da análise da incidência do inciso IV do artigo 28 do EAOAB aos conciliadores dos Juizados Especiais, era perfeitamente aplicável aos conciliadores judiciais que atuavam nas Varas Cíveis em geral (varas de família, bancária, etc.).


3. Conciliadores e mediadores judiciais no CPC/2015

As formas de autocomposição de conflitos ganham especial tratamento no Novo CPC, tanto que, logo nos seus artigos iniciais (art. 3º, §§ 2º e 3º), dispõe o CPC/2015 que o Estado deve promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, e que a conciliação e a mediação devem ser estimuladas pelos juízes, advogados, membros da Defensoria Pública e do Ministério Público.  Além disso, foi dedicado um capítulo (Capítulo V, Título I, do Livro I da Parte Especial) apenas para tratar da “audiência de conciliação e mediação”.

A solução consensual dos conflitos deve ser promovida pelos juízes (Art. 139, Inc. V), devendo eles inclusive, ao instalar a audiência de instrução e julgamento, tentar conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outras formas de autocomposição de litígios (Art. 359, caput). [5]

Sem embargo do dever de os juízes promoverem a autocomposição, a conciliação e a mediação devem ser conduzidas, preferencialmente, pelos conciliadores e mediadores judiciais, isso porque o juiz nem sempre é a pessoa mais indicada para exercer tais atividades, visto que ele pode não ter a técnica necessária e também, na hipótese de uma participação mais ativa na tentativa de obter a conciliação ou a mediação, poderá ser acusado de prejulgamento. [6]

Os conciliadores atuam preferencialmente nos casos em que não há vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções para o litígio (Art. 165, § 2º). A conciliação é mais adequada para os conflitos de interesses que não envolvam relação continuada entre as partes envolvidas, a exemplo de uma colisão entre veículos, em que o vínculo surge justamente em razão da lide instaurada, ou nos casos em que as partes têm um vínculo anterior pontual, como ocorre num contrato para prestação de um serviço. [7]

Os mediadores, por sua vez, atuam preferencialmente nos casos em que há vínculo anterior entre as partes, auxiliando aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (Art. 165, § 3º) [8]. A mediação é mais indicada para os casos em que as partes já mantinham alguma espécie de vínculo continuado antes do surgimento da lide, o que caracteriza uma relação continuada e não apenas instantânea entre elas, a exemplo do que ocorre no direito de família, no direito de vizinhança e no direito societário. [9]


4. O vínculo jurídico que os conciliadores e mediadores judiciais mantêm com o Poder Judiciário

Os conciliadores e mediadores judiciais foram incluídos no rol dos auxiliares da justiça (Art. 149).

De acordo com o CPC/2015, o vínculo que os conciliadores e mediadores judiciais manterão com o Poder Judiciário (TJ e/ou TRF) poderá ser de três tipos: 1) conciliadores e mediadores inscritos em Cadastro Nacional e em Cadastro de TJ ou TRF, que perceberão remuneração pela prestação dos seus serviços conforme tabela fixada pelo Tribunal – art. 167, caput c/c art. 169, caput; 2) conciliadores e mediadores detentores de cargo público efetivo – art. 167, § 6º; 3) conciliadores e mediadores voluntários – art. 169, § 1º.

Discorreremos, a seguir, acerca dos três tipos de vínculos que os conciliadores e mediadores poderão manter com os Tribunais.

4.1 Conciliadores e mediadores remunerados conforme tabela fixada pelo Tribunal e parâmetro estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça

De acordo com o artigo 167, caput, do Novo CPC, os conciliadores e os mediadores judiciais serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.

O conciliador ou mediador judicial poderá requerer sua inscrição nos cadastros nacional e/ou do TJ/TRF, desde que preencha o requisito de capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça (Art. 167, § 1º).

O parágrafo 2º do artigo 167 do Novo CPC dispõe que a efetivação do registro dos conciliadores e mediadores judiciais poderá ser precedida de concurso público. A expressão “concurso público”, usada para designar a seleção composta de provas ou provas e títulos para o ingresso de candidatos em cargos públicos efetivos ou empregos públicos, não pode ser interpretada em seu sentido usual no § 2º do artigo 167, pois fora reservado um dispositivo legal específico (Art. 167, § 6º) para tratar dos conciliadores e mediadores judiciais detentores de cargo público. A nosso ver, o objetivo do legislador é facultar aos Tribunais que o registro nos Cadastros seja precedido de processo seletivo, a exemplo do que ocorre nas contratações de estagiários do Poder Judiciário, o que é salutar para privilegiar o princípio da impessoalidade na Administração Pública.

