Por ser extremamente amplo o conceito de interesse público é de extrema dificuldade entre os doutrinadores determina lo. Ainda não é sabido o que seria interesse público, caracterizando, desse modo, um conceito indeterminado. Os significados variam, pois há aqueles que entendem que é um interesse contraposto ao interesse individual, outros defendem que é a somatória de interesses individuais, passando pela soma de bens e serviços, bem como, o conjunto de necessidades humanas indispensáveis na vida do particular.
Tomar-se-á por base o conceito dado pelo grande professor Celso Antônio Bandeira de Mello:
“ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. Dizer isto, entretanto, é dizer muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é interesse público (MELLO, 2015).”
Com a noção de que o interesse público seria o interesse do todo, do conjunto social, convém destacar que nos últimos anos, no Brasil, a Constituição conquistou, verdadeiramente, força normativa e efetividade a fim de garantir não somente os interesses individuais, mas sobretudo o interesse público.
Além disso, ressalta-se que a jurisprudência acerca do interesse público caminha a passos largos para uma maior intervenção judicial para garantir esse interesse público. Constata-se que as normas constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de um documento estritamente político, mera convocação à atuação do Legislativo e do Executivo, e passaram a desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por juízes e tribunais.
Assim, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em particular, converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela judicial específica. A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações à Administração Pública para que o interesse público seja efetivado, procura realizar a promessa constitucional de garantir o bem comum.
Entretanto, nota-se que a judicialização exacerbada seja do interesse público, seja de politicas públicas ou mesmo a judicialização da política traz à tona uma famigerada discussão, qual seja a intervenção do Poder Judiciário nas decisões do Poder Executivo.
Nota-se que de um lado, proliferam decisões extravagantes ou emocionais, que condenam a Administração ao custeio de tratamentos de saúde, políticas públicas criação de novas vagas entre outros de forma irrazoável – seja porque inacessíveis, seja porque destituídos de essencialidade.
Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em si. Eles põem em risco a própria continuidade do próprio interesse público, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos.
Percebe-se que o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar à não realização prática da Constituição Federal. Em muitos casos, o que se revela é a concessão de privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que continua dependente das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo.
Surge então o difícil problema de tentar estabelecer critérios para a definição de interesse público: quais as prioridades a serem atendidas? Quais as escolhas que melhor atendem às metas constitucionais? Pode o Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pelo legislador ao definir as metas no plano plurianual e distribuir recursos nas leis orçamentárias? Pode o Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pela Administração Pública?
Rigorosamente, não pode o Judiciário interferir em políticas públicas, naquilo que a sua definição envolver aspectos de discricionariedade legislativa ou administrativa. O cumprimento das metas constitucionais exige planejamento e exige destinação orçamentária de recursos públicos. Estes são finitos. Não existem em quantidade suficiente para atender a todos os direitos nas áreas social e econômica. Essa definição está fora das atribuições constitucionais do Poder Judiciário. Este pode corrigir ilegalidades e inconstitucionalidades, quando acionado pelas medidas judiciais previstas no ordenamento jurídico, mas não pode substituir as escolhas feitas pelos Poderes competentes.
Por fim, aponta-se o caminho que a Administração Pública deve seguir para que não haja a necessidade de controle por parte do Poder Judiciário em suas decisões, quais seja a tomada de decisão com base em estudos sistêmicos das reais necessidades da sociedade para que o interesse público seja alcançado da melhor maneira possível.
Dessa forma, conclui-se, em última análise que a harmonização entre a judicialização do interesse público e a discricionariedade administrativa se dá sempre que o ato editado pela Administração observou não apenas aspectos de legalidade estrita, mas considerou os princípios constitucionais expressos e implícitos, pertinentes ao caso concreto. E, na sua motivação deixar explícito, com clareza e objetividade, que todas as questões pertinentes que o caso comportar foram consideradas, na medida em que, por vezes, terá que se socorrer de critérios técnicos, ou de oportunidade ou conveniência econômica e social. Feito de outro modo, o Poder Judiciário, desde que provocado, poderá interferir para que qualquer lesão ou ameaça a direitos sejam evitados a fim de garantir o interesse público.
REFERÊNCIAS
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