Após o registro dos profissionais nos Cadastros, o Tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista de distribuição dos processos e casos que serão submetidos à conciliação e mediação, que deverá ser alternada e aleatória, respeitado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional (Art. 167, § 2º).

Os profissionais inscritos nos Cadastros a que se refere o artigo 167, caput, receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo TJ/TRF, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (Art. 169, caput), vedada tal forma de remuneração aos conciliadores e mediadores judiciais do art. 167, § 6º, do CPC. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso, por exemplo, regulamentando o disposto no caput do artigo 169 do CPC, editou o Provimento n. 9/2016-CM. De acordo com o art. 1º, § 2º do referido Provimento, as partes arcarão com as despesas relativas aos honorários do mediador, exceto nos casos acobertados pela assistência judiciária gratuita. O anexo do mencionado Provimento estabelece a tabela de honorários dos conciliadores e mediadores, fixando o pagamento dos serviços por preços mínimo e máximo por hora de trabalho.

4.2 Conciliadores e mediadores judiciais detentores de cargo público efetivo

Dispõe o parágrafo 6º do artigo 167 do Novo CPC:

“O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições deste Capítulo.”

Conforme se nota, o TJ ou TRF poderá optar por criar cargos públicos efetivos de conciliadores e mediadores judiciais.

Cargo público, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2014, pág. 615) “é o lugar dentro da organização funcional da Administração Direta e de suas autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor público, tem funções específicas e remuneração fixadas em lei ou diploma a ela equivalente.”

O cargo público divide-se em cargo efetivo e cargo em comissão.

Cargo efetivo é aquele cujo provimento decorre de prévia aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos. Os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo adquirem estabilidade após três anos de efetivo exercício.

Cargo em comissão é aquele de livre provimento e exoneração.

Por conta da expressa menção a “concurso público de provas ou de provas e títulos”, contida no parágrafo 6º do artigo 167, não poderá ser criado cargo comissionado de conciliador ou mediador judicial, até mesmo porque as atividades de conciliação e mediação não podem ser consideradas como de direção, chefia e assessoramento. [10]

De acordo com o parágrafo 4º do artigo 7º da Resolução nº 125/2010, a criação de cargos públicos de conciliadores e mediadores judiciais deve ser encarada como uma medida excepcional e pode ser adotada apenas se a quantidade de profissionais cadastrados nos termos do artigo 167, caput e parágrafo 1º, do Novo CPC, for insuficiente. [11]

4.3 Conciliadores e mediadores judiciais voluntários

Dispõe o artigo 169, parágrafo 1º: “A mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal.”

A nosso ver, os conciliadores e mediadores voluntários também devem passar por capacitação que observe o parâmetro curricular delineado pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Ministério da Justiça, devendo, ainda, inscreverem-se nos cadastros nacional e/ou do TJ ou TRF.

Registro ainda que o interesse em atuar de forma voluntária nas atividades de conciliação e mediação poderá vir de bacharéis em Direito que estiverem interessados em cumprir os três anos atividade jurídica, requisito exigido pela Constituição Federal (Arts. 93, inc. I e 129, § 3º) para realização de concursos públicos de ingresso nas carreiras da Magistratura ou do Ministério Público. Exemplo neste sentido pode ser extraído do artigo 44, inciso II, da Resolução nº 5/2016, do Tribunal de Justiça do Tocantins, que permite que seus servidores da ativa atuem como conciliadores voluntários, desde que não prejudique suas atribuições normais. Assim, se um servidor efetivo do TJTO que exerça um cargo público que não seja enquadrado como de ‘atividade jurídica’, a exemplo dos técnicos administrativos, e que queira prestar concurso público para ingresso na carreira da Magistratura ou MP, poderá cumprir tal requisito mediante a realização das audiências de autocomposição, desde que desenvolva as atividades de conciliação e mediação em expediente não inferior a 16 (dezesseis) horas mensais [12].

Sobre o autor
Thiago Borges Mesquita de Lima

Bacharel em Direito pelo Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura (ICEC), Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Faculdade Dom Alberto, Pós-Graduado em Direito Civil Constitucionalizado e o Novo Processo Civil pela Universidade de Cuiabá (UNIC), Advogado em Cuiabá/MT e Juiz Leigo credenciado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9511639822037013

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Thiago Borges Mesquita. Do exercício da advocacia pelos conciliadores e mediadores judiciais:: um estudo à luz do art. 167, § 5º, do CPC/2015 c/c art. 28, inc. IV, da Lei 8.906/1994. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4843, 4 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52486. Acesso em: 8 nov. 2024.

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